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– Quem julga você que é? Que notícia extraordinária pensa que nos traz? Tenho<br />
a minha vida resolvida há muito tempo e não é qualquer pessoa, qualquer idéia que<br />
pode transformar-me. (Ap, p. 101).<br />
Mas é esse desassossego de Ana, disfarçado em vigorosa auto-afirmação, que dá a<br />
Alberto a certeza de quão inquietantes são as notícias que ele traz àquela cidade de homens<br />
que não querem ver além das suas conveniências, nem dos seus mitos, nem dos seus medos,<br />
nem das suas certezas ou incertezas:<br />
Ah, como te torces dentro de ti! Também tu então nada sabias de ti! Também eu te<br />
trouxe a notícia das trevas onde hás-de acender a nova luz. Céus! Mas então eu fui necessário!<br />
Todo um mundo duvidoso esperava o novo Messias! Sofre, amiga! Trago comigo<br />
a destruição dos mitos que inventaste, desses cômodos sofás em que instalaste o<br />
teu viver quotidiano, como esse em que estás sentada. (Id., ibid.) 17 .<br />
Mais do que trazer uma notícia a uma cidade que mais parece desumana que humana,<br />
o que Adalberto faz, em Penalva, é empreender, pelo labirinto sombrio das ruas fantasmagóricas<br />
e frias, a obsessiva busca do “outro”. Mortos os pais, os seus pontos de<br />
referência no mundo e possibilidade privilegiada de comunicação/comunhão<br />
(particularmente com a mãe), Adalberto, primigêniamente só, passa a procurar num<br />
“outro” (ou em vários “outros”) uma hipótese de relacionamento. Mas, por não ser a<br />
relação meramente social e epidérmica aquilo que busca, e sim o contrário disso (o<br />
radicalmente contrário disso), uma relação integral e absoluta, mais do que relação,<br />
comunicação, e mais do que comunicação, comunhão, a procura de Adalberto resultará<br />
obsessiva mas infrutífera, por absoluta impossibilidade de realização do que se lhe impõe<br />
como necessidade. Como em anteriores romances de Vergílio Ferreira (Mudança, Apelo da noite, Cântico<br />
final e Aparição), o protagonista é posto em situação de orfandade. Orfandade total ou<br />
parcial, como vem a ocorrer em Apelo da noite, em que Adriano, tendo perdido o pai, deixa,<br />
ao morrer, a mãe que lhe sobrevive. São ainda, todos os destes romances, protagonistas<br />
relativamente jovens, acompanhados, pela diegese, no seu processo de amadurecimento/envelhecimento.<br />
Colocados pela perda dos pais em situação de solidão absoluta e em<br />
17 O traço messiânico presente em protagonistas de romances de V. F. é recorrente, constituindo uma das suas<br />
constantes. Além de o termos em Alberto (de Ap), já o encontramos em Adriano (de AN), de certo modo<br />
em Mário (de CF) – que ensina aos seus amigos o valor formativo e educativo da montanha, e antes de<br />
morrer os convence a visitá-la em “peregrinação”, após a sua morte – e vai reaparecer em personagens de<br />
romances futuros, algumas vezes disfarçado nos discursos de sarcásticas figuras de “profetas” e de loucos.