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po, mais que simplesmente ele mesmo, é também, neste romance, “personagem”. Porque é<br />
uma “vivência”, uma “entidade”, um “ente”. A afirmativa de Martínez vem da sua leitura<br />
de Aparição como obra heideggerianamente existencialista, e, dando suporte à idéia de<br />
“ tempo absoluto, único, integral e indivisível” e só possível de ser concebido “metafisicamente”,<br />
ele lembra que<br />
Heidegger distingue un concepto vulgar del tiempo, el del ahora, el del ya no y el<br />
del aun no, del tiempo de la vivencia existencial, en el cual la mirada desde el presente<br />
se hace cargo de lo advenidero, de lo aguardado retrayéndose instintivamente al sido.<br />
En este sentido nos es exacto hablar de pasado, pues el hombre, mientras vive no pasa,<br />
como una cosa; ni de futuro, sino de lo advenidero, de lo que esperamos que venga a<br />
nosotros. (Id., ibid.).<br />
Estes elementos estruturantes de que venho tratando – um prólogo e um epílogo<br />
emoldurantes da narrativa propriamente dita, a freqüente alternância contrapontística que<br />
anula, em fusão, as diferentes dimensões ou situações temporais e espaciais (passado/presente,<br />
aldeia/cidade) – embora em Aparição sejam elevados a um grau superlativo,<br />
possuem antecedentes em romances anteriores, confirmando-se como traços constantes na<br />
arte romanesca de Vergílio Ferreira. Bastaria lembrar que a idéia de contraponto já se encontra<br />
em Apelo da noite e em Cântico final e que as presenças de um prólogo e de um<br />
epílogo já se percebem em Manhã submersa. Mesmo a complexa concepção de tempo que<br />
se tem em Aparição, pode ser vislumbrada, ainda que de forma singela, neste mesmo romance,<br />
em que o passado, reconstituído pela memória de A. Santos Lopes, converge para<br />
um presente que é o do tempo em que ele escreve a “sua história”.<br />
Invocando a estruturação de modelo tradicional de Aparição, a sua organização<br />
capitular, a fluência dos eventos narrados, a concepção das personagens, a intensa poeticidade<br />
da linguagem, entre outros aspectos da obra, classifiquei-a, em tempos, como “o mais<br />
clássico dos romances do escritor.” 9 . Concordando com a classificação, Leonor Buescu a<br />
complementou: “E também, acrescentarei, talvez o mais revolucionário.” 10 . Sobretudo com<br />
relação aos romances dessa primeira fase, e até que o romancista escrevesse Nítido nulo,<br />
por exemplo, ou chegasse ao patamar de Para sempre. Seria a observação a fazer. Mas tem<br />
razão a ensaísta: não obstante o seu visível recorte clássico, a sua filiação à tradição literá-<br />
9 V. o meu livro O espaço-limite no romance de Vergílio Ferreira. Recife: Edições Encontro/Gabinete Português<br />
de Leitura, 1984, p. 171.<br />
10 BUESCU, Leonor. Eu, Cláudio, à beira-mar. In: FONSECA, Fernanda Irene (Org). Op. cit., p. 141.