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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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gestos humanitários, como a adoção das duas pequeninas órfãs deixadas pelo suicida Bailote.<br />

Sofia é uma jovem estranha, provocante e agressiva, em constante rebelião contra as<br />

normas e convenções de toda ordem. Faz com Alberto um jogo duplo de sedução e desprezo,<br />

mantém com ele uma relação amorosa breve e tumultuada, vindo a fazer o mesmo em<br />

simultâneo com Carolino. Acabará assassinada por este, num gesto tresloucado em que se<br />

misturou o ciúme do colegial, provocado pelas relações entre Sofia e Alberto, o seu ódio<br />

contra o professor e o seu equivocado entendimento da aparição, que acaba confundindo<br />

com a descoberta, em si, de uma força obscura, um sombrio poder de matar. Inicialmente,<br />

e por acaso, matou um animal, uma galinha, atingida pela pedra que arremessou contra um<br />

porco e que errou o alvo. Alarmou-o, então, o espanto da morte, mas já havia no alarme<br />

alguma coisa de maravilhamento. Mais tarde, por ciúmes, tentará matar o professor a gol-<br />

fracassa. Finalmente, assassinará Sofia, numa noite de São João, nos<br />

pes de navalha, mas<br />

arredores rurais da cidade. O desarrazoado da explicação que dá da sua atitude revela o<br />

tumulto de um pensamento ou de um sentimento mergulhado num caos próximo da loucu-<br />

é capaz de compreender aquela “loucura” manifestada nas palavras<br />

ra. Só Alberto Soares<br />

de Carolino:<br />

“Ela fazia pouco de mim, eu gostava muito dela, muito, muito. Eu matava-a e ela depois<br />

ficava a descansar, que é que valia matá-la? Ela descansava e quem sofria era eu.<br />

Mas depois eu pensei: Ela é uma coisa extraordinária, ela é muito grande, ela diz “eu”<br />

e quando diz “eu” é uma força enorme, uma maravilha extraordinária. Se eu a matasse,<br />

está bem, ela ficava a descansar; mas eu reduzia-lhe a nada aquilo que era grande,<br />

ela, ela. E ela era tão bela e quando me amava ela era grande como ela, porque ela era<br />

tudo isso e eu reduzi a nada tudo isso. E eu continuo vivo, continuo a ser grande, ela já<br />

não é nada. Mas tenho pena – oh, ela é que teve a culpa. Sinto-me orgulhoso da minha<br />

força, mas estou triste.” (Ap, p. 289, itálicos do texto citado).<br />

Há alguma coisa de nietzscheano nesse orgulho de Carolino da força de que dispõe<br />

e com que é capaz de matar alguém. Noutras passagens do romance Carolino demonstra<br />

com clareza essa sua vontade de poder: “já não há deuses para criarem e assim [...] o homem<br />

é que é deus porque pode matar.” (p. 131-132). A má compreensão da experiência<br />

existencial que Alberto procurou transmitir, a ele e a outros, a revelação da consciência<br />

sobre a circunstancialidade da vida diante da irremediável fatalidade da morte, origina em<br />

Carolino esse poder obscuro e mortal. Só Alberto é capaz de o compreender:

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