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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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107<br />

avó paterna de Alberto, mas, quanto à senhora que aparece no álbum herdado por Rute,<br />

esta já não sabe se é uma sua tia-avó se bisavó. Sabe só – porque a mãe lhe contara – que<br />

se matou em plena beleza e juventude dos vinte anos.<br />

A tia Dulce é para Alberto uma lembrança doce desde o nome, porque lhe traz de<br />

volta a pureza inocente e primordial da infância. Tal como Cristina, para sempre será para<br />

ele, sobretudo, uma memória musical sagrada na pureza da infância pela injustiça da morte.<br />

Cristina é em si mesmo um nome 14 de intensa sonoridade, simbólica personificação da<br />

magia da música que fascina e povoa a sensibilidade de Alberto (“Um sol matinal, a opressão<br />

das sestas do verão, o silêncio lunar, os ventos áridos de março, os ocos nevoeiros, as<br />

massas pluviosas, [...] são o acorde longínquo da música que me povoa, [...]. A minha vida<br />

assinala-se em breves pontos de referência. Mas esses pontos [...] abrem-se ao que os resde<br />

esferas.” – p. 83). Cristina é na memória emocionada de Alberto esse<br />

acorde de música longínqua, esse ressoar cósmico da música das esferas. É de Cristina a<br />

soa como música<br />

derradeira imagem, a última das aparições à sensibilidade do protagonista-narrador de A-<br />

parição no momento em que este encerra, em registro intensamente poético, o testemunho<br />

escrito da sua experiência existencial: “ neste instante fugidio e apaziguado eu me esqueço<br />

à quietude desta lua irreal sobre a terra realizada em dádiva e fertilidade, à memória de<br />

uma inocência de outrora e para sempre reinventada em música a uma hora gravada de<br />

cansaço entre uns dedos indefesos e uns cabelos louros e a luz derradeira de um dia de<br />

inverno” (p. 291-292 – em itálico no texto citado).<br />

14 Nos romances de V. F. os nomes das personagens, sobretudo das femininas, não parecem tomados simplesmente<br />

ao acaso pelo escritor. Muito pelo contrário, guardam sempre uma relação importante com alguma<br />

coisa que pretendem exprimir para além do próprio nome enquanto elemento da identidade de alguém<br />

e que se conjuga com uma espécie de simbolização de algo, de transcendência, de revelação de caráter<br />

ou temperamento... uma certa aura, ou magia ou mitificação feminina. Assim, Cristina, desde o nome<br />

simboliza e sugere a música de que ela é quase a personificação, tal como Dulce sugere a doce suavidade<br />

das reminiscências da infância e o passado contido no seu álbum de retratos; ou Ana a placidez que a caracterizava<br />

antes da notícia da aparição e que ela readquire ao encontrar um novo sentido para a vida; ou<br />

Sofia o seu desenfreado desejo de conhecer, de inquietar e de agredir. É possível, no conjunto de romances<br />

de V. F. , estabelecer duas linhagens fundamentais de mulheres, que, à velha maneira camiliana poderiam<br />

ser classificadas em mulheres-anjo e mulheres-demônio. Assim, entre as primeiras se poderiam colocar figuras<br />

como Ana, Guida, Paula, Dulce, Suzana (e todas as mães referidas ou representadas nos vários romances).<br />

Entre as segundas, Berta, Sofia, Elsa, Aida-Alda, Ema... Também se observam, na análise da galeria<br />

feminina vergiliana, estreitas relações de “parentesco” espiritual entre personagens. Por exemplo, entre<br />

Ana, Guida e Paula; entre Sofia e Elsa; entre Cristina e Paula (por causa da música). Além disso, ou a<br />

partir disso, evidencia-se ao longo da obra do escritor um processo de mitificação da mulher. Processo que<br />

provavelmente se inicia na infância musical da diáfana e transcendente aparição de Cristina e que se conclui<br />

na concepção maravilhada da Sandra de Para sempre, na Oriana de Até ao fim ou na Mônica de Em<br />

nome da terra, cujo nome lembrava ao protagonista o som de um oboé.

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