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JOS RODRIGUES DE PAIVA

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Com relação às obras anteriores, Aparição representa um mergulho profundo no<br />

conhecimento do homem a partir de si mesmo. Na verdade, é o romance da descoberta<br />

emocionada do Eu, na acepção mais profunda da individualidade, a revelação da essência<br />

do homem a si mesmo. Alberto Soares vive a experiência dessa descoberta, sobretudo a<br />

partir do choque brutal, do alarme que lhe causou a morte súbita do pai, fulminado por um<br />

infarto à mesa de um jantar festivo de que participava toda a numerosa família. Sobretudo<br />

desde aí, mas já com algumas intuições vindas da infância, como a que o fazia perguntar<br />

insistentemente ao pai “quem sou eu?”, ou como a representada pelo episódio do espelho,<br />

em que, certa noite, vendo-se, julgou ter visto outra pessoa, e, revendo-se, já então à luz do<br />

dia e sabendo ser sua a imagem refletida, ainda assim, pensava sobre quem seria a pessoa<br />

que do espelho o fitava ou a que no espelho se refletia. Também no seu afeto pelo cão<br />

Mondego, em que pudera “sentir obscuramente uma ‘pessoa’”, dotado de sentimento, en-<br />

definida, com simpatias e antipatias, o conhecimento do que se<br />

tendimento, “personalidade<br />

passava à sua volta.” (Ap, p. 144). A morte do cão, sacrificado por causa de uma doença<br />

incurável, numa noite de Natal, seria a primeira grande dor profunda, existencial, de Alberto<br />

ainda criança, que, mais tarde, a irmanaria à dor da perda do pai: “nesta imóvel radiação<br />

do silêncio, nesta vasta suspensão do tempo, a morte do Mondego irmana-se à de meu pai,<br />

dissolve-se num imenso apaziguamento. Como um olhar gravado de cansaço, a lua vela o<br />

ossuário da terra, a profunda surdez que me submerge...” (p. 146-147).<br />

Logo a seguir à morte do pai, Alberto, recém-formado em Letras, vai para Évora<br />

lecionar no Liceu local. Procurando inserir-se no meio social da cidade, relaciona-se com a<br />

família do Doutor Moura, médico que fora amigo de seu pai desde a juventude universitária<br />

em Coimbra, casado com Madame Moura, com quem tivera três filhas: Ana, Sofia e<br />

Cristina. Este é o núcleo fundamental do relacionamento social e humano de Alberto Soares<br />

em Évora. Estes, particularmente Ana e Sofia, serão as principais testemunhas e interlocutores<br />

de Alberto na explanação e debate da sua “descoberta” existencial, numa espécie<br />

de exercício pedagógico de ensino/aprendizagem da aparição, a revelação alarmada do<br />

homem a si mesmo, na esfera ontológica do ser profundo. O grupo de interlocutores cresce<br />

com a adesão de Carolino, alcunhado de Bexiguinha, aluno de Alberto no Liceu. Ana é<br />

casada com Alfredo Cerqueira, representação de homem medíocre, grosseiro e imediatista.<br />

É – no início do romance – uma mulher em paz com os limites da sua vida, embora aspire<br />

– sufocando a aspiração – a algo mais elevado. No final do romance terá perdido muito da<br />

sua paz, mas tenta recuperá-la procurando “espiritualizar” a existência e justificá-la em

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