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ria, Aparição é um romance “revolucionário”. Era uma ousadia, publicar-se em Portugal,<br />
em 1959, um livro como este. Ainda na vigência do neo-realismo, embora na sua fase final,<br />
Aparição consolidava a temática existencial na obra do seu autor, consolidava o romance-ensaio,<br />
ou de idéias, ou o romance-problema, como preferia o próprio Vergílio, que<br />
assim introduzia a novidade no cenário das letras pátrias. O romance desencadeou uma<br />
pequena revolução nesse cenário. Ou antes culminou essa pequena revolução, esse<br />
“escândalo” que discretamente tivera início em Mudança e se alastrara até Cântico final<br />
para culminar em Aparição. Eduardo Lourenço fala desse “escândalo”:<br />
[...] a aparição é descoberta – autodescoberta – do eu como realidade em sentido primeiro,<br />
meta-física, do “eu metafísico” como diz o próprio Vergílio Ferreira. Isto significava<br />
(significa) que a sua verdade não podia ser, em definitivo, a do eu empírico, sob<br />
nenhuma das suas figuras, desde a psicológica à social. Este foi, na ordem imediata do<br />
discurso cultural, vigente nos anos 50 entre nós, o escândalo Vergílio Ferreira. Desse<br />
“escândalo” Vergílio Ferreira fará um mundo. 11<br />
Mas não só por isso Aparição é um romance “revolucionário”. Ele o é exatamente<br />
por romper com as barreiras do “clássico”, ousando subverter categorias da narrativa, sobretudo<br />
as noções de tempo e de espaço. Ultrapassando as fronteiras do romance, operando<br />
a fusão do romanesco com o ensaístico e introduzindo no discurso narrativo uma linguagem<br />
que é, por vezes, essencialmente poética, essencialmente lírica. A “organização” do<br />
romance é “clássica”, mas a (aparente) linearidade da narrativa, de que a estruturação capitular<br />
é sugestiva, é mero simulacro, porque ela desaparece sob a força dos novos meios de<br />
trabalhar as categorias da narrativa, que pulverizam as até então sólidas concepções de<br />
tempo e espaço, quebrando também, conseqüentemente, a continuidade da ação romanesca<br />
e dando início, na obra do escritor, a uma espécie de “poética da fragmentação”. Estas<br />
complexas percepções de tempo/espaço/ação, desfazem o que no romance era apenas aparente<br />
“facilidade”, aparente obediência às convenções romanescas. Por isso, o “mais clássico”<br />
dos romances de Vergílio Ferreira, é também, paradoxalmente ou não, o seu romance<br />
“mais revolucionário”.<br />
11 LOURENÇO, Eduardo. Vergílio Ferreira: do alarme ao júbilo. In: _______ . O canto do signo: existência<br />
e literatura. Lisboa: Presença, 1994, p. 114. O próprio V. F., abrindo o “Posfácio”, datado de 1967, que escreveu<br />
para a 5ª edição do romance, assim se refere à recepção de Aparição: “Coube a este livro a sua fração<br />
de novidade e a sua fração de escândalo. Por uma e outro, tem sido difícil perdoarem-mo.” (Ap, 7. ed.,<br />
p. 295).