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Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações

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<strong>Letras</strong><br />

d i g i t a i s<br />

Teses e Dissertações originais em formato digital<br />

O Cronotopo na obra<br />

“Espaço Terrest re ”: o diálogo<br />

tempo-espaço como princípio<br />

organizado r da narrativa<br />

Ivanda Maria Martins<br />

Silva<br />

1997<br />

Programa <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação<br />

em <strong>Letras</strong>


Ficha Técnica<br />

Coor<strong>de</strong>nação do Projeto <strong>Letras</strong> <strong>Digitais</strong><br />

Angela Paiva Dionísio e Anco Márcio Tenório Vieira (orgs.)<br />

Consultoria Técnica<br />

Augusto Noronha e Karla Vidal (Pipa Comunicação)<br />

Projeto Gráfico e Finalização<br />

Karla Vidal e Augusto Noronha (Pipa Comunicação)<br />

Digitalização dos Originais<br />

Maria Cândida Paiva Dionízio<br />

Revisão<br />

Angela Paiva Dionísio, Anco Márcio Tenório Vieira e Michelle Leonor da Silva<br />

Produção<br />

Pipa Comunicação<br />

Apoio Técnico<br />

Michelle Leonor da Silva e Rebeca Fernan<strong>de</strong>s Penha<br />

Apoio Institucional<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Letras</strong>


Apresentação<br />

Criar um acervo é registrar uma história. Criar um acervo digital é dinamizar a<br />

história. É com essa perspectiva que a Coor<strong>de</strong>nação do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em <strong>Letras</strong>, representada nas pessoas dos professores Angela Paiva Dionisio e Anco<br />

Márcio Tenório Vieira, criou, em novembro <strong>de</strong> 2006, o projeto <strong>Letras</strong> <strong>Digitais</strong>: <strong>30</strong><br />

<strong>anos</strong> <strong>de</strong> <strong>teses</strong> e dissertações. Esse projeto surgiu <strong>de</strong>ntre as ações comemorativas<br />

dos <strong>30</strong> <strong>anos</strong> do PG <strong>Letras</strong>, programa que teve início com cursos <strong>de</strong> Especialização<br />

em 1975. No segundo semestre <strong>de</strong> 1976, surgiu o Mestrado em Linguística e Teoria<br />

da Literatura, que obteve cre<strong>de</strong>nciamento em 1980. Os cursos <strong>de</strong> Doutorado em<br />

Linguística e Teoria da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. É<br />

relevante frisar que o Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em <strong>Letras</strong> da UFPE, <strong>de</strong> longa<br />

tradição em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nor<strong>de</strong>ste e Norte do País. Em<br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, contava com 455 dissertações e 110 <strong>teses</strong> <strong>de</strong>fendidas.<br />

Diante <strong>de</strong> tão grandioso acervo e do fato <strong>de</strong> apenas as pesquisas <strong>de</strong>fendidas a partir<br />

<strong>de</strong> 2005 possuirem uma versão digital para consulta, os professores Angela Paiva<br />

Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, autores do referido projeto, <strong>de</strong>cidiram<br />

oferecer para a comunida<strong>de</strong> acadêmica uma versão digital das <strong>teses</strong> e dissertações<br />

produzidas ao longo <strong>de</strong>stes <strong>30</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> história. Criaram, então, o projeto <strong>Letras</strong><br />

<strong>Digitais</strong>: <strong>30</strong> <strong>anos</strong> <strong>de</strong> <strong>teses</strong> e dissertações com os seguintes objetivos:<br />

(i) produzir um CD-ROM com as informações fundamentais das 469<br />

<strong>teses</strong>/dissertações <strong>de</strong>fendidas até <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 (autor, orientador, resumo,<br />

palavras-chave, data da <strong>de</strong>fesa, área <strong>de</strong> concentração e nível <strong>de</strong> titulação);


(ii) criar um Acervo Digital <strong>de</strong> Teses e Dissertações do PG <strong>Letras</strong>, digitalizando<br />

todo o acervo originalmente constituído apenas da versão impressa;<br />

(iii) criar o hotsite <strong>Letras</strong> <strong>Digitais</strong>: Teses e Dissertações originais em formato<br />

digital, para publicização das <strong>teses</strong> e dissertações mediante autorização dos<br />

autores;<br />

(iv) transportar para mídia eletrônica off-line as <strong>teses</strong> e dissertações digitalizadas,<br />

para integrar o Acervo Digital <strong>de</strong> Teses e Dissertações do PG <strong>Letras</strong>, disponível<br />

para consulta na Sala <strong>de</strong> Leitura César Leal;<br />

(v) publicar em DVD coletâneas com as <strong>teses</strong> e dissertações digitalizados,<br />

organizadas por área concentração, por nível <strong>de</strong> titulação, por orientação etc.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento do projeto prevê ações <strong>de</strong> diversas or<strong>de</strong>ns, tais como:<br />

(i) <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>rnação das obras para procedimento alimentação automática <strong>de</strong><br />

escaner;<br />

(ii) tratamento técnico <strong>de</strong>scritivo em metadados;<br />

(iii) produção <strong>de</strong> Portable Document File (PDF);<br />

(iv) revisão do material digitalizado<br />

(v) procedimentos <strong>de</strong> reenca<strong>de</strong>rnação das obras após digitalização;<br />

(vi) diagramação e finalização dos e-books;<br />

(vii) backup dos e-books em mídia externa (CD-ROM e DVD);<br />

(viii) <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> rotinas para regularização e/ou cessão <strong>de</strong> registro <strong>de</strong><br />

Direitos Autorais.<br />

Os organizadores


1997<br />

O Cronotop o na obra<br />

“Espaço Terrestr e” : o diálogo<br />

tempo-espaço comoprincípio<br />

organizador da narrativa<br />

Ivanda Maria Martins<br />

Silva<br />

Copyright © Ivanda Maria Martins Silva, 1997<br />

Reservados todos os direitos <strong>de</strong>sta edição. Reprodução proibida, mesmo parcialmente,<br />

sem autorização expressa do autor.


UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO<br />

CENTRO DE ARTES E COMUNICAC;AO<br />

PROGRAMA DE POS-GRADUAC;AO EM LETRAS<br />

E LINGUfSTICA<br />

o CRONOTOPO NA OBRA ESPAf;O TERRESTRE:<br />

o dhilogo tempo-espa~o como principio<br />

organizador da narrativa<br />

DISSERTAC;AO DE MESTRADO<br />

ORIENT ADORA: Prof! Dra. Maria da Pieda<strong>de</strong> Moreira <strong>de</strong> Sa.<br />

Apresentada ao Programa <strong>de</strong> P6s-<br />

Gradua9ao em <strong>Letras</strong> e Lingiiistica da<br />

UFPE para obten9ao do Grau <strong>de</strong> Mestre<br />

em Teoria da Literatura.


o CRONOTOPO NA OBRAESPAl;O TERRESTRE:<br />

o dhilogo tempo-espa~o como principio<br />

organizador da narrativa


A alguem muitoespecial,<br />

Andre Augusto, m.eu m.arido, pelo<br />

carinho e estimulo em todos os<br />

momentos.


"0 estudo das relayoes espaciais e<br />

temporais nas obras <strong>de</strong> literatura s6 teve inicio ha<br />

muito pouco tempo; alem do mais, foram estudadas<br />

sobretudo as rela90es temporais, que esUlo<br />

obrigatoriamente ligadas as primeiras, isto e, nao<br />

houve a abordagem cronot6pica <strong>de</strong>vida. 0 quanta<br />

esta abordagem proposta no nosso trabalho seja<br />

importante e fecunda, s6 po<strong>de</strong>ra ser <strong>de</strong>terminado no<br />

futuro pela evoluyao dos estudos literarios".


A presente pesquisa busca analisar a cronotopia - intera9ao indissochivel<br />

entre tempo e espa90 - no romance Espar;o Terrestre do autor pemambucano<br />

Gilvan Lemos. A rela9ao entre os indices espaciais e temporais e estudada numa<br />

perspectiva dinfunica que <strong>de</strong>fme 0 cronotopo como especie <strong>de</strong> principio<br />

organizador da narrativa.<br />

Em Espar;o Terrestre, a cronotopia assume capital relevancia quando<br />

varios niveis espa90-temporais (Recife/tempo historico, cronotopo da estrada,<br />

Sulida<strong>de</strong>/tempo ciclico) apresentam-se dialogicamente relacionados. 0 dialogo<br />

entre os cronotopos evi<strong>de</strong>ncia-se na intera9ao dos pI<strong>anos</strong> espa90-temporais que,<br />

ora se opoem, ora se completam. A cronotopia tambem organiza a estratifica9ao<br />

lingUistica (plurilingUismo), na medida em que condiciona as variantes dialetais<br />

utilizadas pelas personagens. Por essa razao, a analise fundamenta-se nas<br />

concep90es <strong>de</strong> Bakhtin (1992 e 1993) sobre cronotopia, dialogismo e<br />

plurilingUismo, estreitamente ligadas na composi9ao do universo romanesco.<br />

o principal objetivo <strong>de</strong>ste trabalho e mostrar como a cronotopia manifestase<br />

enquanto elemento importante na arquitetura do romance Espar;o Terrestre, ao<br />

estruturar a narrativa, tanto no plano formal, quanto no simb6lico.


Agra<strong>de</strong>cemos a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuiram<br />

para a realizayao <strong>de</strong>ste trabalho; a Coor<strong>de</strong>nayao do Programa <strong>de</strong> P6s-Graduayao<br />

em <strong>Letras</strong> e Lingiiistica pelo incentivo; ao CNPq pelo fmanciamento <strong>de</strong>sta<br />

pesquisa cientifica; aos professores do Programa <strong>de</strong> P6s-Graduayao pelo estimulo<br />

dado e aos colegas do mestrado, sempre presentes e solidarios.<br />

Em especial, nossos sinceros agra<strong>de</strong>cimentos<br />

a professora Dra. Maria da<br />

Pieda<strong>de</strong> Moreira <strong>de</strong> Sa, pelo excelente trabalho <strong>de</strong> orientayao, alem da <strong>de</strong>dicayao<br />

e disponibilida<strong>de</strong> nos momentos mais dificeis <strong>de</strong>sta dissertayao.


SUMARIO<br />

INTRODU


INTRODU


qual tempo (cranas) e espa90 (tapas) funcionam dialogicamente no romance, na<br />

medida em que "ocorre a fusao dos indicios espaciais e temporais num todo<br />

compreensivo e concreto. [...] 0 tempo con<strong>de</strong>nsa-se, comprime-se, toma-se<br />

artisticamente visivel; 0 proprio espa90 intensifica-se, penetra no movimento do<br />

tempo, do enredo e da historia".<br />

Ao que nos parece, essa n09ao apresentada por Bakhtin nao vem sendo<br />

muito trabalhada pela critica litenrria no Brasil, visto que ha uma acentuada<br />

carencia <strong>de</strong> material bibliografico sobre 0 assunto em lingua portuguesa. Do<br />

levantamento bibliografico realizado, encontramos varios ensaios sobre a<br />

cronotopia em lingua estrangeira (Ingles, Frances e Espanhol). No entanto, nao<br />

tivemos acesso a qualquer artigo em Portugues, 0 que nos surpreen<strong>de</strong>u. Ao longo<br />

do trabalho, as cita90es dos ensaios sobre 0 cronotopo, em lingua estrangeira,<br />

foram por nos traduzidas.<br />

Embora nao se possa interpretar 0 enfoque bakhtiniano como uma teoria<br />

sistematizada a respeito do cronotopo, as consi<strong>de</strong>ra90es apresentadas sobre a<br />

inter-rela9ao entre a concep9ao dialogica e a cronotopica oferecern importantes<br />

subsidios, que, sem duvida, servirao <strong>de</strong> base a uma analise que vise ao estudo <strong>de</strong><br />

tais fenomenos na obra literaria. Pois, como assinala Bakhtin (1993a, p.362),<br />

"sem esta expressao espa90-temporal e impossivel ate mesmo a reflexao mais<br />

10


abstrata. Consequentemente, qualquer intervenyao na esfera dos significados s6<br />

A escolha do tema <strong>de</strong>sta pesquisa justifica-se pela capital importancia da<br />

<strong>de</strong>monstrar, espayo e tempo funcionam como principio organizador da narrativa.<br />

Espar;o Terrestre, publicado em 1993 pela FUNDARPE em co-ediyao<br />

com a Civilizayao Brasileira, ocupa posiyao <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na produyao ficcional <strong>de</strong><br />

abordada. No romance, a qualida<strong>de</strong> estetica evi<strong>de</strong>ncia-se no dominio da tecnica<br />

narrativa que revela maior amadurecimento na feitura do texto ficcional, se<br />

compararmos Espar;o Terrestre as primeiras obras do autor, como Jutai Menino,<br />

por exemplo. Sobre a qualida<strong>de</strong> artistica do romance Espar;o Terrestre,<br />

afrrma<br />

Almeida (1994): 1<br />

"0 texto <strong>de</strong> Gilvan Lemos insere-se na melhor tradiy8.o<br />

ficcional contemporanea. Coloca em evi<strong>de</strong>ncia a saga nor<strong>de</strong>stina, 0<br />

sabor humano que a cerca, sua conotay8.o historica, seu realismo<br />

magico. A miscigenay8.o salta aos olhos embevecidos do leitor,<br />

que, certamente, fica envolvido no emaranhado estetico do tecido<br />

textual que da vida a Sulida<strong>de</strong>".<br />

1 Afirma Carlisle (1981, p.323) que apesar da qualida<strong>de</strong> esttSticadas obras ficcionais <strong>de</strong> Gilvan Lemos,<br />

a produ


12<br />

No que conceme ao aspecto tematico, 0 romance em foco <strong>de</strong>staca-se pela<br />

representa


criticamente a cronotopia, mostrando a perspectiva <strong>de</strong> outros autores, como Best<br />

(1989, 1990) e Mitterand (1990), por exemplo.<br />

No segundo capitulo, 0 cronotopo da estrada sera analisado como indice da<br />

mudanya <strong>de</strong> urn plano espayo-temporal (cida<strong>de</strong>-tempo historico) a outro (campo-<br />

Ainda nesse capitulo, focalizaremos a cronotopia e 0 dilliogo do romance com os<br />

fatos hist6ricos, por urn lado, e as lendas, por outro. Mostraremos, pois, como 0<br />

ate epis6dios lendarios. A funyao metaf6rica da cronotopia tambem sera<br />

explicada quando estudarmos 0 encontro das personagens com 0 contexto<br />

importancia na composiyao do universo ficcional, urna vez que pI<strong>anos</strong> espayo-<br />

2 Estamos consi<strong>de</strong>rando "acontecimentos hist6ricos" aqueles que retomam 0 passado no texto ficcional<br />

atraves <strong>de</strong> alus5es a fatos historicamente situados no mundo empirico, como 0 enforcamento <strong>de</strong> Frei<br />

Caneca, por exemplo. No entanto, sabemos que no mundo da ficyao tais epis6dios estao no mesmo<br />

plano das lendas folc16ricas, uma vez que sao recriados pe1a Otica subjetiva na criayao ficcional do<br />

escritor.


Sulida<strong>de</strong>/tempo ciclico, por exemplo, interagem e modificamMse quando urn<br />

cronotopo acompanha a evoluc;ao <strong>de</strong> outro.<br />

No quarto e ultimo capitulo, investigaremos 0 papel do cronotopo na<br />

organizac;ao da narrativa, tendo por base a relac;ao dial6gica hist6ria-discurso. 3<br />

Interessa-nos mostrar como a estrutura do discurso esta intimamente ligada<br />

as imagens espac;o-temporais representadas na hist6ria. A nosso ver, a cronotopia<br />

Em suma, a partir <strong>de</strong>sta analise, explicaremos a relevancia da cronotopia,<br />

ao manifestar-se como especie <strong>de</strong> principio organizador da obra Espar;o<br />

presente pesquisa busca oferecer uma contribuic;ao aos estudos literarios que<br />

3 Retomamos aqui a distinyao feita por Todorov (1966) entre historia - sequencia <strong>de</strong> acontecimentos<br />

que envo1ve a participayao <strong>de</strong> personagens num certo tempo-espayo - e discurso - 0 modo atraves<br />

do qua1 a hist6da e concretizada. 'Trataremos da re1ayao hist6da-discurso no quarto capitulo (A<br />

cronotopia e a organizar;:ao da narrativa), para exp1icar a funyao do cronotopo na organizayao da<br />

narrativa a partir da interayao dia16gica entre os acontecimentos no nive1 da hist6ria e. a sequencia dos<br />

mesmos no discurso.


CAPITULO 1<br />

APRESENTA


No campo da critica litenn-ia, 0 autor contribuiu para afmnac;ao da<br />

literatura no processo historico-social, ao criticar 0 Formalismo Russo que<br />

isolava 0 texto litenn-io do contexto <strong>de</strong> produc;ao e analisava a obra enquanto<br />

N a linha historico-social,<br />

Bakhtin avanc;ou em seus ensaios voltados para a<br />

enquanto manifestac;ao artistica atrelada as transformac;oes espaciais e temporais<br />

(cronotopicas) que acompanham a evoluc;ao do proprio homem na socieda<strong>de</strong>.<br />

pesquisa, como ja referimos, a obra <strong>de</strong> Bakhtin nao constiui urn todo homogeneo<br />

e acabado, mas constroi-se atraves <strong>de</strong> varios conceitos inter-relacionados que<br />

40 Formalismo Russo, principalmente em sua primeira fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, radicalizava 0 estudo<br />

do texto litenmo como procedimento formal. 0 conteudo era analisado apenas como pretexto para 0<br />

estudo da forma na obra literfuia. A carga simb6lica e a significayao dos textos literfuios eram reduzidas<br />

aos processos <strong>de</strong> exercfcios formais. Nao obstante 0 enfoque bakhtiniano colocar-se em oposiyao ao<br />

Formalismo, <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar que alguns estudos dos formalistas a respeito <strong>de</strong> questoes estilisticas<br />

ofereceram subsidios para Bakhtin <strong>de</strong>senvolver a nOyao do dialogismo na par6dia, por exemplo.<br />

Machado (1989) estuda as influencias das id6ias <strong>de</strong> certos formalistas, principalmente Tinianov, na<br />

abordagem bakhtiniana. Segundo a autora, em Tinianov ja se encontram as id6ias precursoras do<br />

sentido dial6gico que Bakhtin retomara e <strong>de</strong>senvolvera. "Se Bakhtin tivesse <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r urn tributo a urn<br />

formalista por te-Io antecedido no tratamento <strong>de</strong> muitos dos temas centrais <strong>de</strong> sua po6tica, urn nome a<br />

ser lembrado em primeiro lugar sena certamente 0 <strong>de</strong> 1. Tinianov, 0 formalista que trabalhou, na linha<br />

que sena a adotada por Bakhtin, conceitos como 0 <strong>de</strong> par6dia e discurso citado". (Machado, 1989,<br />

p.49). A respeito ainda das influencias <strong>de</strong> Tinianov no enfoque <strong>de</strong> Bakhtin, afirma Schnai<strong>de</strong>rman<br />

(1980, p.89) que <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas algumas diferenyas nas concepyoes dos dois autares sabre a<br />

par6dia.


17<br />

dialogismo, polifonia, cronotopia, entre outros, sao estudados nao so em<br />

Literatura, como tambem na Lingliistica, na Sociologia e outras areas.<br />

Segundo Mitterand (1990, p.89), Bakhtin nao se preocupou em<br />

sistematizar sua teoria, 0 que se revela no carater heterogeneo <strong>de</strong> seus escritos e<br />

na utiliza


<strong>de</strong> classifica~ao das obras <strong>de</strong> Bakhtin, tomando como criterio a epoca em que<br />

foram produzidas. 5<br />

Todorov, no prefacio a obra Estetica da Cria9iio Verbal (1992, p. 14-15),<br />

A primeira fase e marcada por uma concep~aofenomenologica,<br />

presente<br />

no primeiro livro <strong>de</strong> Bakhtin - A poetica <strong>de</strong> Dostoievski - em que se discute,<br />

entre outros aspectos, a re1a~ao<strong>de</strong> alterida<strong>de</strong> entre 0 autor e 0 her6i. Conforme<br />

autor, capaz <strong>de</strong> abarcar 0 todo da personagem. Nessa perspectiva e que Bakhtin<br />

introduz a no~ao <strong>de</strong> tempo e espa~o para <strong>de</strong>terminar a posi~ao do escritor em<br />

5 Starn (1992, p.ll) diz que e muito dificil classificar Mikhail Bakhtin em fazaO <strong>de</strong> seus escritos<br />

englobarem areas diversas do conhecimento. Afirma Starn que talvez seja melhor consi<strong>de</strong>rar Bakhtin<br />

"simplesmente urn dos rnaiores pensadores do sec. XX". Apesar <strong>de</strong>ssa abrangencia do enfoque<br />

bakhtiniano, alguns autores divi<strong>de</strong>m a abordagem <strong>de</strong> Bakhtin em fases. Morson e Emerson (1984, p. 5),<br />

por exemplo, afirmam que as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Bakhtin po<strong>de</strong>m ser enquadradas em quatro periodos. Segundo<br />

os autores, 0 primeiro perfodo, concluido aproximadarnente em 1924, engloba varios escritos sobre<br />

etica e estetica. No segundo perfodo, as i<strong>de</strong>ias bakhtinianas dialogarn com a crftica ao Formalismo<br />

Russo na tentativa <strong>de</strong> criar urn mo<strong>de</strong>lo alternativo <strong>de</strong> linguagem. Na primeira fase, a linguagem ainda<br />

nao era urna categoria central nas discussoes bakhtinianas, enquanto no segundo perfodo, Bakhtin<br />

<strong>de</strong>senvolve a nOyao<strong>de</strong> dialogismo. Nesse periodo, a obm que se <strong>de</strong>staca e A Poetica <strong>de</strong> Dostoievski,<br />

em que 0 autor <strong>de</strong>senvolve a nOyao da polifonia. No terceiro periodo, que vai aproximadarnente <strong>de</strong><br />

19<strong>30</strong> a 1940, 0 romance toma-se urn genero central no pensamento bakhtiniano. Destaca-se 0 ensaio<br />

Discurso no Romance, no qual Bakhtin <strong>de</strong>senvolve as nOyoes<strong>de</strong> cronotopo e camavalizayao. No ultimo<br />

periodo, 0 autor retoma aos assuntos filos6ficos da primeira fase e investe em alguns pontos da Hist6ria<br />

literaria. Nessa fase, <strong>de</strong>staca-se 0 ensaio Para uma Metodologia das Ciencias Humanas.<br />

6 As consi<strong>de</strong>rayoes que seguern tern por base os comentarios tecidos por Todorov, no livro acima<br />

citado.


ela9ao ao her6i, <strong>de</strong>stacando a exotopia do primeiro, isto e, 0 olhar exterior que<br />

<strong>de</strong>fme a imagem da personagem. 7<br />

o segundo momento, socioI6gico-marxista,<br />

compreen<strong>de</strong> os tres livros<br />

assinados pelos amigos e colaboradores <strong>de</strong> Bakhtin: Marxismo e jilosojia da<br />

Dentre essas obras, <strong>de</strong>staca-se Marx ism0 e jilosojia da linguagem<br />

filos6ficas (0 objetivismo abstrato e 0 subjetivismo i<strong>de</strong>alista), aMm <strong>de</strong> revelar<br />

uma concep9ao ampla sobre 0 discurso. 0 signo lingiiistico e estudado enquanto<br />

fenomeno hist6rico-social e dotado <strong>de</strong> carga i<strong>de</strong>o16gica, aMm <strong>de</strong> manter-se<br />

dialogismo e analisado como principio inerente a linguagem, pOlS qualquer<br />

produ9ao lingiiistica esta marcada pelas diversas vozes que se mesc1am it voz do<br />

enunciador. Ainda em Marx ism0 e jilosojia da linguagem, Bakhtin aprofunda 0<br />

carater dia16gico da linguagem, ao apresentar as estrategias <strong>de</strong> organiza9ao do<br />

7 Sobre a exotopia, explica Bakhtin (1992, p.4S): "0 exce<strong>de</strong>nte da minha visao contem em germe a<br />

forma acabada do outro, cujo <strong>de</strong>sabrochar requer que eu the complete 0 horizonte sem 1he tirar a<br />

originalida<strong>de</strong>. Devo i<strong>de</strong>ntificar-me com 0 outro ever 0 mundo atraves <strong>de</strong> seu sistema <strong>de</strong> valores, tal<br />

como ele vS; <strong>de</strong>vo colocar-me em seu lugar, e <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> volta ao meu lugar, completar seu horizonte<br />

com tudo 0 que se <strong>de</strong>scobre do 1ugar que ocupo, fora <strong>de</strong>le [...]".


Na obra 0 metodo formal em estudos literarios, publicada em 1928 e<br />

assinada por P. Medve<strong>de</strong>v, e evi<strong>de</strong>nte a critic a ao Formalismo Russo, que isolava<br />

o texto litenirio do processo historico-social. N a ansia <strong>de</strong> buscar uma<br />

sistematiza


21<br />

Do nosso ponto <strong>de</strong> vista, essa fase aprofunda aspectos do pensamento<br />

bakhtiniano, ja esbo


No ensaio publicado inicialmente com 0 titulo 0 Romance <strong>de</strong> Educac;ao e<br />

seu Significado na Hist6ria do Realismo (1936), Bakhtin tambem discute a<br />

cronotopia e <strong>de</strong>senvolve urn estudo tipologico do romance. 9<br />

Segundo 0 autor, a relayao dialogica tempo-espayo, ou cronotopo, <strong>de</strong>ve ser<br />

pelas transformayoes temporais e espaciais da realida<strong>de</strong> social. Discutiremos a<br />

concepyao <strong>de</strong> cronotopo e sua importancia para os estudos litenirios em 1.1.1,<br />

o plurilingliismo, isto e, a estratifica9ao <strong>de</strong> varias linguagens que<br />

participam da construyao do discurso romanesco, e <strong>de</strong>senvolvido no ensaio 0<br />

que nao consi<strong>de</strong>rava<br />

a orienta9ao dialogic a da linguagem na analise do genero<br />

romanesco,<br />

e propoe 0 enfoque sociologico, voltado para a linguagem enquanto<br />

"A pluridiscursivida<strong>de</strong> e a dissonancia penetram no<br />

romance e organizam-se nele em urn sistema litenirio harmonioso.<br />

Nisto resi<strong>de</strong> a particularida<strong>de</strong> especifica do genero romanesco.<br />

A unica estilistica a<strong>de</strong>quada para 0 genera romanesco e a<br />

estilistica sociologica. A dialogicida<strong>de</strong> intema do discurso<br />

romanesco exige a revelac;ao do contexto social concreto, 0 qual<br />

<strong>de</strong>termina toda a sua estrutura estilistica, sua 'forma' e seu<br />

9 Esse trabalho, publicado em Portugues sob 0 titulo "0 romance <strong>de</strong> educayao na hist6ria do<br />

Realismo", esta inc1uido na obra Estetica da criac;tio verbal, 1992. Nesse ensaio, Bakhtin analisa a<br />

evoluyao e as t:ransformayoes dos indices espaciais e temporais em v<strong>anos</strong> tipos <strong>de</strong> romances: romance<br />

<strong>de</strong> viagem, romance <strong>de</strong> provas, romance biognifico e romance <strong>de</strong> educayao (ou <strong>de</strong> fonnayao).


'conteudo', sendo que os <strong>de</strong>termina nao a partir <strong>de</strong> fora, mas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntro; pois 0 dhilogo social ressoa no seu proprio discurso, em<br />

todos os seus elementos, sejam eles <strong>de</strong> 'conteudo' ou <strong>de</strong> 'forma' ".10<br />

homo logo a organiza«ao da socieda<strong>de</strong>, mas urn dialogo dinfunico que se<br />

Conforme Todorov, 0 pensamento bakhtiniano ainda po<strong>de</strong> apresentar urn<br />

quinto periodo, marc ado pelos ultimos <strong>anos</strong> da produ«ao <strong>de</strong> Bakhtin, em que este<br />

10 Opina com justeza Kinser (1984, p. <strong>30</strong>5) que a linha marxista cia abordagem bakhtiniana nao e<br />

ortodoxa, pois Bakhtin salienta que 0 discurso artistico nao po<strong>de</strong> ser analisado como reflexo simples e<br />

direto da estrutura social.<br />

11 Dentre os que estudaram 0 romance nurna linha socioI6gico-marxista, <strong>de</strong>stacam-se Lukacs (1970) e<br />

Goldman (1976). Lukacs diz que a obra literana e urn reflexo da socieda<strong>de</strong>, 0 romance e a hist6ria <strong>de</strong><br />

urn her6i problematico que busca encontrar valores autenticos nas relayoes sociais. A nosso ver, a<br />

teoria do reflexo <strong>de</strong> Lukacs nao consegue transcen<strong>de</strong>r<br />

0 dialogo dinfunico que se instaura entre 0 texto<br />

literano e 0 contexto hist6rico-social. Na verda<strong>de</strong>, a nOyao <strong>de</strong> reflexo para Lukacs nao e urn ponto<br />

pacifico nas discussoes te6ricas. Alguns criticos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que 0 reflexo na abordagem <strong>de</strong> Lukacs nao e<br />

urna representayao direta da estrutura social. Contudo, parece-nos que ao privilegiar a analise <strong>de</strong> textos<br />

do Realismo, a abordagem do autor prioriza a obra literana enquanto representa


Como vimos, 0 pensamento <strong>de</strong> Bakhtin vai se <strong>de</strong>senvolvendo aos poucos,<br />

na evoluyao e transformayao <strong>de</strong> certos conceitos que muitas vezes se interligam e<br />

dialogismo e 0 plurilingiiismo, a fnn <strong>de</strong> explicar as conex5es dial6gicas entre<br />

1. 1. 1- A CONCEP


contudo, nao apresenta urna explica


sem, no entanto, restringir-se ao processo <strong>de</strong> incorporac;ao e transformac;ao <strong>de</strong> um<br />

Ao discutir 0 principio dial6gico da linguagem, diz Todorov (1981, p. 95)<br />

que 0 conceito <strong>de</strong> dialogismo assume 0 estatuto <strong>de</strong> urn termo geral na abordagem<br />

<strong>de</strong> Bakhtin, sendo empregado em varios momentos com sentidos diversos.<br />

Essa concepc;ao aprOX1llla-se da i<strong>de</strong>ia do diaIogo entre participantes<br />

<strong>de</strong><br />

interlocutores, mas tambem do processo <strong>de</strong> interac;ao verbal que, segundo<br />

Bakhtin (1995, p. 123), constitui "a realida<strong>de</strong> fundamental da lingua". Nessa<br />

o pr6prio Bakhtin (1995, p.123) consi<strong>de</strong>ra duas possibilida<strong>de</strong>s para se<br />

formas cruciais na interac;ao verbal, 0 dialogo <strong>de</strong>ve ser analisado no sentido mais<br />

da exotopia, a minha palavra esta inexoravelmente contaminada do olhar <strong>de</strong> fora do outro que the da<br />

sentido e acabamento".


27<br />

A natureza dial6gica da linguagem apresenta-se, aSS1lll,como uma das<br />

n090es mais complexas, em razao da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos que, como ja<br />

salientamos, 0 autor utiliza 0 termo dialogismo.<br />

2- Dialogismo intemo (ou dialogicida<strong>de</strong> intema).<br />

Nesse segundo nivel do dialogismo, <strong>de</strong>stacam-se as rela90es que se<br />

estabelecem entre os elementos constitutivos do discurso. Ao estudar 0<br />

cronotopo, por exemplo, Bakhtin poe em relevo 0 dialogo que se instaura entre<br />

duas categorias fundamentais na organiza9ao do discurso narrativo: tempo e<br />

espa90. Na perspectiva da dialogicida<strong>de</strong> interna, 0 autor afrrma a rela9ao<br />

indissociavel que ha entre os indices espaciais e temporais.<br />

Alem da cronotopia, 0 plurilingiiismo <strong>de</strong>ve ser analisado como fenomeno<br />

que marca 0 dialogismo intemo entre as varias linguagens incorporadas ao<br />

discurso romanesco.<br />

Como afirma Bakhtin (1993a, p. 92), a dialogicida<strong>de</strong> intema esta presente<br />

em "todas as esferas do discurso vivo. [...] na prosa literaria, e em particular no<br />

romance, ela penetra interiormente na pr6pria concep9ao <strong>de</strong> objeto do discurso e<br />

na sua expressao, transformando sua semantica e sua estrutura sintatica".<br />

3- Dialogismo na relayao entre textos e enunciados anteriores ou posteriores no<br />

momento da intera9ao comunicativa.


A intera~ao entre textos ou enunciados aproxnna-se do conceito <strong>de</strong><br />

intertextualida<strong>de</strong> sistematizado por Kristeva (1974). Para Bakhtin, nossa<br />

linguagem encontra-se na fronteira entre discursos j a realizados anteriormente e<br />

outros que ainda possam surgir. 0<br />

dialogismo, entendido nessa perspectiva,<br />

realiza-se pela presen~a <strong>de</strong> duas ou mais vozes nurn mesmo espa~o discursivo ou<br />

Ao afmnar a natureza dial6gica entre varios discursos que se encontram e<br />

sempre relacionada ao contato com signos anteriormenteja conhecidos. Por isso,<br />

o processo <strong>de</strong> compreensao funciona como "resposta a urn signo por meio <strong>de</strong><br />

signos". Nesse nivel do dialogismo, a linguagem dos interlocutores esta sempre<br />

Parece-nos que, no processo interativo, 0 fenomeno do dialogismo esta<br />

intrinsecamente ligado a polifonia, <strong>de</strong>fmida por Bakhtin (1981, p. 16) como 0<br />

ressoar <strong>de</strong> diversas vozes, varios pontos <strong>de</strong> vista que se intercruzam nurn mesmo<br />

13 No ensaio "Polifonia textual e discursiva", inc1uido na coletanea Dialogismo, polifonia e<br />

intertextualida<strong>de</strong>, organizada por Diana Barros e Luiz Fiorin, este ultimo critica 0 enfoque<br />

kristevaniano que consi<strong>de</strong>ra 0 dialogismo apenas no mve1 da intertextualida<strong>de</strong>. Segundo 0 autor (1994:<br />

29), "it rica e multifacetada concep9ao do dia1ogismo em Bakhtin se opas 0 conceito redutor, pobre e,<br />

ao mesmo tempo, vago e impreciso <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>. Foi Kristeva quem, no ambiente do<br />

estruturalismo frances dos <strong>anos</strong> 60, pas em yoga esse conceito" ,


plano discursivo. Sob esse aspecto, os conceitos <strong>de</strong>senvolvidos por Bakhtin<br />

comeyam a imbricar-se no ponto comurn da natureza dial6gica da linguagem.<br />

4- Dialogismo no nivel das relayoes entre texto-contexto, linguagem-hist6ria,<br />

linguagem-i<strong>de</strong>ologia,<br />

linguagem-socieda<strong>de</strong>.<br />

Tem-se aqui urna perspectiva mais ampla do dialogismo,<br />

a qual envolve<br />

Conforme Bakhtin (1995, p. 32), entre a linguagem e 0 contexto em que<br />

ela se insere, estabelece-se<br />

urn processo dinfunico e interativo, pois "urn signa<br />

nao existe apenas como parte <strong>de</strong> urna realida<strong>de</strong>~ ele tambem reflete e refrata uma<br />

outra. Ele po<strong>de</strong> distorcer essa realida<strong>de</strong>, ser-lhe fiel, ou apreen<strong>de</strong>-Ia <strong>de</strong> urn ponto<br />

A linguagem e produto do contexto hist6rico-social do qual participa, aMm<br />

<strong>de</strong> tambem estar influenciada pelas circunstancias em que ocorre a interayao<br />

uma 6tica translingiiistica,<br />

segundo a qual a enunciayao (0 contexto extraverbal)<br />

nao e apenas urna motivac;ao para a realizac;ao dos enunciados, mas parte<br />

14 Segundo Kothe (1981), em 0 metodo formal em estudos literarios - obra assinada por Medve<strong>de</strong>v<br />

- Bakhtin <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a rela


Para uma melhor compreensao do que expusemos a respeito da natureza<br />

dia16gica da linguagem, po<strong>de</strong>mos representar os v<strong>anos</strong> niveis <strong>de</strong> dialogismo da<br />

sentido mais restrito -<br />

dialogo entre enunciador e enunciatario no processo <strong>de</strong><br />

intera9ao verbal -<br />

ate a concep9ao mais abrangente que ultrapassa a dimensao<br />

como parte constitutiva do discurso. Esses niveis apresentam-se interligados na<br />

Nas manifestayoes artisticas, no caso a literatura, nao po<strong>de</strong> haver urn espelhamento direto do contexto<br />

social, historico e i<strong>de</strong>ologico. A obra <strong>de</strong> arte, atraves do processo <strong>de</strong> criayao da ficcionalida<strong>de</strong>, mantem<br />

urn diaIogo dinfunico com a socieda<strong>de</strong>. Assinala Kothe (1981, p.190) que "para Medve<strong>de</strong>v [Bakhtin],<br />

cada fenomeno litenrrio e <strong>de</strong>terminado simultaneamente <strong>de</strong> fora e <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro: <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, pela propria<br />

literatura; <strong>de</strong> fora, pe10s outros setores da vida social. [...] Urn fator externo, quando influi na literatura,<br />

torna-se urn fator interno para a ev01uyao litenlria, mas, enquanto fator 1iterano interno, torna-se externo<br />

para os oUtros setores 'i<strong>de</strong>ologicos"'.


linguagem e 0 contexto (social, cultural, i<strong>de</strong>ol6gico) constitutivos da significa9ao<br />

o conceito <strong>de</strong> dialogismo, alem das n090es <strong>de</strong> polifonia e carnavaliza9ao<br />

na literatura, e, talvez, urn dos mais revisitados por aqueles que se <strong>de</strong>dicam ao<br />

Ao referir-se a concep9ao bakhtiniana <strong>de</strong> dialogismo enquanto palavra<br />

que retoma outra palavra, ou texto produzido a partir <strong>de</strong> outros textos, Kristeva<br />

(1974) <strong>de</strong>senvolve a n09ao <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>. Segundo a autora (1974, p. 64),<br />

"[...] todo texto se constr6i como mosaico <strong>de</strong> cita90es, todo texto e absor9ao e<br />

transforma9ao <strong>de</strong> urn outro texto. Em lugar da n09ao <strong>de</strong> intersubjetivida<strong>de</strong>,<br />

instala-se a <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong><br />

e a linguagem poetica le-se pelo menos como<br />

15 Leila Perrone-Moises (1978) distingue dois niveis <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong>: a intertextualida<strong>de</strong> poetica e<br />

a intertextualida<strong>de</strong> cr[tica. Na primeira, observa-se 0 diaiogo entre textos liter<strong>anos</strong>, ao passo que na<br />

segunda, 0 trabalho intertextual consiste em escrever urn texto sobre outro texto. Para a autora (1978,<br />

p.64), ocorre "no discurso critico 0 entrecruzamenmto <strong>de</strong> dois textos, 0 texto analisado e 0 texto<br />

analisante". A nosso ver, essa perspectiva <strong>de</strong> Perrone-Moises trata a intertextualida<strong>de</strong> como fen6meno<br />

muito amplo, a partir da re1ayao maior entre generos discursivos.


Compreen<strong>de</strong>-se, assnn, a linguagem nao como conjunto <strong>de</strong> artificios<br />

abstratos, e sim como fenomeno influenciado pelas mudan9as historico-sociais<br />

que interferem no contexto comunicativo.<br />

No enfoque <strong>de</strong> Bakhtin, a oposi9ao entre a concep9ao dialogica da<br />

linguagem por urn lado, e 0 monologismo (ou homofonia), por outro, suscitou a<br />

Schnai<strong>de</strong>rman (1983, p. 101), por exemplo, afrrma que algumas ressalvas<br />

<strong>de</strong>vem ser feitas ao ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Bakhtin sobre a dicotomia<br />

monologico/dialogico. Para Schnai<strong>de</strong>rman, 0 proprio termo monologico toma-se<br />

Kothe (1977, p. 28) vai mais aMm em sua critica, ao afrrmar que Bakhtin<br />

ressalta 0 dialogismo, mas oculta 0 carater monologico da propria abordagem que<br />

"Bakhtin acaba constituindo uma Poetica que, em seu<br />

fechamento, em seu carater <strong>de</strong> negavao <strong>de</strong>terminada, acaba sendo<br />

mono16gica, mimetizando aquilo a que se op5e. [...]<br />

Aparentemente libertaria e contra as normas, sua rigida norma e<br />

exatamente esta: a transgressao da norma, a enfase it. literatura<br />

que registre positivamente eventos que transgridam a norma e 0<br />

dogma oficiais".


Jei a posi


Alem disso, Bakhtin (1992, p. 345-346) discute a rela


1. 1. 2 - 0 PLURILINGUISMO E 0 CRONOTOPO: a estratifica~ao<br />

lingiiistica e 0 dialogo tempo-espa~o na organiza~ao da narrativa<br />

conceitos formulados e <strong>de</strong>senvolvidos por Bakhtin ao longo <strong>de</strong> seus escritos, pois<br />

alem <strong>de</strong> interligadas a concep


estrategias como os discursos do narrador e das personagens, e os generos<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se<br />

caniter pluridiscursivo<br />

0 papel da linguagem no mundo empirico, esta revela seu<br />

marcado pelos varios niveis dialetais e pela multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> generos do discurso. 0 romance, enquanto manifesta9ao <strong>de</strong> linguagem que<br />

plurilingiiismo,<br />

isto e, assimila a estratifica9ao <strong>de</strong> divers as linguagens e generos<br />

na organiza9ao do universo ficcional.<br />

"0 plurilingiiismo introduzido no romance (quaisquer que<br />

sejam as formas <strong>de</strong> sua introdw;ao) e 0 discurso <strong>de</strong> outrem na<br />

Iinguagem <strong>de</strong> outrem, que serve para refratar a expressao das<br />

inten90es do autor. A palavra <strong>de</strong>sse discurso e uma palavra bivocal<br />

especia1."<br />

o carater bivocal da palavra no romance mostra-se nas varias entona90es<br />

"discurso <strong>de</strong> outrem" na organiza9ao discursiva, ou seja, a percep9ao <strong>de</strong> pelo<br />

menos duas vozes que se cruzam no mesmo espa90 discursivo.


Ao estudar a organizayao da heterogeneida<strong>de</strong> discursiva no romance,<br />

Bakhtin (1993a, p. 96) ressalta a influencia dos generos na composiyao do<br />

romance e afrrma que 0 plurilingliismo e <strong>de</strong>terminado pela estratificayao da<br />

lingua. Assim, as transformayoes historicas que a lingua sofre no processo <strong>de</strong><br />

evoluyao sao inseparaveis das mudanyas observadas nos generos discursivos.<br />

Ao observar a forte influencia dos generos na formayao <strong>de</strong> diversas<br />

linguagens, Bakhtin (1992, p.281) distingue os generos primarios e os<br />

secundarios. Os primeiros, tambem chamados simples, sao formados em<br />

contextos nos quais 0 uso da linguagem se realiza <strong>de</strong> forma mais espontanea,<br />

como por exemplo replicas <strong>de</strong> urn dialogo, recados, cartas, entre outros<br />

enunciados produzidos nurna situayao informal <strong>de</strong> comunicayao; os segundos,<br />

generos secundarios, sao produzidos em contextos mais complexos que exigem<br />

37<br />

maior elaborayao. Bakhtin cita como exemplo <strong>de</strong>stes 0 romance, 0 teatro e 0<br />

discurso cientifico.<br />

assimilam e transformam os generos primarios, evi<strong>de</strong>nciando, assim, 0 carater<br />

pluridiscursivo da linguagem artisticamente representada no mundo da ficyao.<br />

No romance, a heterogeneida<strong>de</strong> discursiva esta presente na introduyao e<br />

organizayao <strong>de</strong>sses generos primarios que participam da composiyao do discurso


narrativo. Ao serem incorporados ao texto litenirio, os generos primarios per<strong>de</strong>m<br />

sua rela9ao imediata e direta com a realida<strong>de</strong> empirica, pois tomam-se parte<br />

constitutiva da obra literaria e so po<strong>de</strong>m ser analisados <strong>de</strong>ntro do universo<br />

Conforme Bakhtin, 0 genero nao e urna categoria estatica e fechada, mas<br />

se modifica <strong>de</strong> acordo com as transforma90es historicas e sociais que ocorrem no<br />

genero comporta urna dimensao historic a: ele nao e simplesmente urna<br />

intersec9ao <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s<br />

sociais e formais, mas urn fragmento da memoria<br />

Dada a forma9ao dos generos e a dimensao espa90-temporal que interfere<br />

nesse processo, Bakhtin analisa as manifesta90es cronotopicas e suas varia90es<br />

em diferentes tipos <strong>de</strong> romances como: 0 romance grego, 0 romance biognifico, 0<br />

17 Authier-Revuz (1982) analisa as formas <strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> discursiva em dois mvelS:<br />

heterogeneida<strong>de</strong> mostrada e heterogeneida<strong>de</strong> constitutiva. Na primeira, as marcas linguisticas da<br />

presen9a do outro estao explicitamente representadas na superficie do discurso. Nesse caso, 0 discurso<br />

direto, 0 discurso indireto, as cita90es, entre outros, sao formas <strong>de</strong> introdu9ao do discurso do outro. Na<br />

heterogeneida<strong>de</strong> constitutiva, a autora estuda 0 dialogismo do circulo <strong>de</strong> Bakhtin e os trabalhos da<br />

psican:ilise lacaniana que inscrevem 0 outro numa perspectiva mais abrangente, pois 0 discurso que<br />

produzimos diariamente esta repleto <strong>de</strong> outras vozes, outras linguagens e consciencias que se tomam<br />

parte integrante <strong>de</strong> nossa linguagem.


enquanto genero historicamente influenciado pelas transformac;oes sociais<br />

N a 6tica <strong>de</strong> Bakhtin, 0 romance e 0 genero que melhor consegue<br />

representar<br />

a dinfunica e as contradic;oes do homem no tempo e no espac;o. Por<br />

medida em que sao analisadas a evoluc;ao do genero e a influencia das<br />

transformac;oes hist6rico-sociais na constrw;ao da imagem cronot6pica.<br />

Consi<strong>de</strong>rando a importancia que Bakhtin confere ao estudo do romance,<br />

".8 ao insistir na primazia da palavra e na diversificayao das<br />

linguas no interior da linguagem que Bakhtin vem fonnular uma<br />

teoria original do romance e <strong>de</strong> sua significayao extraliteniria. Para<br />

ele, 0 romance e a pintura do mundo, da palavra, do discurso. [...]<br />

o romance aparece assim como a manifestayao mais lucida <strong>de</strong> uma<br />

henneneutica da vida social <strong>de</strong> todos os dias".<br />

Como ja referimos, pelo fato <strong>de</strong> 0 genero romanesco refletir e transformar,<br />

por meio do processo <strong>de</strong> ficcionalizac;ao, a dimensao hist6rica e social do<br />

Apesar <strong>de</strong> estudar a cronotopia sempre relacionada ao problema do genero<br />

romanesco,<br />

0 enfoque <strong>de</strong> Bakhtin ultrapassa os dominios da literatura, po<strong>de</strong>ndo


Por ter focalizado a relayao tempo-espayo numa perspectiva dial6gica e<br />

hist6rica, Bakhtin avanya em relayao a critica liteniria formalista, contemponmea<br />

dicotomica, isolando-as na discussao te6rica. A nOyao <strong>de</strong> cronotopo, como<br />

explicaremos adiante, <strong>de</strong>sfaz essa dicotomia.<br />

1. 1. 3 - 0 CRONOTOPO NA ABORDAGEM BAKHTINIANA E NA<br />

PERSPECTIVA DE OUTROS AUTORES<br />

Na abordagem <strong>de</strong> Bakhtin, a nOyao <strong>de</strong> cronotopia e analisada mms<br />

<strong>de</strong>tidamente no ensalO Formas <strong>de</strong> Tempo e <strong>de</strong> Cronotopo no Romance,


o cronotopo representa, para Bakhtin (1993a, p. 211), a "expressao <strong>de</strong><br />

indissolubilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espa90 e <strong>de</strong> tempo", ou seja, a rela9ao <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia<br />

Segundo 0 autor (1993a, p. 211): "Os indices do tempo transparecem no<br />

espa90, e 0 espa90 reveste-se <strong>de</strong> sentido e e medido com 0 tempo. Esse<br />

A luz <strong>de</strong> Bakhtin, analisaremos 0 cronotopo enquanto categoria comp6sita,<br />

cujos elementos constitutivos - tempo e espa90- formam urn todo inseparavel,<br />

ainda que seja possivel conce<strong>de</strong>r alguma proeminencia a urn ou a outro. Se<br />

narrativa, ganha naturalmente importancia a nOyao <strong>de</strong> cronotopo na arquitetura<br />

No universo romanesco, 0 cronotopo funciona como principio criativo que<br />

dial6gica, atraves da qual tempo e espayo ficcionais <strong>de</strong>vem manter relayoes<br />

18 A nOyao do cronotopo foi introduzida na teoria da re1ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Einstein. Bakhtin retoma essa<br />

nOyao e tenta aplica-la ao estudo <strong>de</strong> textos litenirios, contribuindo para a divulgayao do conceito do<br />

cronotopo nas areas <strong>de</strong> Critica Liteniria e Hist6ria da Literatura.


que seja a obra, nao po<strong>de</strong>mos interpretar 0 mundo representado apenas como<br />

reflexo direto do contexto empirico, pois a criavao artistica implica justamente 0<br />

processo <strong>de</strong> transformavao do mundo real no universo ficcional da obra,<br />

construida a partir do ponto <strong>de</strong> vista do autor. A lei do posicionamento e que<br />

<strong>de</strong>terminara 0 angulo <strong>de</strong> visao escolhido para representar 0 dialogo entre a obra e<br />

Urn dos fatores <strong>de</strong>terminantes da representavao da imagem cronot6pica no<br />

discurso romanesco e a lei do posicionamento, segundo a qual po<strong>de</strong>m ocorrer<br />

diferentes focalizavoes sobre <strong>de</strong>terminado epis6dio, uma vez que narrador e<br />

personagem ocupam posivoes diferentes e <strong>de</strong>sempenham papeis distintos no<br />

este e <strong>de</strong>terminado pelo lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vemos". (Holquist, 1990, P.164, apud<br />

tempo-espavo on<strong>de</strong> 0 evento se realizou". Os indices cronot6picos, pois, variam<br />

<strong>de</strong> acordo com as diferentes perspectivas sobre urn mesmo acontecimento. 19<br />

19 Observa-se a nOyao da cronotopia ligada ao conceito <strong>de</strong> exotopia. No ensaio "A construyao das vozes<br />

no romance", inc1uido na coletanea Bakhtin, dialogismo e construr;:Ciodo sentido, organizada por Beth<br />

Brait, Cristovao tezza (1997, p.223) diz: "[ ...] a exotopia nao e apenas urn conceito espacial, a instancia<br />

do olhar - e tambem, alias inseparavelmente, urn conceito temporal [...]. E 0 exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> visao, no


como base a natureza dialogica da linguagem que permeia todo enfoque<br />

bakhtiniano. Assim, a nOyao da cronotopia, relaciona-se, por uma parte, ao<br />

empirica -<br />

e outro representado no texto litenirio; por outra, pren<strong>de</strong>-se ao<br />

propria forma espayo-temporal. Entendida nessa perspectiva dialogica, a relayao<br />

tempo-espayo adquire importancia capital, na medida em que participa da<br />

objetivo <strong>de</strong> oferecer uma sistematizayao das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Bakhtin, seja para propor<br />

abordagem bakhtiniana. No entfuJto,ao rever a nOyao<strong>de</strong> cronotopia, peca pela<br />

tempo e no espa90, que <strong>de</strong>i sentido estetico it consciencia do outro, <strong>de</strong>i-lhe forma e acabamento, urna<br />

forma e urn acabamento que jamais po<strong>de</strong>mos ter por conta propria, na estrita solidao <strong>de</strong> nossa voz".


falta <strong>de</strong> urna apreciayao critica, restringindo-se<br />

a urna especie <strong>de</strong> resumo dos<br />

principais cronotopos estudados pelo autor. Embora nao seja urn estudo critico<br />

- a autora endossa quase que integralmente os pressupostos bakhtini<strong>anos</strong> - a<br />

leitura feita por Machado e interessante na medida em que oferece urna sintese<br />

cronotopia, sem, contudo, ampliar muito a discussao te6rica. 0 autor consi<strong>de</strong>ra 0<br />

predominio do tempo em relayao ao espayo na abordagem bakhtiniana; dai<br />

afmnar que "a teoria do cronotopo e urna teoria do tempo romanesco mais que<br />

objetos estao no tempo e ao po<strong>de</strong>r do tempo, ja que a temporalida<strong>de</strong> e 0<br />

elemento que dinamiza 0 espayO e esta concretamente localizada no espayo.<br />

pela autora. A luz da teoria <strong>de</strong> Bakhtin, Best (1990) estabelece uma relayao entre


- <strong>de</strong>ve ser analisada no texto literario como fator que gera a <strong>de</strong>gradar;ao da<br />

narrativa. De acordo com Best (1990, p. 488), a entropia po<strong>de</strong> explicar 0<br />

funcionamento <strong>de</strong> urna narrativa, quando a a9ao come9a nurna fase <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sequilibrio, como por exemplo situa90es antiteticas -<br />

personagens rivais,<br />

sentido, a intriga forma-se pela evolu9ao <strong>de</strong> certa situa9ao inicial que passa por<br />

urna serie <strong>de</strong> estados intermediarios e atinge urn estado <strong>de</strong> entropia total.<br />

Se a entropia gera a <strong>de</strong>grada9ao da narrativa, a cronotopia funciona como<br />

principio organizador responsavel pela gerar;ao da narrativa, isto e, pelo<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> Best (1990, p. 485) tanto a cronotopia, quanto a<br />

entropia sugerem que a narrativida<strong>de</strong> nao esta relacionada apenas a<br />

temporalida<strong>de</strong> -<br />

como afirmou Ricoeur (1994), ao discutir a refigura9ao do<br />

tempo na narrativa - senao tambem a espacialida<strong>de</strong>. 22<br />

21 A entropia e a cronotopia silo conceitos originalmente introduzidos pelas ciencias exatas (Fisica,<br />

Matematica), mas que atualmente silo empregados no estudo <strong>de</strong> textos literirios. Em seu senti do<br />

original, a entropia consiste na perda <strong>de</strong> energia por meio da <strong>de</strong>gradayilo da materia, e a cronotopia<br />

revela-se na interayilo indissociavel entre tempo e espayo.<br />

22 Best (1990) analisa a cronotopia e a entropia na ohra Nand <strong>de</strong> Zola, na qual "A ayao da narrativa<br />

respeita a segunda lei da termodinfunica, isto e, evolui para a difusao reciproca dos valores <strong>de</strong> urn<br />

espayO num espayO oposto e rehenta num estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m total". (Best, 1990, p.489).


termos, a rela


urn estudo comparativo do fenomeno da cronotopia no romance Educarao<br />

Sentimental <strong>de</strong> Gustave Flaubert e na pintura <strong>de</strong> Edouard Manet. 23<br />

Best (1994, p. 291) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a tese <strong>de</strong> que:<br />

"0 conceito do cronotopo nao esta restrito it analise <strong>de</strong><br />

romances, mas, como sugeriu Bakhtin, po<strong>de</strong> tambem ser aplicado a<br />

'outras areas da cultural, especialmente it area da pintura, na qual 0<br />

tempo esta 'intrinsecamente conectado' ao espayo, como no<br />

24<br />

romance".<br />

critica 0 pensador russo, por ter este consi<strong>de</strong>rado as fun90es figurativas e<br />

geradoras do cronotopo na obra <strong>de</strong> arte, apenas nurna perspectiva hist6rica. A<br />

enquanto manifesta90es artistic as que se realizam pelas imagens cronot6picas. 25<br />

23 Citemos alguns dos quadros <strong>de</strong> Edouard Manet estudados por Best (1994): l.Boating, 1874. (The<br />

Metropolitan Museum of Art); 2. Argenteuil, les canotiers, 1874 (Musee <strong>de</strong>s Beaux- Arts <strong>de</strong> Tournai);<br />

3. La serveuse <strong>de</strong> bocks, 1879 (Musee d' Orsay); 4. Un bar aux Folies-Bergere, 1882 (Courtauld<br />

Institute Galleries, London).<br />

24 Afirma Best (1989, p.979) que dada a aplicabilida<strong>de</strong> da nOyao da cronotopia e surpreen<strong>de</strong>nte 0<br />

siH~ncioda critica liteniria sobre esse importante topico da obra <strong>de</strong> Bakhtin.<br />

25 Frank (1972, p.245-247) retoma uma discussao iniciada por Lessing no Laocoonte. Conforme<br />

Frank, a forma <strong>de</strong> realizayao das artes phisticas e necessariamente espacial, ao passo que a literatura<br />

investe na temporalida<strong>de</strong>. Nos textos litenirios, utiliza-se a linguagem enquanto sucessao <strong>de</strong> palavras<br />

ligadas por uma or<strong>de</strong>m temporal. Frank comeya a rever essas i<strong>de</strong>ias e afmna que tanto a literatura,<br />

quanta as artes plasticas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma percepyao sensorial ancorada nas nOyoes <strong>de</strong> tempo e<br />

espayo. Bakhtin tambem faz referencia as contribuiyoes <strong>de</strong> Lessing para a discussao das relayoes entre<br />

tempo e espayo. Diz Bakhtin (1993a, p.356): "0 principio <strong>de</strong> cronotopia da imagem artistico-literana<br />

foi <strong>de</strong>scoberto pela primeira vez, com toda clareza, por Lessing no seu Laocoonte ".


Se consi<strong>de</strong>rarmos<br />

que Bakhtin privilegia a analise do romance por ser este<br />

urn genero que comporta diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagens e certo inacabamento<br />

cronotopo a outras manifesta90es<br />

esteticas. Por isso, sua abordagem constroi-se<br />

(1993a, p. 400), "[ ...] 0 romance introduz urna problematica, urn inacabamento<br />

semantico especifico e 0 contato vivo com 0 inacabado,<br />

com a sua epoca que<br />

esta se fazendo (0 presente ainda nao acabado)".26<br />

Alguns autores retomaram<br />

a n09ao da cronotopia para analisar textos da<br />

literatura latino-americana, produzidos na <strong>de</strong>cada <strong>de</strong> setenta. Nessa linha <strong>de</strong><br />

dos anOS setenta e as imagens cronotopicas representadas nas narrativas. Diz a<br />

como uma figura movel, <strong>de</strong>scontinua, com caracteristicas que ocasionalmente se<br />

exemplo, a crise da consciencia historica, na qual 0 homem pos-mo<strong>de</strong>mo<br />

tenta<br />

26 Bakhtin (1993a) estuda 0 romance como um genero que ainda esta evoluindo no meio <strong>de</strong> outros<br />

generos ja formados. 0 inacabamento semantico consiste nessa evoluyao do romance a partir do


49<br />

resgatar valores do passado, a fun <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r 0 momento presente. A<br />

autora parte do pressuposto que existe uma correla


50<br />

o poema e mais compacto e nao permite uma representa9ao<br />

espa90-temporal<br />

extensa, como nos romances ou contos.<br />

Conforme a autora, a melhor forma <strong>de</strong> compensar esse carater compacto<br />

da lirica e alcan9ar uma visao global e mais abrangente do cronotopo e estudar<br />

os tipos <strong>de</strong> rela90es espaciais e temporais nao apenas num poema, mas num<br />

conjunto <strong>de</strong> poemas.<br />

Segundo Laurin Porter (1991, p.369), a insistencia na n09ao da cronotopia<br />

como ponto central do trabalho artistico, no enfoque <strong>de</strong> Bakhtin, proporciona 0<br />

estudo <strong>de</strong> tal categoria em textos dramaticos. De acordo com Porter, a<br />

cronotopia po<strong>de</strong> ser aplicada as pe9as <strong>de</strong> Eugene O'Neill, visto que a produ9ao<br />

dramatica <strong>de</strong>ste revela que 0 uso do tempo e ressaltado como for9a controladora<br />

da experiencia humana. Nesse sentido, os textos <strong>de</strong> O'neill - A touch of the<br />

poet e More stately mansions -,<br />

analisados por Porter, apresentam varios niveis<br />

cronot6picos, cujos espa90s ganham significa9ao a partir do movimento do<br />

tempo.<br />

No que conceme a presente pesquisa, a n09ao do cronotopo nao po<strong>de</strong> ficar<br />

limitada apenas ao estudo do tempo e do espa90, enquanto elementos puramente<br />

estruturais do discurso narrativo. A investiga9ao dia16gica entre os indices<br />

temporais e espaciais <strong>de</strong>ve superar esse sentido restrito, a frm <strong>de</strong> atingir a


ea1· lza-se nmn tempo e num espa90.<br />

27<br />

Cremos que os poucos autores acima referidos sao suficientes para mostrar<br />

No presente trabalho, 0 estudo do cronotopo e <strong>de</strong> capital relevancia, na<br />

medida em que fomeceni<br />

instrumentos para a analise da organiza9ao da obra<br />

capitulo seguinte em que 0 cronotopo da estrada marca 0 dHllogo entre diferentes<br />

niveis cronot6picos e intefere na estratifica9ao lingiiistica da narrativa.<br />

27 Trataremos da fun9ao metaforica da cronotopia no pr6ximo capitulo, t6pico 2.1- Descoberta <strong>de</strong><br />

Sulida<strong>de</strong>: metafora da <strong>de</strong>scoberta do Brasil.


CAPiTULO 2<br />

o CRONOTOPO DA ESTRADA: mudan~a no plano espa~otemporal<br />

vs transforma~oes lingilisticas na obra Espa90 Terrestre<br />

"[...] os signos da estrada SaDos signos do<br />

<strong>de</strong>stino, etc. Por isso 0 cronotopo romanesco<br />

da estrada e ta~ concreto e circunscrito, tao<br />

impregnado <strong>de</strong> motivos folcl6ricos".<br />

(Bakhtin, 1993a, p. 242).<br />

contexto espa9o-temporal da cida<strong>de</strong>, 0 cronotopo da estrada e 0 cronotopo <strong>de</strong><br />

Sulida<strong>de</strong>. Esses tres niveis <strong>de</strong>stacam-se na narrativa, na medida em que dialogam<br />

entre si, evi<strong>de</strong>nciando a intera9ao indissociavel entre tempo-espa90. Neste<br />

o cronotopo da estrada assume capital relevancia em Espar;o Terrestre,<br />

pois permite-nos enten<strong>de</strong>r 0 processo <strong>de</strong> inter-rela9ao que come9a a surgir entre


transforma90es e evolu9ao <strong>de</strong> outro cronotopo, como veremos no capitulo<br />

Na abordagem <strong>de</strong> Bakhtin, 0 cronotopo da estrada e estudado em sua<br />

se, na estrada, unidos pelo po<strong>de</strong>r inexonivel do <strong>de</strong>stino, sem terem premeditado 0<br />

encontro. Conforme Bakhtin (1993a, p. 349-350),<br />

"No romance, os encontros ocorrem freqiientemente na<br />

'estrada'. Ela e 0 lugar preferido dos encontros casuais. [...]. A<br />

estrada e particularmente proveitosa para a representayao <strong>de</strong> urn<br />

acontecimento regido pelo acaso (mas nem s6 para isso)".<br />

ressalvando que, no romance Espa90 Terrestre, 0 encontro das personagens, na<br />

adapta90es da n09ao <strong>de</strong> Bakhtin sobre 0 contexto espa90-temporal da estrada,<br />

quando analisarmos a fun9ao <strong>de</strong>sse nivel cronotopico em Espa90 Terrestre.<br />

perspectiva espa90-temporal- marcada pelo dilliogocida<strong>de</strong>ltempo hist6rico - a<br />

all ' /' 28<br />

outra - espa90 rur tempo ClC lCO.<br />

28 Esses dois pI<strong>anos</strong> <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong> (tempo historico e tempo cfclico) silo estudados por Bakhtin<br />

(1993a). Explicaremos esses niveis no capitulo seguinte, no qual sera analisado 0 diillogo cronotopos,


Segundo Bakhtin (l993a, p. 349), 0 cronotopo da estrada mantem uma<br />

estreita relac;ao com 0 motivo tematico do encontro, quando individuos <strong>de</strong><br />

diferentes classes sociais reunem-se num mesmo ponto espac;o-temporal.E na<br />

estrada que, pela uniao dos individuos, as distancias sociais, raciais, lingiiisticas e<br />

Na obra objeto <strong>de</strong> nosso estudo, a ligac;aodo cronotopo da estrada com 0<br />

novo tipo <strong>de</strong> organizac;ao social. Por isso, 0 li<strong>de</strong>r daqueles que praticaram 0<br />

"Encontraram, jii mumificado, 0 cadaver dum vaqueiro.<br />

Resseco, duro, feito urn Judas <strong>de</strong> aleluia, <strong>de</strong>ntro da armadura<br />

coriacea, realmente em couro e ayO,que em vida usara em sua<br />

labuta na catinga espinhenta. Passaram por urna al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> indios<br />

pacificos, mansos e <strong>de</strong>spreziveis, que em vez <strong>de</strong> abastacerem-nos<br />

com 0 que servisse <strong>de</strong> comer, assaltaram-nos, pedinch5es, os<br />

homens viilidos escondidos nas malocas, as mulheres, velhos e<br />

crianyas, com as vergonhas expostas, todas, as da miseria e as do


corpo [...]."<br />

(Espa90 Terrestre, p.59).<br />

Na estrada, embora a reuniao dos varios grupos <strong>de</strong> personagens seJa<br />

premeditada,<br />

como vimos, ha outros encontros <strong>de</strong>correntes do mero acaso, como<br />

ilustra a passagem acima. 0 encontro aci<strong>de</strong>ntal com os indios (vida) e com 0<br />

cadaver do vaqueiro (morte) remete-nos as consi<strong>de</strong>rac;oes <strong>de</strong> Bakhtin (1993a,<br />

p.349-350) sobre a estrada como lugar perfeito para os acontecimentos regidos<br />

pelo acaso. 0 encontro com a vida e a morte permite que as personagens reflitam<br />

repensem 0 passado na cida<strong>de</strong>, marc ado pe1as revoltas populares.<br />

as personagens, tao envolvidas em tomo do mesmo objetivo - encontrar outro<br />

tempo durante 0 exodo. Contudo, quando <strong>de</strong>fmitivamente param num local e<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m concretizar seus objetivos, as personagens, num estado <strong>de</strong> epifania,<br />

comec;am a notar os vestigios do tempo, como se observa na citac;ao abaixo:<br />

"Jose Joaquim, embora <strong>de</strong>sbarrigado, tinha 0 corpo meio<br />

curvo. Albano e que se avantajara: mais robusto, <strong>de</strong> pele curtida e<br />

sombreada pela barba firme, cor <strong>de</strong> cenoura. Dito mudara a voz,<br />

<strong>de</strong>stoava nos agudos. Dionisia encorpara, peitos imensos, na<strong>de</strong>gas


alcochoadas. [...] Os burros do carroyao haviam morrido no<br />

caminho, urn dos jurnentos <strong>de</strong>saparecera [...]."<br />

(Espar;o Terrestre, p. 62-63).<br />

o espa90 ganha maior relevancia para as personagens que nao se dao<br />

conta do passar do tempo, dada a expectativa <strong>de</strong> encontrar outro plano espacial<br />

expectativas no futuro.<br />

o cronotopo da cida<strong>de</strong>, marcado pela sucessao <strong>de</strong> varios acontecimentos<br />

que provocam 0 exodo das personagens, como a morte <strong>de</strong> Frei Caneca, por<br />

exemplo, apresenta-se como passado a ser esquecido em prol <strong>de</strong> urn futuro<br />

promissor. Portanto, a estrada funciona como esp6cie <strong>de</strong> "ponte" entre urn<br />

Retomamos; neste momento, algumas id6ias <strong>de</strong> Pouillon sobre 0 tempo<br />

Bakhtin (1993a, p. 419) tamb6m observa a flui<strong>de</strong>z do tempo presente que


essencia, algo nao acabado: ele exige uma continuida<strong>de</strong> com todo 0<br />

seu ser. Ele marcha para 0 futuro e, quanta mais ativa e<br />

conscientemente ele vai adiante, para este futuro, tanto mais<br />

sensivel e mais notavel e 0 seu carater <strong>de</strong> inacabado".<br />

No romance Espm;o Terrestre, a estrada representa um momento <strong>de</strong><br />

transic;ao na vida das personagens que po<strong>de</strong> ser entendido a partir do diaIogo com<br />

o cronotopo do passado (Recife/tempo hist6rico) e 0 cronotopo do futuro<br />

pois os indices temporais e espaciais sao mais sugeridos que explicitados durante<br />

a viagem das personagens.<br />

Se, por uma parte, no cronotopo da cida<strong>de</strong> observa-se<br />

Na obra em analise, durante 0 exodo, 0 espac;o comec;a a ter malOr<br />

relevancia para as personagens, visto que a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> outro plano cronotopico<br />

implica a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> encontrar uma situac;ao social diferente da metropole.<br />

A conquista <strong>de</strong> outro nivel espac;o-temporal representa a liberda<strong>de</strong>, tao almej ada<br />

pelas personagens que agora po<strong>de</strong>m concretizar seus sonhos.<br />

preen chido pelo sentido real da vida e entra numa re1ayao essencial com 0 heroi e


Como vimos, 0 cronotopo da estrada esta simbolicamente ligado ao motivo<br />

do encontro, por meio <strong>de</strong> imagens que representam a vida e a morte, esta<br />

projetando 0 futuro e aquela remontando<br />

ao passado da metr6pole. No romance<br />

em foco, 0 cadaver do vaqueiro evoca 0 contexto violento do passado no Recife,<br />

ao passo que 0 encontro com os indios sugere 0 futuro em outro cronotopo. Po<strong>de</strong>se<br />

esquematizar essa rela9ao entre os cronotopos da seguinte forma: 29<br />

CRONOTOPOl CRONOTOP02 CRONOTOP03<br />

• cida<strong>de</strong>/tempo hist6rico • a estrada: transi9ao <strong>de</strong> • campo/tempo cfclico<br />

urn plano espa90-<br />

• Recife/ Olinda temporal a outro • Sulida<strong>de</strong>/ Jirau/ Sitio<br />

• perda progressiva do<br />

referencial <strong>de</strong> tempo<br />

dos Alb<strong>anos</strong><br />

cronol6gico<br />

PASSADO PRESENTE FUTURO<br />

MaRTE ~ imagem do vaqueiro<br />

al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> indios -+<br />

VIDA<br />

29 Sobre a quesHio simb6lica, parece-nos pertinente as palavras <strong>de</strong> Felicio (1994, p.96): "0 simbolo<br />

constitui-se como urn modo <strong>de</strong> conhecimento jamais a<strong>de</strong>quado e objetivo, pois nunca atinge urn objeto,<br />

tendo-se sempre como auto-suficiente, mensagem imanente do invisivel, jamais explicito".<br />

A<strong>de</strong>mais, a autora cita a concep9ao do simb6lico em Gilbert Durand: "A consciencia compreen<strong>de</strong> duas<br />

maneiras para se representar 0 mundo: urna direta, em que a pr6pria coisa parece presente it<br />

consciencia, como na percep9ao e sensa9ao; e outra indireta: oobjeto 6 representado para a consciencia<br />

por urna imagem". (cf. Gilbert Durand. L'Imagination symbolique, PUF, 1968). No romance, a ald6ia<br />

<strong>de</strong> indios e 0 cadaver do vaqueiro tomam-se simbolos, pois revelam-se como imagens que representam<br />

a vida (futuro) e a morte (passado), respectivamente.


o cronotopo da estrada tambem esta ligado ao motivo do encontro no nivel<br />

linguistico, atraves do qual personagens <strong>de</strong> diversos niveis sociais, culturais e<br />

economicos unem-se, proporcionado<br />

a interayao entre diferentes linguagens que<br />

comeyam a coexistir no mesmo ponto espayo-temporal. Parece-nos oportuno que<br />

a analise da cronotopia consi<strong>de</strong>re a organizayao da linguagem no universo<br />

romanesco, visto que a representayao lingliistica dialoga com imagens espayoessencial<br />

na composiyao da cronotopia, ja que, alem <strong>de</strong> dia16gicas, as<br />

(1993a). <strong>30</strong><br />

<strong>de</strong> diminuir as distancias sociais, raciais e culturais entre as personagens,<br />

contribui para atenuar as diferenyas lingUisticas, pela assimilayao e incorporayao<br />

<strong>30</strong> Nieves (1988), ao estudar 0 pape1 da linguagem e sua re1ayao com a cronotopia, analisa v<strong>anos</strong> niveis<br />

<strong>de</strong> recursos lingiiisticos, como 0 discurso indireto-livre, por exemplo, interligados it construyao da<br />

cronotopia na narrativa.


o encontro <strong>de</strong> varias personagens sera representado pela heterogeneida<strong>de</strong><br />

lingliistica presente nos varios niveis cronotopicos, como por exemplo, em<br />

Sulida<strong>de</strong>, Sitio dos Alb<strong>anos</strong> e Jirau, como veremos mais adiante. A linguagem,<br />

dialogicamente relacionada a mudanya <strong>de</strong> urn plano espayo-temporal a outro. Se<br />

por urn lado, no cronotopo Recife/tempo hist6rico, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e as<br />

temporal da estrada isso comeya a mudar a partir da uniao das personagens, 0<br />

Bakhtin (1993a, p.98) que a linguagem e "pluridiscursiva" no processo <strong>de</strong><br />

evoluyao e transformayao do contexto historico-social, e esc1arece:<br />

"Deve-se isso a coexistencia <strong>de</strong> contradivoes s6cioi<strong>de</strong>o16gicas<br />

entre presente e passado, entre diferentes epocas do<br />

passado, diversos gropos s6cio-i<strong>de</strong>o16gicos, entre correntes,<br />

escolas, circulos, etc., etc. Estes 'falares' do plurilingiiismo<br />

entrecruzam-se <strong>de</strong> maneira multiforme, formando novos 'falares'<br />

socialmente tipicos".<br />

romanesco, quanto em qualquer outro tipo <strong>de</strong> manifestayao artistic a, nao po<strong>de</strong> ser


que vise a interpreta9ao do romance como urn todo <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar os varios<br />

niveis <strong>de</strong> linguagem que se intercruzam e estebelecem urn dialogo. 31<br />

Em Espar;o Terrestre, 0 carater pluridiscursivo da linguagem manifesta-se<br />

em dois niveis - regional e social - que se imbricam e se influenciam<br />

mutuamente. A cronotopia interfere na organiza9ao do plurilingliismo no<br />

romance, j a que as categorias espa90 e tempo dialogam com a linguagem nao<br />

apenas na configura9ao <strong>de</strong> uma situa9ao geognifica (espacial) e historica<br />

(temporal), mas tambem na <strong>de</strong>fmi9ao dos papeis sociais das personagens.<br />

31 Bakhtin (1995) critica a orientac;ao linguistica que pregava 0 estudo da lingua (langue) enquanto<br />

sistema isolado das manifestac;oes individuais (parole). A critica it abordagem <strong>de</strong> Saussure toma-se<br />

mais incisiva quando Bakhtin analisa 0 objetivismo abstrato. No prefacio it obra Marxismo e Filosojia<br />

da Linguagem (p.15), Marina Yague10 diz que "0 surpreen<strong>de</strong>nte, e que Bakhtin nao critica Saussure<br />

em nome da teoria marxista, largamente proc1arnada; e1e 0 critica no interior do seu proprio dominio,<br />

isto e, encontra a falha no sistema <strong>de</strong> oposic;ao lingua/fala, sincronia/diacronia". Criticando a<br />

perspectiva saussuriana e seus seguidores, Bakhtin (1995, p. 90) afrrma: "os representantes do<br />

objetivismo abstrato acentuam que 0 sistema linguistico constitui urn fato objetivo extemo it<br />

consciencia individual e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sta. A lingua nao e urn sistema <strong>de</strong> normas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da<br />

consciencia social".


tempo-espaf;o influenciam<br />

as variantes dialetais, ao passo que no plano social, a<br />

estratificaf;ao lingliistica e <strong>de</strong>terminada pelo papel social das personagens.<br />

No romance Espa90 Terrestre, a interaf;ao dial6gica entre a linguagem do<br />

lingliistico, como consequencia da miscigenaf;ao entre as duas culturas e do<br />

intercfunbio entre esses cronotopos. 0 contato entre falares distintos resulta numa<br />

influencia mutua, j a que a representaf;ao da linguagem das personagens reflete as<br />

diferenf;as sociais e dialetais que comef;am a coexistir em <strong>de</strong>correncia do processo<br />

dial6gico entre os cronotopos. 0 diaIogo entre Sulida<strong>de</strong> e Jirau, por exemplo, cria<br />

pelos habitantes do primeiro nivel cronot6pico sofre mudanf;as na interaf;ao com a<br />

"Par influencia dos do Jirau, tambem 0 portugues europeu<br />

dos Marinheiros foi-se amenizando, trocando 0 tu pelo voce,<br />

per<strong>de</strong>ndo 0 trinado dos rr, 0 sincopado das silabas, a entona9ao<br />

dura, inexpressiva, ao inves se adocicando, acarinhando-se,<br />

32 A 1uz <strong>de</strong> Bakhtin, Maingueneau (1995) analisa 0 pluri1inguismo intemo e 0 extemo. Este e<br />

<strong>de</strong>terminado na re1~ao da obra literana com outras linguas, ao passo que aque1e apresenta 0 di31ogo da<br />

obra com a p1uralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialetos <strong>de</strong> uma mesma lingua.


tomando 0 falar uma forma brincalhona <strong>de</strong> temura, nao uma<br />

imposiyao vocabular, impostura solene".<br />

(Espat;o Terrestre, p. 89)<br />

o dialeto utilizado no Jirau apresenta variantes em relayao ao <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>,<br />

pOlS algumas expressoes como escola e igreja ganham novas formas, dada a<br />

economia lingiiistica que caracteriza 0 falar no Jirau, como veremos na citayao<br />

"A comodida<strong>de</strong> do linguajar nativo transformara a escola<br />

em scula, e a igreja em gueja". (Espat;o Terrestre, p. 112).<br />

Observemos as transformayoes que os vocabulos escola e igreja sofrem<br />

<strong>de</strong> aferese, isto e, "uma mudanya fonetica que consiste na queda <strong>de</strong> urn fonema<br />

inicial ou na supressao da parte inicial (uma ou mais silabas) <strong>de</strong> uma palavra".<br />

estratificayao lingiiistica esta dialogicamente relacionada com a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

como propos Bakhtin<br />

(1993a), reflete as marcas do contexto espayo-temporal,<br />

modificado na narrativa a partir dos movimentos migratorios das personagens.


Na rela9aOdialogica com 0 contexto historico-social do mundo empirico,<br />

Espa90 Terrestre assimila 0 plurilingfiismo social, isto e, as diversida<strong>de</strong>s<br />

lingfiisticas presentes em camadas sociais diferentes e, a partir do processo <strong>de</strong><br />

ficcionaliza9ao, mimetiza essas variantes sociais. 0 plurilingfiismo no romance<br />

esta diretamente subordinado ao dialogismo, sendo este entendido no nivel das<br />

rela90es entre a obra literana e 0 contexto mais amplo que envolve 0 processo<br />

historico-social. AMm disso, 0 carater plurilingfie da obra em foco apresenta-se<br />

por meio do diaIogo entre os cronotopos, na perspectiva da dialogicida<strong>de</strong> intema,<br />

como ja referimos no primeiro capitulo. Nessa perspectiva, a cronotopia e 0<br />

plurilingfiismo estao ligados ao dialogismo em vilrios niveis, seja num sentido<br />

amplo - dialogo obra <strong>de</strong> arte e contexto historico-social- seja numa dimensao<br />

64<br />

mais restrita -<br />

dialogo entre elementos constitutivos da organiza9ao textual, ou a<br />

dialogicida<strong>de</strong> intema, <strong>de</strong>fmida por Bakhtin (1993a).<br />

o plurilingfiismo social manifesta-se em dois pI<strong>anos</strong> interligados. Num<br />

primeiro, as personagens comunicam-se usando dia/etos sociais diferentes <strong>de</strong><br />

acordo com 0 cronotopo que organiza as manifesta90es linguisticas e os papeis<br />

sociais das personagens. Os espa90s Sulida<strong>de</strong> e Sitio dos Alb<strong>anos</strong> apresentam 0<br />

dialeto dos portugueses, ao passo que 0 Jirau revela a linguagem do povo mesti90.<br />

No segundo nivel, 0 carater heterogeneo da linguagem revela-se na


organiza9ao dos fa/ares <strong>de</strong> diferentes classes sociais, uma vez que, ao praticarem<br />

o exodo, divers as personagens (padre, ferreiro, negros, brancos, ricos ou pobres)<br />

encontram-se num mesmo ponto espayo-temporal.<br />

"[...] a lingua nao e um sistema abstrato <strong>de</strong> formas<br />

normativas, porem uma opiniao plurilingiie concreta sobre 0<br />

mundo.[...] Cada palavra evoca um contexto ou contextos nos<br />

quais ela viveu sua vida socialmente tensa; todas as palavras e<br />

formas sao povoadas <strong>de</strong> inten90es".<br />

romance em estudo, cada usa lingiiistico esta subordinado a situayao espayo-<br />

Como vimos, no cronotopo da estrada, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

sociais, raciais,<br />

tempo cic1ico, investe-se em novas formas <strong>de</strong> relayoes sociais. A linguagem, que<br />

segundo Bakhtin e essencialmente dial6gica no sentido <strong>de</strong> refletir e refratar as


circunstancias SOCIalSe historicas <strong>de</strong> urn grupo, certamente soften! algumas<br />

No<br />

espa


linguagem toma-se instrumento <strong>de</strong> expressao do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> resgatar as origens,<br />

tanto no nivel espa


68<br />

proprio nome Sulida<strong>de</strong>, que servlU para batizar 0 local <strong>de</strong>scoberto, e uma<br />

representayao da pronuncia lusa <strong>de</strong> soleda<strong>de</strong> (solidao). 0 termo Sulida<strong>de</strong> indica,<br />

assim, a solidao das personagens<br />

que se isolam tanto no plano espayo-temporal,<br />

quanto no lingiiistico, conservando uma forma <strong>de</strong> falar, mais proxima do dialeto<br />

portugues.<br />

o dialeto usado em Sulida<strong>de</strong> parece manter-se mais fiel ao codigo escrito,<br />

respeitando as normas impostas pela gramatica culta, ao passo que a<br />

representayao do uso lingiiistico no Jirau aproxima-se mais do referencial popular<br />

<strong>de</strong> cunho oral, marc ado pelo maior nlimero <strong>de</strong> rupturas com as regras gramaticais.<br />

A linguagem que indica, conforme a perspectiva bakhtiniana, as<br />

circunstancias sociais e i<strong>de</strong>ologicas, toma-se urn instrumento extremamente<br />

importante para as personagens que lutam verbalmente, a fun <strong>de</strong> impor seu ponto<br />

<strong>de</strong> vista e <strong>de</strong>limitar seu espayo social. Como afmna Maingueneau (l996a, p. 10),<br />

o uso da linguagem <strong>de</strong>fme os papeis sociais a partir do espayO que cada individuo<br />

ocupa no momento da enunciayao.<br />

Apoiados no ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Bakhtin <strong>de</strong> que a linguagem nao so e<br />

essencialmente<br />

dialogica e plurilingiie, mas tambem, cronotopica, pois reflete as<br />

transformayoes sociais e hist6ricas, po<strong>de</strong>mos notar como 0 uso que as<br />

personagens fazem do discurso esta intimamente ligado as situayoes espayo-


temporais. Na rela'(ao que se estabelece entre plurilingliismo, cronotopia e<br />

dialogismo em Espw;o Terrestre, ganham interesse as conexoes dial6gicas entre<br />

esse romance e fatos hist6ricos, por um lado, e lendas, crendices populares, por<br />

Consi<strong>de</strong>rando 0 dialogismo como processo <strong>de</strong> incorpora'(ao e<br />

plurilingiie do romance <strong>de</strong>ve ser analisado a partir <strong>de</strong>ssa orienta'(ao dial6gica da<br />

linguagem. 33<br />

seja, para obtermos uma compreensao global da abordagem <strong>de</strong> Bakhtin, e sem<br />

numa perspectiva diacronica e sincronica, sao fundamentais na constru'(ao <strong>de</strong> urn<br />

33 Neste momento, consi<strong>de</strong>ramos 0 terceiro myel do dialogismo apresentado no prirneiro capitulo, isto<br />

6, as relayoes dialogicas que se instauram entre textos e enunciados anteriores ou posteriores no<br />

momento da interayao comunicativa. Nesse sentido, 0 dialogismo esta proximo do fen6meno da<br />

intertextualida<strong>de</strong>, como ja referirnos.


cria


cita90es <strong>de</strong> outros textos litenrrios, como no exemplo a seguir, em que a<br />

caracteriza9ao fisica da personagem Sarra alu<strong>de</strong> it representa9ao romantic a <strong>de</strong><br />

"Contudo, <strong>de</strong>slumbravam-Ihes a pele azeitonada <strong>de</strong> Saira,<br />

seus longos cabelos - da cor da asa da grauna - suas formas<br />

atrativamente perfeitas, que 0 vestido <strong>de</strong> Jesuina, espaventoso,<br />

embora severo, nao conseguia escon<strong>de</strong>r."<br />

(Espar;o Terrestre, p. 80).<br />

Nesse nivel, a intertextualida<strong>de</strong><br />

funciona <strong>de</strong> forma endoliteraria, ja que as<br />

Na composi9ao do mundoficcional, a partir da representa9ao do passado<br />

hist6rico, manifesta-se a intertextualida<strong>de</strong>, principalmente do tipo exoliteraria,<br />

que estabelece 0 dialogo entre Espar;o Terrestre e outros textos que se aproximam<br />

introduzidas<br />

no romance para fomecer a precisao do tempo crono16gico sobre a<br />

35 Aguiar e Silva (1988) afmna que 0 intertexto po<strong>de</strong> ser reve1ado implicitamente, atraves <strong>de</strong> alusoes, e<br />

explicitamente, a partir <strong>de</strong> citayoes. Acrescenta 0 autor que a intertextualida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser endoliteniria ou<br />

exoliteniria, em funyao do intertexto. Segundo Aguiar e Silva (1988, p. 629), "no caso da<br />

intertextualida<strong>de</strong> exoliteraria, 0 intertexto e constituido quer por textos nao verbais - urn texto<br />

pict6rico, por exemplo, po<strong>de</strong> ter importantes relayoes intertextuais com urn texto literario -, quer por<br />

textos verbais nao litermos: obras historiograficas, filos6ficas, cientificas, ensaios, artigos <strong>de</strong> jomais,<br />

livros didaticos, enciclopedias, etc. No caso da intertextualida<strong>de</strong> endoliteraria, 0 intertexto e<br />

constituido por textos litermos."


"Quanto a temerida<strong>de</strong> dos insurgentes, nao correu tudo a<br />

contento. 0 frances, seu amigo, leu certo dia, <strong>de</strong> suas notas<br />

semanais: 'Domingo, 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1817. - A revolu~ao <strong>de</strong><br />

Pernambuco terminou a 20, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter durado dois meses e<br />

meio. A 18 recebeu-se do comandante da esquadra a resposta as<br />

propostas <strong>de</strong> acordo: prometia que a cida<strong>de</strong> seria poupada se os<br />

chefes se entregassem a c1emencia <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong>. A 19, as<br />

tropas foram reunidas, arengadas e excitadas a <strong>de</strong>fesa.' "<br />

(Espa90 Terrestre, p.37). (grifo nosso)<br />

No cronotopo da cida<strong>de</strong>, observa-se a precisao com 0 tempo hist6rico,<br />

hist6ricos. A temporalida<strong>de</strong> e posta em relevo, por seu caniter dinfunico na<br />

"[...] 0 texto litenirio se insere no conjunto dos textos: e<br />

uma escritura-replica (fun


o ficcional, 0 autor organiza sua obra e assume totalliberda<strong>de</strong><br />

no sentido <strong>de</strong> criar<br />

uma nova maneira <strong>de</strong> se <strong>de</strong>scobrir a Hist6ria. 36<br />

Do nosso ponto <strong>de</strong> vista, na obra Espa90 Terrestre, a retomada do passado<br />

hist6rico esta diretamente relacionada a varios fatores, <strong>de</strong>ntre os quais citamos: a<br />

compreensao da situac;ao presente do homem brasileiro e a procura <strong>de</strong> uma<br />

"[...] os fatos do passado, formadores <strong>de</strong> uma especie <strong>de</strong><br />

superestrutura <strong>de</strong> iluminayao do presente, ensejam sempre<br />

inquietu<strong>de</strong>s e indagayoes que tem a ver com a busca permanente do<br />

homem: frente a si mesmo e aos <strong>de</strong>mais, ele e compelido a explicar<br />

a propria condiyao. 0 romance e uma <strong>de</strong> suas fontes mais<br />

instigantes".<br />

Diz Bakhtin (1993a, p. 263) que e praticamente<br />

impossivel 0 reflexo <strong>de</strong><br />

uma epoca, sem a ligac;ao com 0 carater tridimensional do tempo, em que<br />

passado, presente e futuro fun<strong>de</strong>m-se na representac;ao <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado contexto<br />

relac;ao com 0 passado e 0 futuro, per<strong>de</strong> a unicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>compoe-se em fenomenos<br />

36 Afmna Ricoeur (1997, p. 176-177) sobre 0 processo dia1ogico entre narrativa ficcional e narrativa<br />

historica: "0 problema sera, entao, mostrar como a refigurayao do tempo pela historia e pela ficyao se<br />

concretiza grayas a emprestimos que cada modo narrativo toma do outro. Esses emprestimos<br />

consistirao no fato <strong>de</strong> que a intencionalida<strong>de</strong> historica so se efetua incorporando it sua intenyao os<br />

recursos <strong>de</strong> jicciona!iza9tio que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do imaginario narrativo, ao passo que a intencionalida<strong>de</strong> da<br />

narrativa <strong>de</strong> ficyao s6 produz os seus efeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecyao e <strong>de</strong> transformayao do agir e do pa<strong>de</strong>cer


e coisas isoladas, toma-se urn conglomerado abstrato".<br />

A atualizayao do passado, em Esparo<br />

Terrestre, e realizada por meio da<br />

representayao <strong>de</strong> fatos hist6ricos e <strong>de</strong> lendas, como tambem, crendices populares<br />

Por meio <strong>de</strong> urn discurso que representa ficcionalmente alguns dados<br />

fatuais, tais como, a Revolta <strong>de</strong> Canudos, a Insurreiyao Pemambucana, por<br />

exemplo, a obra Esparo<br />

Terrestre tambem resgata 0 passado <strong>de</strong> outra forma. A<br />

"Homem, nao teria <strong>de</strong> acreditar que os pelos do rabo do<br />

cavalo postos num caco <strong>de</strong> agua viravam besouros; que a<br />

concubina do padre se transformava em mula-sem cabeya e a noite,<br />

sem motivo aparente, saia em <strong>de</strong>sabalada correria pelos campos; e<br />

que havia uma classe <strong>de</strong> individuos que viravam lobo e enquanto<br />

nao estavam uivando para a Iua <strong>de</strong>stinavam-se a atacar quem Ihes<br />

aparecesse pela frente". (Esparo Terrestre, p. 9).<br />

assumindo simetricamente os recursos <strong>de</strong> historicizac;ao que the oferecem as tentativas <strong>de</strong> reconstruyao<br />

do passado efetivo".


"Feitosinha, 0 afilhado mais velho do padre Feitosa, que 0<br />

ajudava na missa e se preparava para oportunamente substitui-Io no<br />

vicariato, ao dirigir-se it igreja, antes das seis da manha, para bater 0<br />

sino, viu-se cercado dum nevoeiro espesso, que 0 <strong>de</strong>sorientava e<br />

como que 0 conduzia ao meio da praya. Ai 0 nevoeiro esgaryou-se e<br />

<strong>de</strong>le surgiram tres negrinhos vestidos <strong>de</strong> pierro, abrayados, pulando<br />

numa perna so, a entoar uma cantiguinha que ele enten<strong>de</strong>u assim:<br />

- Nhen-nhen-gaga! Nhen-nhen-gaga!<br />

Suas bocas eram formadas por tres brasinhas e <strong>de</strong>las saiam<br />

pequenas bolas <strong>de</strong> fumaya, como se eles pitassem".<br />

(Espa90 Terrestre, p.118).<br />

representados no mundo da fic


Essa lenda, muito conhecida principalmente no cemrrio nor<strong>de</strong>stino,<br />

introduz a figura da 11comadre florzinha", como popularmente e conhecida a<br />

personagem <strong>de</strong>scrita no romance <strong>de</strong> Gilvan Lemos.<br />

Como observa-se, dialogicamente ligadas ao contexto espa90-temporal <strong>de</strong><br />

Sulida<strong>de</strong>, as lendas folcl6ricas assumem gran<strong>de</strong> relevancia para as personagens<br />

76<br />

que come9am a resgatar mitos e crendices presentes nas narrativas<br />

orais. Por<br />

outro lado, no cronotopo da cida<strong>de</strong> (Recife/ tempo hist6rico), os fatos hist6ricos<br />

sao postos em relevo, uma vez que 0 dinamismo da temporalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>terminante<br />

para as personagens.<br />

Assim, a cronotopia estrutura os varios niveis discursivos no romance,<br />

revelando-se como especie <strong>de</strong> principio organizador do plurilingliismo que se<br />

manifesta em diversos pI<strong>anos</strong>.<br />

No cronotopo Recife/tempo hist6rico, as referencias hist6ricas sao<br />

frequentes no sentido <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fmir cronologicamente 0 plano temporal e situar as<br />

personagens<br />

em <strong>de</strong>terminado espa90. Nesse cronotopo, 0 tempo e marc ado pela<br />

precisao com que os fatos hist6ricos acontecem e pela multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> epis6dios<br />

que interferem na vida das personagens,<br />

imigrantes, a Insurrei9ao Pemambucana,<br />

como 0 movimento <strong>de</strong> persegui9ao aos<br />

entre outros.


Apos a transiyao, marcada pelo cronotopo da estrada, as personagens<br />

<strong>de</strong>scobrem outro plano espayo-temporal (Sulida<strong>de</strong>/tempo hist6rico) em que os<br />

indices temporais e espaciais opoem-se aos do cronotopo da metropole.<br />

Em Sulida<strong>de</strong>, a vagueza das marcas temporais interfere nas manifestayoes<br />

lingiiisticas, como vimos. Alem do plurilingiiismo no plano social, a<br />

77<br />

heterogeneida<strong>de</strong> discursiva e consequencia do nivel regional, na medida em que 0<br />

cemirio do campo, representado por Sulida<strong>de</strong>, confere maior sentido a<br />

prolifera


abaixo, na qual Jose Albano conversa com Andreza sobre a Revolta <strong>de</strong> Canudos,<br />

epis6dio em que provavelmente os pais da menina teriam morrido:<br />

"-Meus pais, Jose Albano, nunca <strong>de</strong>ram noticia.<br />

Jose Albano <strong>de</strong>teve a faca no rolo <strong>de</strong> furno, surpreso <strong>de</strong> ela<br />

ainda os ter no pensamento:<br />

- Morreram ha muito tempo.<br />

- Como 0 senhor sabe?<br />

- Morreram numa guerra que houve no sermo da Bahia,<br />

Faz muitos <strong>anos</strong>, foi antes da passagem do seculo. Eles e mais os<br />

seguidores do santo aconselhador a quem haviam se juntado.<br />

Milhares e milhares <strong>de</strong> penitentes, nao ficou um pra contar a<br />

hist6ria. Cercados pelo exercito brasileiro, que os julgava<br />

criminosos, s6 se entregaram mortos. 0 Monte-Santo foi cenario e<br />

palco duma se9ao do inferno. Seus pais <strong>de</strong>viam estar no meio<br />

<strong>de</strong>les, dos penitentes, minha filha.<br />

- Mas como 0 senhor sabe?<br />

- Ouvi falar."<br />

(Espa90 Terrestre, p.168-169) (grifo nosso)<br />

passagem<br />

do seculo. Diferente do cronotopo do Recife em que os fatos hist6ricos<br />

oral que evi<strong>de</strong>ncia a imprecisao das personagens no tratamento<br />

do tempo. Essa


79<br />

Na cita9ao aClffia, nota-se que Jose Albano refere-se it<br />

Revolta <strong>de</strong><br />

Canudos, apoiando-se na tradi9ao oral - Ouvi fa/ar - talvez para ocultar que<br />

tivera conhecimento do fato historico quando se ausentara durante algum tempo<br />

<strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>. Apos a morte da esposa, Jose Albano foge <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e busca outro<br />

plano espa90-temporal. No entanto, os episodios que envolvem a personagem fora<br />

do contexto <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> sao ocultados pelo narrador, constituindo-se; assim, urn<br />

caso <strong>de</strong> elipse temporal.<br />

Segundo Bal (1985, p. 71), nos casos em que ocorre a e1ipsetemporal, tudo<br />

o que 0 1eitorpo<strong>de</strong> fazer e <strong>de</strong>duzir que algo foi omitido, <strong>de</strong> acordo com algumas<br />

pistas apresentadas na narrativa. A<strong>de</strong>mais, na perspectiva do autor, 0<br />

acontecimento omitido, ou melhor, 0 conteudo da elipse, po<strong>de</strong> parecer nao<br />

necessariamente tao importante, ou pelo contrario, ser bastante significativo. Na<br />

obra em analise, a elipse ganha significa9ao, pois apesar <strong>de</strong> Jose Albano ter<br />

abandonado Sulida<strong>de</strong> e provavelmente ter conhecido 0 "Brasil", ele retoma ao<br />

ponto <strong>de</strong> origem por nao conseguir se libertar daque1e tempo-espa90. As<br />

maldi90eS <strong>de</strong> Bilisa ainda nao haviam cessado e, assim, as gera90es dos Alb<strong>anos</strong><br />

nao conseguem fugir do cronotopo <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>, ou melhor, da repeti9ao dos<br />

mesmos <strong>de</strong>stinos. Para 0 leitor nao fica claro em que tempo-espa90 Jose Albano<br />

esteve quando <strong>de</strong>ixa Sulida<strong>de</strong>, como veremos no trecho abaixo:


"JOSE ALBANO s6 REAPARECEU EM SULIDADE<br />

nove <strong>anos</strong> <strong>de</strong>pois. Do que andou fazendo'durante esse tempo ou<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> tinha vindo jamais comentou com alguem. Afetava urn<br />

ar distraido, ausente, se tocavam no assunto".<br />

(Espw;o Terrestre, p. 131) (grifo nosso).<br />

Como se po<strong>de</strong> observar, a personagem tenta esquecer 0 passado e as<br />

situac;5es que vivera quando estivera ausente <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> em outro tempo-espac;o.<br />

Assim, quando retoma a vila dos portugueses, Jose Albano omite as experiencias<br />

referencias hist6ricas e folcl6ricas, 0 quadro abaixo <strong>de</strong>ixara mais claro 0 que<br />

CIDADE / TEMPO HISTORICO CAMPO/TEMPO CfCLICO<br />

• malOr numero <strong>de</strong> referencias • predominio <strong>de</strong> narrativas oralS e<br />

hist6ricas que contextualizam as folcl6ricas revividas pelas<br />

personagens no tempo e no espa


significado tematico, quando 0 diaIogo tempo-espa~o esta intimamente ligado a<br />

Vejamos como a imagem cronot6pica e apresentada no espa~o urbano,<br />

quando 0 tempo e marcado pelo dinamismo <strong>de</strong> varios acontecimentos hist6ricos<br />

que interferem na vida das personagens. A cita~ao abaixo <strong>de</strong>screve os cen<strong>anos</strong><br />

"[...] Olinda continuava a ser a capital da provincia, embora 0<br />

Recife ja a ultrapassasse em numero <strong>de</strong> habitantes, movimento<br />

comercial e tudo mais, tendo avan~ado da ilha on<strong>de</strong> se originara<br />

ate as outras vizinhas e alcan~ado 0 continente, dando mostra <strong>de</strong><br />

que pretendia dilatar-se, enquanto Olinda minguava em seu<br />

ressentido orgulho, nostalgica dos antigos faustos, os mesmos que<br />

tinham <strong>de</strong>spertado a cobiya dos holan<strong>de</strong>ses, ha quase dois seculos.<br />

Incendiando Olinda e instalando-se no Recife, que nesse tempo nao<br />

passava <strong>de</strong> pequena al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pescadores, os holan<strong>de</strong>ses 0<br />

valorizavam e 0 tomaram mais importante que Olinda, assim a<br />

<strong>de</strong>rrotando duas vezes".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 18) (grifo nosso).<br />

no mundo da fic~ao e travam uma especie <strong>de</strong> luta para conquistar 0 papel da<br />

capital da provincia. Recife e Olinda apresentam-se, pois, como espa~os m6veis<br />

37 Alem do significado temlitico, Bakhtin (l993a, p.355) estuda 0 significado figurativo da eronotopia,<br />

segundo 0 qual os acontecimentos do enredo ganham maior for


conferem maior dinamismo it narrativa. 38<br />

No caso em analise, 0 tempo e 0 espa90 da Historia contextualizam a vida<br />

das personagens no inicio do seculo com as transforma90es verificadas em<br />

dialoga com a representa9ao do tempo e espa90 na narrativa (historia), categorias<br />

moveis e dinfunicas que participam do universo romanesco. 39<br />

elementos que <strong>de</strong>terminam as a90es do enredo e apresentam uma estrutura<br />

significativa (simbolica) na narrativa. Como afmna Candido (1995, p. 45), as<br />

sem sentido no <strong>de</strong>senvolvimento dos acontecimentos, tomam-se elementos que<br />

prefiguram a a9ao da narrativa.<br />

38 Afirma Bal (1988, p.95) que 0 espa90 funciona <strong>de</strong> duas formas numa narrativa.<br />

1- Acting p1ace- espa90 dinamicamente representado;<br />

2- Place of action- espa90 como elemento estatico.<br />

No primeiro tipo, 0 espa90 e objeto <strong>de</strong> sua pr6pria representa9ao, e antes lugar ativo e dinfunico que<br />

simp1esmente 0 local da a9ao. No segundo tipo, 0 espa90 e apenas 0 local da a9ao e funciona como<br />

uma moldura que situa as personagens e os acontecimentos.<br />

39 Segundo Boumeuf e Ouellet (1981, p. 116),0 espa90, no romance, reveste-se <strong>de</strong> multiplos sentidos<br />

ate constituir-se, as vezes, na razao <strong>de</strong> ser da obra.


Como vimos, 0 cronotopo da estrada e <strong>de</strong> capital importancia no romance<br />

em foco, pois representa uma mudanya <strong>de</strong> plano espayo-temporal,<br />

aMm <strong>de</strong> estar<br />

relacionado ao plurilingliismo (social e regional).<br />

A estrada propicia 0 diaIogo entre urn cronotopo e outro, tambem no plano<br />

metaf6rico, como veremos a seguir em que a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser<br />

interpretada como especie <strong>de</strong> metafora da "<strong>de</strong>scoberta" do Brasil.<br />

2.1- DESCOBERTA DE SULIDADE: METAFORA DA DESCOBERTA DO<br />

'BRASIL<br />

o estudo da cronotopia possibilita uma anaIise da organizayao da obra<br />

Espa90 Terrestre sob 0 aspecto formal, consi<strong>de</strong>rando-se a rela


84<br />

no seculo XVI. Alguns epis6dios no romance po<strong>de</strong>m ser explicados com base em<br />

certos fatos hist6ricos, como a vinda dos colonizadores portugueses ao Brasil, a<br />

celebra


"Serras, serrotes e penhascos, rios secos, rios <strong>de</strong> aguas<br />

partidas; rios longinquos - como estiletes refletindo os raios do<br />

sol - cortavam matas que s6 por eles se <strong>de</strong>ixavam ferir. Jose<br />

Joaquim agarrava 0 bra


A partir do dialogo instaurado entre 0 mundo representante -<br />

a realida<strong>de</strong><br />

empirica historicamente situada -<br />

e 0 mundo representado na narrativa, parece<br />

evi<strong>de</strong>nte que 0 contato <strong>de</strong> Albano e Ramires com a nova terra (Sulida<strong>de</strong>),<br />

representa, simbolicamente, a chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil.<br />

Po<strong>de</strong>mos estabelecer uma rela9ao dial6gica com esse e outros epis6dios do<br />

romance e algumas passagens da Carta <strong>de</strong> Pero Vaz Caminha, documento <strong>de</strong><br />

"Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra<br />

o suI vimos ate outra ponta que contra 0 norte vem, <strong>de</strong> que nos <strong>de</strong>ste<br />

porto houvemos vista, sera tamanha que haveni ne1a bem vinte ou<br />

vinte e cinco leguas por costa. Tern, ao longo do mar, nalgurnas<br />

partes, gran<strong>de</strong>s barreiras, <strong>de</strong>las vermelhas, <strong>de</strong>las brancas, e a terra<br />

por cima toda chff e muito cheia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s arvoredos. De ponta a<br />

ponta, e tudo praia-palma, muito chffe muito formosa".<br />

(Moises, 1996, p.l?)<br />

Na obra em estudo, 0 epis6dio da primeira missa rezada na nova terra<br />

"Sem mais 0 que comentar, puseram os carroyoes ern<br />

circulo, vestiram as melhores roupas, prepararam cozidos,


postaram-se diante do ministro <strong>de</strong> Deus, para ouvir a primeira<br />

missa no novo mundo <strong>de</strong>les. "<br />

(Espa90 Terrestre, p.63).<br />

Na carta <strong>de</strong> Caminha, tambem ha registro do fato hist6rico da primeira<br />

"Chantada a Cruz, com as armas e a divisa <strong>de</strong> Vossa<br />

Alteza, que primeiramente the pregaram, armaram altar ao pe <strong>de</strong>la.<br />

Ali disse missa 0 Padre Frei Hemique, a qual foi eantada e ofieiada<br />

por esses ja ditos".<br />

(Moises, 1996, p.17).<br />

Assim como os primeiros colonizadores portugueses, os recem-chegados a<br />

Sulida<strong>de</strong> acreditavam ser 0 novo espa~o <strong>de</strong>scoberto completamente inabitado.<br />

Contudo, Ramires e Albano encontram-se com outra comunida<strong>de</strong>, urn povo<br />

"Em <strong>de</strong>terminado momento viram-se atropelados por uma<br />

turba <strong>de</strong> negros, armados uns <strong>de</strong> espingardas <strong>de</strong> matar passarinho,<br />

outros <strong>de</strong> areos e fleehas. Num relance <strong>de</strong>u para ver que eram<br />

negros diferentes, alguns <strong>de</strong>les <strong>de</strong> eabe10s longos, eseorridos.<br />

Vestiam tangas, havendo, entre e1es, varios completamente<br />

<strong>de</strong>snudos. Albano COyou-se,numa menyao <strong>de</strong> saear a pistola, Jose<br />

Joaquim 0 <strong>de</strong>teve:<br />

-Nao me consta que sejam hostis. [...].<br />

Em pouco tempo sairam num <strong>de</strong>seampado. Vindas <strong>de</strong> toda<br />

parte, veredas se cruzavam, em <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, ate se juntarem numa<br />

{mica, que eonduzia a especie <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia em que penetraram, meio<br />

india, meio africana, repleta <strong>de</strong> malocas, muitas <strong>de</strong>las elevadas<br />

sobre jiraus".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 68).


Essa situayao tambcm nos parece amiloga as origens do Brasil, quando os<br />

colonizadores portugueses <strong>de</strong>sconheciam, a principio, a existencia do povo nativo<br />

que ja habitava 0 solo brasileiro.<br />

No romance em foco, 0 encontro <strong>de</strong> Ramires e Albano com 0 povo do Jirau<br />

brasileiro, na cpoca <strong>de</strong> nossa colonizayao. AMm disso, a enfase no carater mestiyo<br />

do povo do Jirau nos conduz a interpretayao da pluralida<strong>de</strong> do povo brasileiro,<br />

composto por urn conjunto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, diferentes rayas e culturas que se<br />

"as cabelos seus sao corredios. E andavarn tosquiados, <strong>de</strong><br />

tosquia alta, rnais que <strong>de</strong> sobre-pente, <strong>de</strong> boa grandma e rapados ate<br />

por cirna das orelhas. E urn <strong>de</strong>les trazia por baixo da solapa, <strong>de</strong> fonte<br />

a fonte para <strong>de</strong>tnis, urna especie <strong>de</strong> cabeleira <strong>de</strong> penas <strong>de</strong> aye<br />

arnarelas, que seria do cornprirnento <strong>de</strong> urn coto, rnui basta e rnui<br />

cerrada, que Ihe cobria 0 toutiyo e as orelhas".<br />

(Moiscs, 1996, p.1S).<br />

respeito a falta <strong>de</strong> disposiyao ao trabalho dos portugueses que chegam a Sulida<strong>de</strong>,<br />

po<strong>de</strong>r econ6mico, exploravam a forya <strong>de</strong> trabalho dos negros vindos da Africa.


Como explicamos anteriormente, antes da vmgem ate 0 novo tempoespa90,<br />

as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais entre as personagens eram mais acentuadas, dada<br />

uma organiza9ao social baseada na explora9ao do trabalho escravo. A cita9ao<br />

abaixo apresenta a chegada dos negros afric<strong>anos</strong> para refor9ar 0 trabalho escravo<br />

na metr6pole:<br />

"Negros recem-chegados d'Africa, uns na forya da ida<strong>de</strong>,<br />

machos e femeas, crianyas e ate velhos, agrupavam-se frente aos<br />

armazens, it espera <strong>de</strong> compradores. Encurralados, submissos, sem<br />

aparentar nenhuma vonta<strong>de</strong> consciente <strong>de</strong> fuga ou <strong>de</strong> revolta, tal 0<br />

estado em que se encontravam, espalhavam-se, <strong>de</strong>sligados <strong>de</strong><br />

afeiyao ou afinida<strong>de</strong> uns com os outros."<br />

(Espar;o Terrestre, p. 20).<br />

Se no espa90 urbano, observa-se a luta <strong>de</strong> classes por meio das acentuadas<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais entre as personagens, no cronotopo da estrada, as distancias<br />

(sociais, economicas, lingliisticas) tomam-se mais tenues diante da ansia <strong>de</strong><br />

no novo espa90, logo batizado <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>, as personagens <strong>de</strong>scobrem que<br />

"Os Marinheiros, que por <strong>anos</strong> tinham explorado a forya<br />

dos escravos, viam-se diante dum dilema jamais por eles<br />

imaginado. Calejar as maos, cobri-Ias <strong>de</strong> bolhas, <strong>de</strong>forma-Ias no<br />

cabo da picareta, do formao, da enxada, da gadanha, era obrigayao<br />

<strong>de</strong> negro, os negros e que tinham nascido para trabalhar em<br />

beneficio dos brancos". (Espar;o Terrestre, p.72).


Por 1SS0, quando estahefecem contato com a popufa~ao mesti~a do Jrrau,<br />

tentam ohter a mao-<strong>de</strong>-ohra necessaria a constru~ao d-a vITa<strong>de</strong> Sufida<strong>de</strong>. No<br />

entanto, 0 povo do Jrrau nao aceita trabalhar para os portugueses, 0 que fica daro<br />

na citayao abaixo:<br />

"Nao obstante, as insatisfayoes prosseguiam. Os que tinham<br />

dinheiro <strong>de</strong> sobra propunham-se a pagar 0 serviyo dos que 0<br />

tfnham <strong>de</strong> menos, mas estes nao podiam aten<strong>de</strong>r satisfatorfamente<br />

aqueles~ necessitavam <strong>de</strong> suas pr6prias foryas para a execuyao e<br />

consecuyM <strong>de</strong> seu futuro patrimonio. Tentou-se, em troca <strong>de</strong><br />

pagamento em especie, a colabora~ao dos negros do Jirau, mas<br />

os neg-ros, <strong>de</strong>sconfiados, nao aceitaram as propostas. Para esses<br />

insatisH~itosso havia uma altemativa: voltar para 0 Brasil".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 74-75). (grifo nosso).<br />

Tamhem, os portugueses que aqui chegaram no secufo XVI, tinham por<br />

ohjetivo expforar a terra, mas nao estavam acostumados ao trabalho arduo,<br />

necessario para se concretizar 0 processo <strong>de</strong> colonizayao exploradora. Por essa<br />

razao, tentaram escravizar os indios~estes nao se adaptaram ao trabalho escravo e<br />

portugueses cofonizadores eram <strong>de</strong>gredados, tambem 0 sao as personagens do<br />

verda<strong>de</strong>rra origem a Afbano Varefa:<br />

"Meu pai era caseiro dum gran<strong>de</strong> la da Terra, minha mile<br />

uma pobre fateira. Ganhei a cida<strong>de</strong> do Porto, meti-me em<br />

politicagens, fui obrigado a matar um gran<strong>de</strong> que me <strong>de</strong>sfeiteou.<br />

Cheguei ao Brasil como <strong>de</strong>gredado. Vim para Pernambuco,


aproveitei oportunida<strong>de</strong>s, casei:'-mecom uma rfca~a, liz-me na<br />

vida". (Espar;o Terrestre, p. 67) (grifo nosso).<br />

No que conceme a analogia entre a obra Espar;o Terrestre e a <strong>de</strong>scoberta<br />

do Brasil, dois epis6dios da narrativa ainda merecem ser discutidos: a chegada <strong>de</strong><br />

Ap6s sail' <strong>de</strong> Portugal, VareIa chega ao Brasil como <strong>de</strong>gredado e tenta<br />

encontrar urn emprego que !he proporcionasse certa estabilida<strong>de</strong> economlca. A<br />

chegada ao Brasil representa a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> outro plano espayo-temporal, no<br />

qual a personagem, <strong>de</strong> inlcio, nao consegue se adaptar. 1S80 expIica porque 0<br />

primeil'o Albano "nao conseguia enten<strong>de</strong>r satisfatoriamente aqueIa nayao <strong>de</strong><br />

brancos, negros, indios e mulatos". (Espafo<br />

Terrestre, p.18).<br />

o primeil'o contato <strong>de</strong> Nuno Varela com 0 Brasil e apresentado na citayao<br />

"ALBANO NUNO<br />

VARELA FORA TRAZIDO numa<br />

canoa, <strong>de</strong>sembarcado no cais do trapiche, jogado a terra como<br />

volume duma mercadoria qualquer [...].<br />

Cegava-o aquela inesperada clarida<strong>de</strong> tropical,<br />

revolviam-Ihe 0 estomago aqueles odores nauseantes,<br />

agressivos, <strong>de</strong> oleos e gorduras carregados, penetrantes,<br />

enjoativos. [...].<br />

Contudo, fora dificil a adapta9ao ao mundo novo que se Ihe<br />

oferecia. Esquecido dos projetos a


Observe-se como Varefa comeya a <strong>de</strong>scobrir 0 novo espayO atraves do<br />

plano sensorial, uma vez que a visao e 0 offato se revefam como sentidos<br />

importantes na percep


(Sufida<strong>de</strong>). No novo cronotopo, as gerayoes dos Alb<strong>anos</strong> suce<strong>de</strong>m-se ate surgir<br />

Jose Alhano Neto que nao se adapta ao marasmo <strong>de</strong> SuIida<strong>de</strong> e parte para 0<br />

Brasil. Fecha-se, assim, 0 cicIo das gera90es quando a imagem do prunerro<br />

Alhano Iiga,.sea do ultimo, unidas pela <strong>de</strong>scoherta do Brasil.<br />

Dada a rela9ao diaIogica da ohra em foco com a <strong>de</strong>scoherta do Brasil,<br />

revela-se, a nosso ver, pertinente a posi9ao <strong>de</strong> Kristeva (1974, p. 86),<br />

"[...] tudo 0 que se escreve hoje <strong>de</strong>svenda uma<br />

possibilida<strong>de</strong> ou uma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler e <strong>de</strong> rescrever a<br />

hist6ria. Esta possibiTida<strong>de</strong>e palpavef na Hteratura que se anuncia<br />

atraves dos escritos <strong>de</strong> uma nova geravao, on<strong>de</strong> 0 texto se constr6i<br />

enquanto teatro e enquanto leitura".<br />

o romance <strong>de</strong> Gtlvan Lemos e construfdo enquanto possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

que remonta as proprias origens da coTonizay:aono Brasil, metaforicamente<br />

representada pefa <strong>de</strong>scoherta <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>.<br />

Segundo Baklitin (1993a, p.358), a partir do dialogismo entre a ohra <strong>de</strong><br />

originam-se dos cronotopos reais do mundo empfrico. Esse dialogo entre 0<br />

cronotopia, nao so como <strong>de</strong>terminante da estrutura9ao formal e simb6lica do


essaftar que, como afrrmou Bakhtin (1993a, p. 360), nao obstante 0 mundo<br />

representado no universo ficcional apresentar urn carater reaIista, 0 Ieitor nao<br />

po<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar, <strong>de</strong> forma direta, as imagens espa90-temporais<br />

da narrativa com<br />

as do munao real, representante.<br />

Na obra em estudo, a imagem cronotopica esta aialogicamente Iigada ao<br />

contexto social e hist6rico da reaIida<strong>de</strong> brasileira do inicio do seculo XIX a<br />

meados do seculo XX, aIem <strong>de</strong> metaforicamente<br />

representar urna volta as origens<br />

da coloniza9ao brasiIeira.<br />

Espar;o Terrestre reveIa-se, assim, como uma hist6ria sobre a Hist6ria, na<br />

medina em que os acontecimentos artisticamente representados no moodo da<br />

fiC9ao dialogam com certos fatos hist6ricos empiricamente<br />

situados, tais como: a<br />

chegada dos colonizadores ao Brasil no sec. XVI, a reaIizac;ao da primeira missa<br />

em solo brasileiro, 0 contato dos portugueses com os indios.<br />

No romance em foco, a atuaIizac;ao <strong>de</strong> um passado que remonta as origens<br />

do Brasil, a partir da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>, assinala 0 processo <strong>de</strong> incorporac;ao<br />

e transfigurac;ao do cronotopo da Hist6ria no cronotopo da hist6ria<br />

A <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> SuIida<strong>de</strong> liga-se ao passado em dois nfveis. Por um lado,<br />

no processo dial6gico entre 0 mundo representante e 0 representado,<br />

nos termos<br />

<strong>de</strong> Bakhtin (1993a), a chegada ao novo espac;o, na narrativa, toma-se uma


epresenta9ao simb6lica da <strong>de</strong>scoberta do Brasil no seculo XVI. Por outro lado, 0<br />

novo referendal cronot6pico, marcado pelo espa90 <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e por urn tempo<br />

ciefico, dialoga com 0 cronotopo da cida<strong>de</strong>, como veremos no pr6ximo capitulo.<br />

CAPITULO 3<br />

r . , ,<br />

o DIALOGO ENTRE DOIS NIVEIS CRONOTOPICOS:<br />

(cida<strong>de</strong>- tempo hist6ricolcampo-<br />

tempo cfclico)<br />

"Em arte e em Iiteratura, todas as<br />

<strong>de</strong>finiyoes espayo-temporais SaD insepaniveis<br />

urnas das outras e SaD sempre tingidas <strong>de</strong> urn<br />

matiz emocional".<br />

(Bakhtin, 1993a, p. 349)<br />

Na obra Espa90 Terrestre, po<strong>de</strong>mos analisar a cronotopia em sua relac;ao<br />

com 0 dialogismo em varios nfveis. No capitulo anterior, vimos 0 dialogo entre 0<br />

cronotopo representante - no nfvel da Hist6ria - e 0 cronotopo representado<br />

na narrativa ficc10nal (hist6ria). Alem <strong>de</strong>ssa perspectiva dial6gica, as imagens<br />

espa90-temporais estao intimamente relacionadas, na medida em que 0<br />

movimento do tempo e representado, tambem, pela multipIicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagens


organizayao intema da obra -<br />

na perspectiva da dialogicida<strong>de</strong> intema como<br />

propos Bakhtin (1993a) -<br />

0 diaIogo entre vclriosnfveis cronot6picos estrutura a<br />

narrativa e evi<strong>de</strong>ncia urn caniter dinfunico nas relayOes espayo-temporais. Sob<br />

esse aspecto, interessa-nos anaIisar a intera9ao entre dois gran<strong>de</strong>s cronotopos<br />

(dda<strong>de</strong>/tempo hist6rico - campo/tempo cfcIico), no sentido <strong>de</strong> mostrar a<br />

importancia da cronotopia na organiza9ao dialogica do romance. 43<br />

Conforme Bakhtin (I993a, p. 357), diversos cronotopos po<strong>de</strong>m coexistir<br />

<strong>de</strong>ntro da organiza9ao do discurso romanesco, ou meIhor, os cronotopos po<strong>de</strong>m<br />

se opor ou se entrefa9ar, fundmdo-se numa so imagem espa90-temporaI que<br />

Em Espafo Terrestre, 0 diaIogismo entre os cronotopos existe, na medida<br />

em que, primordialmente, dois nfveis espa90-temporais adquirem papeI<br />

fundamental no <strong>de</strong>senvoIvimento da narrativa: 0 tempo hist6rieo e 0 espa90 do<br />

Recife, opOem-se a vila mftica <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e ao tempo eiclieo. Esses dois<br />

cronotopos, aparentemente antiteticos, dialogam entre si, quando SuIida<strong>de</strong><br />

No espa90 urbano, representado pdo<br />

Recife (a metr6poIe), 0 tempo<br />

43 Explicaremos a relayao entre a cronotopia e 0 segundo nfvel do dialogismo - dialogicida<strong>de</strong> intema<br />

- como referimos no primeiro capitulo. Em Espa90 Terrestre, as imagens espac;o-temporais<br />

manifestam-se dialogicamente relacionadas na arquitetura intema da narrativa.


97<br />

hist6rico adquire malOr relevo do que 0 espa


do carater ciclico do tempo.<br />

N a obra em analise, a sensac;ao <strong>de</strong> que 0 tempo esta parado e provocada<br />

pela repetic;ao dos mesmos fatos, como, por exemplo, a morte das esposas dos<br />

Alb<strong>anos</strong>; epis6dio que se repete durante quatro gerac;oes seguidas. Por conta<br />

disso, 0 tempo revela-se como especie <strong>de</strong> "prisao" (confmamento),<br />

enquanto que<br />

o espac;o, constituido pela realida<strong>de</strong> rural, cobra relevancia. Essa situac;ao e oposta<br />

ao contexto da cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> a noc;ao do passar do tempo toma-se mais evi<strong>de</strong>nte<br />

pela rapida sucessao dos acontecimentos hist6ricos.<br />

Ao representar<br />

Sulida<strong>de</strong>, 0 sitio dos Alb<strong>anos</strong> e 0 Jirau, como diferentes<br />

pI<strong>anos</strong> espaciais, a narrativa ganha maior significac;ao a partir da dinamismo<br />

multiplicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cenarios dialogicamente ligados a natureza repetitiva do tempo.<br />

Nesse sentido, parece-nos que 0 nivel espacial e mais <strong>de</strong>stacado, 0 que se observa<br />

na pr6pria escolha do titulo do romance - Espa90 Terrestre - como tentativa<br />

<strong>de</strong> abarcar 0 espac;o em sua totalida<strong>de</strong>. 44<br />

Como se observa, uma imagem cronot6pica toma-se 0 reflexo invertido da<br />

outra, ou seja, 0 espac;o <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e 0 tempo ciclico representam<br />

tudo aquilo<br />

que se opoe ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vida das personagens no cronotopo da metr6pole.<br />

Durante . 0 exodo, marc ado pelo cronotopo da estrada, a perda do


eferencial <strong>de</strong> tempo crono16gico contribui para 0 processo <strong>de</strong> isolamento das<br />

personagens que abandonam 0 contato com a metr6pole. Por isso, 0 tempo passa<br />

a funcionar como algo secundario, enquanto que 0 espac;o e privilegiado. Diante<br />

<strong>de</strong> urn tempo cic1ico, presente em Sulida<strong>de</strong>, as personagens aceitam 0 espac;o<br />

como refugio,<br />

marc ado pela utopia, pela liberda<strong>de</strong> e pelas novas relac;oes sociais.<br />

personagens e seus <strong>de</strong>stinos, ja que 0 meio parece revelar novas expectativas.<br />

" [Sr.Ramires] 0 que queria mesmo era viver em paz.<br />

Voltar para Portugal nao podia. Safra <strong>de</strong> hi porque .... Ravia<br />

qualquer irregularida<strong>de</strong>, certo encalhe. Bern, nao podia. Sua<br />

id6ia era reunir-se com os patricios, juntar fundos e meios, ganhar<br />

as brenhas, criar no sertao bravio uma esp6cie <strong>de</strong> falansterio."<br />

(Espa90 Terrestre, p. 49-50) (grifo nosso)<br />

combinado com 0 conhecimento do genero da obra, ja restringe consi<strong>de</strong>ravelmente 0 percurso <strong>de</strong><br />

leitura".


publica, faremos algumas aproximayoes em relayao ao comportamento das<br />

100<br />

personagens na narrativa. Segundo 0 autor (I993a, p. 244), a vida privada<br />

nao<br />

exige urn observador que possa juIga-la, ao passo que a vida publica,<br />

"como<br />

qualquer acontecimento que tenha algum sentido social, dirige-se ao publico,<br />

pressupoe obrigatoriamente urn espectador, urnjuiz, urn avaliador [...I".<br />

Em Espafo<br />

Terrestre, no cronotopo espayOurbano/tempo hist6rico, mais<br />

distantes <strong>de</strong> suas origens, as personagens vivem a vida publica,<br />

tendo que<br />

reprimir os segredos mais fntimos, pois a socieda<strong>de</strong> Ihes impoe <strong>de</strong>terminado<br />

comportamento social. Contudo, no espayOmitico <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e no tempo C£clico,<br />

a vida privada revela,..separa as personagens que agora concretizam seus sonhos,<br />

liberam suas fantasias, pois nao ha a opiniao publica para avalia-Ias e julga-Ias.<br />

No ambiente rural, 0 equilibrio do homem com a natureza favorece a revelayao da<br />

verda<strong>de</strong>, visto que as personagens ja nao precisavam mais representar para manter<br />

as aparencias SOCIalS.<br />

Se, por urn lado, 0 cronotopo do Recife e marcado pelas lutas sociais e<br />

poHticas entre as personagens, por outro, 0 contexto espayo-temporal <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong><br />

mantem-se diretamente relacionado a temas como: a dimensao ut6pica das novas<br />

reIal;oes sociais entre as personagens, a procura <strong>de</strong> urna socieda<strong>de</strong> mais justa e<br />

igualitaria, 0 resgate dos mitos populares, entre outros. Nesse contexto, a


diversida<strong>de</strong> espacial e mais evi<strong>de</strong>nte, ja que Sulida<strong>de</strong>, 0 S£tio dos Alb<strong>anos</strong> e 0<br />

Jirau SaG pI<strong>anos</strong> espaciais relevantes para a compreensao cronot6pica da<br />

narrativa. SuIida<strong>de</strong> representa 0 espac;oda comunida<strong>de</strong> branca, em oposic;aoao<br />

Jirau, uma especie <strong>de</strong> quilombo habitado pela populac;ao mestic;a, froto da<br />

miscigenac;aoentre negros e indios. 0 sitio dos Alh<strong>anos</strong> funciona como espac;o<br />

mediador entre os dois nfveis apresentados, ao mesmo tempo em que confere<br />

maior individuaIida<strong>de</strong> a familia dos Alb<strong>anos</strong>. Esses tres n£veis espaciais<br />

(SuIida<strong>de</strong>, Jirau e S£tiodos Alb<strong>anos</strong>) estabelecem um diaIogo, na perspectiva da<br />

dialogidda<strong>de</strong> intema, numa relac;ao<strong>de</strong> complementac;ao.<br />

Sulida<strong>de</strong> opoe-se <strong>de</strong> certa forma ao Jirau, no entanto, a partir do processo<br />

<strong>de</strong> misdgenac;ao, 0 diaIogo entre os dois cronotopos apresenta-se mais forte e as<br />

oposic;oesentre eIes comec;ama ser atenuadas. 0 inido da misdgenac;ao entre os<br />

portugueses <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e 0 povo do Jirau da-se com 0 casamento <strong>de</strong> Albano<br />

Varela e Sarra -<br />

neta do H<strong>de</strong>r do Jirau. Assim, 0 espac;odos Alb<strong>anos</strong> fundona<br />

como ponto <strong>de</strong> Iigac;aoentre Sulida<strong>de</strong> e 0 Jirau, na medida em que os Alb<strong>anos</strong> se<br />

unem ao povo da comunida<strong>de</strong> mestic;a e <strong>de</strong>pois influendam as mudanc;as <strong>de</strong><br />

habitos dos portugaeses da vila.<br />

A interac;aoentre personagens <strong>de</strong> espac;osdistintos provoca mudanc;asnos<br />

habitos <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong>. Como exemplo, a presenc;a <strong>de</strong> Sarra em Sulida<strong>de</strong>


modifica a vida das personagens da vila:<br />

"Saira acabava <strong>de</strong> implantar em Sulida<strong>de</strong> 0 habito do banho<br />

diario. Assim como, mais tar<strong>de</strong>, incentivaria a miscigena9ao.<br />

Rapazes e ate senhores maduros nao <strong>de</strong>moravam a ir ao Jirau<br />

buscar as companheiras que lhes faltavam: todas da mais pura<br />

branquida<strong>de</strong>. Dai a serie <strong>de</strong> meninos sararis, mulatos c1arosou<br />

escuros que come9aram a nascer na vila".<br />

(Espac;o Terrestre, p. 81).<br />

o dialogismo instaura,.se na integrac;ao entre os diferentes nfveis espaciais,<br />

ja que os cronotopos se opciem, se confrontam e se entfelac;am <strong>de</strong> forma<br />

dinfunica. Esse dinamismo no plano espaciaI <strong>de</strong>staca-se em func;ao do caniter<br />

estatico que 0 tempo assume no romance, ria parte referente a vida em Sulida<strong>de</strong>,<br />

mais especificamente<br />

no sitio dos Alb<strong>anos</strong>.<br />

o tempo dcIico e marcado pela ausencia <strong>de</strong> mudanc;as, ja que os mesmos<br />

BiIisa, 0 carater estatico do tempo transforma-se e provoca 0 <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> abandonar<br />

Sulida<strong>de</strong>, a prindpio<br />

tido como espac;o-refUgio, para retomar ao ponto <strong>de</strong> partida<br />

"Brasil", ja que as personagens, tao isoladas no tempo-espac;o, acreditavam que a


METROPOLE (0 urbano) SULllADE, JIRAU, strIo (0 rural)<br />

• tempo hist6rico (carater dinfunico da • tempo ciclico (carater estatico da<br />

temporalida<strong>de</strong>)<br />

temporalida<strong>de</strong>)<br />

• vida publica<br />

• vida privada<br />

• opressao, sentimento <strong>de</strong> revolta • harmonia das personagens com a<br />

popular e insatisfa9ao das natureza (equilibrio entre as<br />

personagens com 0 contexto personagens eo mem social)<br />

hist6rico-social<br />

• a temporalida<strong>de</strong> assume malOr • 0 espa90 toma-se mats importante<br />

importancia na vida das personagens. para as personagens que per<strong>de</strong>m 0<br />

Espa90= confmamento referencial tempo-crono16gico. 0<br />

espa90 funciona como refugio.<br />

Espa90 = liberda<strong>de</strong><br />

SuIida<strong>de</strong>, espa90 recem-<strong>de</strong>scoherto,<br />

e 0 cenario da utopia, das supersti90es,<br />

da Iiberda<strong>de</strong>, da busca por urna socieda<strong>de</strong> livre. 0 espa90 adquire urn papel mais<br />

significativo, ao passo que 0 tempo ciclico coloca as personagens frente a frente<br />

com seus pr6prios <strong>de</strong>stinos, sendo quase impossivel fugir da repeti9ao dos


ca


Como se observa na citayao acima, 0 tempo modifica,.se em SuIida<strong>de</strong>, uma<br />

vez que as imagens dia e noite se confun<strong>de</strong>m, <strong>de</strong>ixando as personagens<br />

<strong>de</strong>sorientadas. A mudanya no tempo, seguem-se as transformayoes no espayo, tais<br />

Enquanto Sulida<strong>de</strong> comeya a evoluir, transformando-se cronotopicamente e<br />

acompanhando 0 <strong>de</strong>senvolvimento da metr6pole, 0 Jirau toma conhecimento do<br />

progresso da vila:<br />

«A entrada do Jirau, Chefe Goma os esperava com sua<br />

comitiva. Albano, surpreso, notou mudan9as. Ravia casas, algumas<br />

prontas, outras em constfU9ao,alinhadas em feitio <strong>de</strong> rua; gran<strong>de</strong><br />

galpao coberto <strong>de</strong> palha com uma placa. Escola; e 0 come90 duma<br />

igreja, com pare<strong>de</strong>s ja elevadas. Chefe Goma estava hem<br />

inform ado do que se fazia em Sulida<strong>de</strong>."<br />

(Espa90 Terrestre, p.82) (grifo nosso).<br />

Os niveis espaciais esHio estreitamente Iigados, uma vez que espayos,<br />

contradiyoes sociais do espayo metropolitano. AIem disso, as personagens<br />

comeyam a se distanciar <strong>de</strong> seus mitos, <strong>de</strong> suas origens, a proporyao que espayo e<br />

tempo se transformam, acompanhando a evoluyao do cronotopo da cida<strong>de</strong>.<br />

Vejamos como Bilisa e esquecida pelas personagens, quase no [mal da hist6ria:


HE Bilisa? Poucos a lembravam. Nio mais aparecia<br />

frente it gueja? Nio prestavam aten~io. As lendas, as vezes<br />

tambem morrem. E a igreja ainda em constrU


e<strong>de</strong>as no cavalo, voltar pra 0 sossego do seu lar. [...J Voce <strong>de</strong>ve<br />

estar caducando, velho. Volte pra casa. [...]".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 253-254) (grifo nosso).<br />

Nao encontrando os sinais do passado que buscava, Jose Albano se sente<br />

perdido, pois ja nao sabe se aquilo que vivera e as personagens que conhecera<br />

personagem que, no passado, conhecera 0 Jirau. A repeti9ao da palavra velho<br />

personagens jovens, ou meIhor, urn passado perdido nas transforma90es<br />

questiona-se e duvida das recorda90es que ainda !he restavam do passado ja<br />

esquecido pela maior parte dos habitantes <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>:<br />

"E se realmente nada daquilo tivesse acontecido? Perdido,<br />

apagado do presente, 0 passado existia? Batia-se no peito, furioso:<br />

Eu existo? Com tanta coisa <strong>de</strong> sua vivencia ja fora <strong>de</strong>le, perdida,<br />

esfumada, dava para <strong>de</strong>sconfiar.<br />

Afastou-se, dirigiu 0 cavalo para 0 alto. Queria ver,<br />

certificar-se <strong>de</strong> que 0 Jirau existira, correra no sangue <strong>de</strong> suas<br />

veias. Mas so via <strong>de</strong>sola~ao, mato <strong>de</strong> germina~ao recente. E<br />

cercados, bois <strong>de</strong> engorda, casas esparsas <strong>de</strong> moradores da<br />

fazenda. Impossivel distinguir os lugares <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>le<br />

lembran~as. On<strong>de</strong> ficava a gueja e a pedra <strong>de</strong> BiIisa? A<br />

resi<strong>de</strong>ncia central dos Chefes Goma, Agora, Giru, on<strong>de</strong> ? .."<br />

(Espm;o Terrestre, p. 254) (grifo nosso).


acordo com os movimentos migrat6rios das personagens, os quais indicam, por<br />

urn lado, uma abertura para 0 mundo (movimento progressivo)<br />

e, por outro, urn<br />

fechamento espayo-temporal (movimento regressivo). 45<br />

o movimento <strong>de</strong> abertura espayo-temporal, que sugere urna<br />

progressivida<strong>de</strong>, e observado no cronotopo da estrada -<br />

marca <strong>de</strong> transiyao <strong>de</strong><br />

urn plano espayo-temporal (cida<strong>de</strong>/tempo hist6rico)<br />

a outro (Sulida<strong>de</strong>/tempo<br />

cida<strong>de</strong>, marcado pelo dinamismo dos acontecimentos hist6ricos. 0 <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

origem para se conhecer 0 contexto em que se vivia na cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>. No dialogo<br />

45 Ao estabe1ecer essa distin((ao entre dois niveis <strong>de</strong> movimentos em Espac;o Terrestre, nos baseamos<br />

em Rocha (1977, p. 180) que analisa 0 espa((o na obra "Cria((ao do mundo" <strong>de</strong> Miguel Torga. Segundo<br />

a autora, "[ ...] 0 espa((o fisico <strong>de</strong>scoberto pelo her6i sujeita-se ao impulso <strong>de</strong> dois movimentos<br />

aparentemente contradit6rios, urn progressivo <strong>de</strong> abertura para 0 mundo, e oUtro regressivo <strong>de</strong><br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> as origens".


"- 0 senhor nunca teve vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a Terra, ou ao Brasil?<br />

- Nada <strong>de</strong>ixei nesses lugares.<br />

_. Nem por curiosida<strong>de</strong>? Nem <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir os relatos do<br />

Hermes Vasconcelos?<br />

- Antes me diga, por que 0 Hermes nao quis mais voltar?<br />

Conheyo tudo aquilo. Ha eertas eoisas na vida que nao mudam,<br />

nunea mud am, jamais se modifieam, filho.<br />

- Pois eu tenho vonta<strong>de</strong>, pai, <strong>de</strong> conhecer outras coisas."<br />

(Espac;o Terrestre, p. 94). (grifo nosso)<br />

Nuno Varela, que ja vivera em Portugal e no Recife, nao tern sauda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>sses espa~os, pois estes simbolizam sofrimento, perdas, conflitos. A morte dos<br />

pais fizera ele abandonar sua terra nataL Chegando ao Recife, a morte <strong>de</strong> Frei<br />

Caneca 0 induz a refletir sobre as dificulda<strong>de</strong>s e revoltas populares na metr6pole.<br />

o contexto violento da cida<strong>de</strong> provoca 0 exodo <strong>de</strong> Varela e das <strong>de</strong>mais<br />

personagens a outro tempo-espa~o (Sulida<strong>de</strong>).<br />

Ao contrario <strong>de</strong> Nuno Varela, Albano Filho <strong>de</strong>seja conhecer a metr6pole,<br />

pois nao tern a experiencia do pai e nao conhece outros lugares. Albano Filho<br />

acha que Sulida<strong>de</strong> e marcada pelo marasmo e pela falta <strong>de</strong> perspectivas futuras,<br />

se modificam, filho parece estar presente uma explica~aopara 0 carater ciclico do<br />

tempo-espa~o, marcado por uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pI<strong>anos</strong> espa~o-temporais, que<br />

ora se op5em, ora se completam no <strong>de</strong>senvolvimento da narrativa. A sensa~ao e<br />

que as imagens espa~o-temporais nunca mudam, nao se modificam, j a que, nao


obstante a evolu9ao dos niveis cronot6picos <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e do Jirau, as<br />

personagens reencontram-se com uma situa9ao similar ao contexto da cida<strong>de</strong>,<br />

apresentado antes do exodo. Na parte fmal da narra9ao, as personagens voltam ao<br />

ponto <strong>de</strong> partida (Recife/tempo hist6rico), como se nada houvesse mudado, ou<br />

melhor, como se 0 tempo e 0 espa90 ainda fossem os mesmos numa especie <strong>de</strong><br />

revolu9ao em drculo que retoma 0 cronotopo da cida<strong>de</strong>.<br />

o movimento regressivo, que marca a volta das personagens ao cronotopo<br />

da cida<strong>de</strong>, e favorecido pela constru9ao <strong>de</strong> uma estrada ligando Sulida<strong>de</strong>, bem<br />

como 0 Jirau e 0 sitio dos Alb<strong>anos</strong>, ao resto do tlBrasil". Assim, a imagem da<br />

estrada e retomada no fmal da hist6ria, unindo 0 cronotopo <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> ao<br />

"Os pr6prios habitantes da vila, beneficiados pela<br />

estrada que passava a poucos quilometros, excursionavam com<br />

facilida<strong>de</strong>s ate entao <strong>de</strong>sconhecidas ao lendario Brasil,<br />

informados <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>pois da guerra - tinha havido uma guerra<br />

- 0 pais navegava em bonan


forasteiros reforyam 0 carater lendario do Brasil e <strong>de</strong>spertam 0 <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> retornar<br />

a metr6pole recifense.<br />

o movimento regressivo tambem se estabelece em relayao ao espayo<br />

conquistado pelos Alb<strong>anos</strong> que se isolam nurn sitio, a dois ou tres qui!ometros <strong>de</strong><br />

distancia <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>, 0 que provoca urn insulamento maior da familia dos<br />

Alb<strong>anos</strong>. 0 fechamento espacial propicia 0 retorno as origens e ao passado, uma<br />

vez que Albano Nuno Varela tenta construir, no sitio, um ambiente familiar,<br />

"Dedicar-se-ia a cria9ao <strong>de</strong> cabras, tinha experiencia, fora<br />

pastor <strong>de</strong> ovelhas, na Terra. Por isso estabeleceu-se a dois ou tres<br />

quilometros da vila. Queria sua casinha no mol<strong>de</strong> da dos pais,<br />

on<strong>de</strong> nascera, <strong>de</strong> pedra e tijolo, piso <strong>de</strong> lajes, cobertura <strong>de</strong><br />

telhas <strong>de</strong> barro. Levasse 0 tempo que levasse, construf-Ia<br />

assim."<br />

(Espar;o Terrestre, p. 74). (grifo nosso).<br />

A partir <strong>de</strong>sses movimentos <strong>de</strong> abertura espayo-temporal (progressivo),<br />

<strong>de</strong> circulo, do qual as personagens tentam achar a saida, mas nao conseguem.


(<strong>de</strong>scoberta do mundo)<br />

movimento regressivo<br />

"Nao raro, Ii noite, Albano perdia 0 sono, e ficava a pensar<br />

no seu <strong>de</strong>stino, na <strong>de</strong>termina


outra escolha? Fora a morte que 0 orientara na vida; a morte,<br />

que guiara seus passos. Espantavam-no, da Terra, as mortes do<br />

pai e da mae; do Recife, a do fra<strong>de</strong> espingar<strong>de</strong>ado no largo das<br />

Cinco Pontas. E daqui? Deveria espanta-Io a do amigo<br />

Ramires?" •<br />

(Espa90 Terrestre, p. 77) (grifo nosso).<br />

A familia dos Alh<strong>anos</strong> parece assumir 0 papel do heroi tnlgico, aquele que<br />

<strong>de</strong>stino. Os Alh<strong>anos</strong> reconheciam que nao podiam <strong>de</strong>safiar a maldiyao <strong>de</strong> Bilisa,<br />

personagem mitica que representa, metaforicamente, urn oHiculo, antecipando 0<br />

futuro e provocando medo nas personagens. 0 proprio nome Bilisa e urn<br />

anagrama <strong>de</strong> Sibila, personagem mitologica que possuia 0 dom da profecia.<br />

tlEra Bilisa que falava, uma velha cinzenta, <strong>de</strong> carapinha<br />

arrepiada, olhos vermelhos, 0 cachimbo pendurado na beiyola:<br />

- Esse branco tem calor <strong>de</strong> sangue. 0 froto <strong>de</strong>le mata.<br />

Calor <strong>de</strong> sangue! Arrenego!t!.<br />

(Espar;o Terrestre, p. 79).<br />

das esposas. Dada a ausencia da figura materna, a rela


continuida<strong>de</strong> da figura do avo. Cada avo projetava seus sonhos e expectativas na<br />

figura dos netos, os quais representavam 0 renascimento <strong>de</strong> todas as gerayoes.<br />

A figura materna e quase completamente apagada no romance, salvo Sai, a<br />

mae do ultimo Albano que ja esta imune a maldiyao <strong>de</strong> Bilisa. Parece-nos que 0<br />

ocultamento da figura feminina relaciona-se com os movimentos migrat6rios dos<br />

Alb<strong>anos</strong>, visto que, a imagem da mulher simboliza a Terra, a Patria, a proteyoo do<br />

lar e uma vez mortas essas personagens, os Alb<strong>anos</strong> sentem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

migrar para outras regioes, a fun <strong>de</strong> voltar ao ponto <strong>de</strong> origem. A busca do ponto<br />

original liga-se a figura materna, por isso todo Albano, que sempre vivera em<br />

Sulida<strong>de</strong> e nunca conhecera outras terras, <strong>de</strong>seja voltar ao ponto <strong>de</strong> partida, que,<br />

neste caso, eo Recife.<br />

Afmna Bal (1985, p. 44) que 0 espayo, direta ou indiretamente, esm ligado<br />

a certas relayoes sociais e i<strong>de</strong>o16gicas, as quais passam muitas vezes<br />

<strong>de</strong>spercebidas quando da leitura do texto ficcional. Em Espac;o Terrestre, 0 nivel<br />

espacial po<strong>de</strong> ser analisado com base em algumas implicayoes sociais e<br />

114<br />

i<strong>de</strong>o16gicas, dialogicamente ligadas ao contexto do mundo<br />

empirico. Por<br />

exemplo, certas oposlv:oes espaciais no romance <strong>de</strong> Lemos parecem refletir<br />

imagens estereotipadas que se incorporaram ao inconsciente coletivo. E <strong>de</strong>ssa<br />

forma que a divisao espacial Sulida<strong>de</strong>-Jirau, dialoga com a bipartivao racial entre


ancos e negros no mundo real.<br />

o Jirau, com sua populayao predominantemente negra e mestiya,<br />

correspon<strong>de</strong> a uma especie <strong>de</strong> quilombo. 0 primitivismo acentuado <strong>de</strong>ssa<br />

comunida<strong>de</strong> surge em oposiyao aos habitos dos portugueses <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>.<br />

As personagens abandonam a metr6pole, pois nao conseguem enten<strong>de</strong>r a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> diversificada dos habitantes urb<strong>anos</strong>, na medida em que 0 Brasil e<br />

visto pelos portugueses recem-chegados como terra plural, mistura <strong>de</strong> varias<br />

rayas, crenyas diversas e comportamentos<br />

diferentes.<br />

A varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e diversida<strong>de</strong>s sociais no meio urbano gera uma<br />

serie <strong>de</strong> conflitos, os quais provocam a fuga das personagens para Sulida<strong>de</strong>. Na<br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>sse novo espayO, as personagens<br />

<strong>de</strong>sconhecem a presenya <strong>de</strong> outra<br />

comunida<strong>de</strong>, 0 povo do Jirau. A partir do inicio da miscigenayao, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da<br />

populayao branca fun<strong>de</strong>-se com a da comunida<strong>de</strong> negra e os conflitos existenciais<br />

comeyam a surgir novamente, como conseqiiencia da interayao entre 0 cronotopo<br />

<strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e 0 tempo-espayo do Jirau.<br />

Como vimos, na obra Espa90 Terrestre os cronotopos, inicialmente<br />

opostos na narrativa, confrontam-se, refletem-se e transformam-se, no momenta<br />

em que <strong>de</strong>terminada imagem espayo-temporal acompanha a evoluyao <strong>de</strong> outra.<br />

o cronotopo <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>, antes oposto ao contexto espayo-temporal da


cida<strong>de</strong>, evolui e interage com 0 progresso urbano. Tambem 0 cronotopo do Jirau<br />

espelha-se nas modific~oes<br />

da vila <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>. Por meio dos movimentos<br />

migratorios (progressivo e regressivo), as imagens espa~o-temporais confun<strong>de</strong>mse<br />

e sugerem 0 caniter ciclico da cronotopia que ira interferir na propria<br />

capitulo seguinte.<br />

,<br />

CAPITULO 4<br />

A CRONOTOPIA E A ORGANIZA9AO DA NARRATIVA<br />

"0 cronotopo, como materializayao<br />

privilegiada do tempo no espayo, e 0 centro da<br />

concretizayao figurativa, da encarnayao do<br />

romance inteiro".<br />

(Bakhtin, 1993a, p. 356).<br />

universo romanesco, e importante consi<strong>de</strong>rarmos a rela~ao <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia<br />

A partir da distin~ao feita inicialmente pelos formalistas russos (jabuZa e


correlayoes entre a hist6ria e sua organizayao atraves do discurso narrativo. 46<br />

Todorov (1966) percebeu que a distinyao hist6ria-discurso<br />

e fundamental<br />

para se estudar os <strong>de</strong>mais componentes da narrativa. Nessa perspectiva, 0 autor<br />

traya urn paralelo entre a sequencia temporal dos acontecimentos no <strong>de</strong>senrolar da<br />

hist6ria, por urn lado, e a apresentayao <strong>de</strong>sses acontecimentos no nivel do<br />

A temporalida<strong>de</strong><br />

e estudada pelo autor como forma <strong>de</strong> par em relevo as<br />

relayoes dial6gicas entre esses dois niveis estruturais da narrativa. Para Todorov<br />

(1966, p. 139), " [...J 0 tempo do discurso e, em certo sentido, urn tempo linear,<br />

enquanto que 0 tempo da hist6ria e pluridimensional". Desse modo, muitos<br />

acontecimentos po<strong>de</strong>m ocorrer quase que simultaneamente no nivel da hist6ria.<br />

46 Segundo os formalistas, a fabula esrn relacionada aos acontecirnentos representados nas suas rela90es<br />

internas, crono16gicas e causais, ao passo que a intriga e a apresenta9ao dos mesmos acontecirnentos,<br />

segundo esquemas <strong>de</strong> constru9ao estetica no texto narrativo. Desse modo, a fabu1a esta para a hist6ria,<br />

assirn como a intriga (sjuzhet) esta para 0 discurso. Essa distin9ao ainda foi retomada por v<strong>anos</strong><br />

autores como Genette (diegese e discurso), Jean Ricardou (fic9aO e narra9ao), Maurice Jean-Lefebve<br />

(narra9ao e diegese) e Clau<strong>de</strong> Bremond (recit raconte e recit racontant).<br />

47 Diversos autores exp1icam 0 sentido duplo que a temporalida<strong>de</strong> apresenta na narrativa ficcional.<br />

Ricoeur (1994, p. 104), par exemplo, afirma que "[...] 0 ato <strong>de</strong> tecer a intriga combina em propor95es<br />

variaveis duas dimensoes temporais, uma cronol6gica, a outra nao-crono16gica. A prirneira constitui a<br />

dirnensao epis6dica da narrativa: caracteriza a hist6ria enquanto constitufda par acontecimentos. A<br />

segunda e a di.mensao configurante propriamente dita, gra9as a qual a intriga transforma os<br />

acontecimentos em hist6ria".


partir da organiza9ao do discurso que or<strong>de</strong>na sequencialmente os<br />

As estrategias utilizadas na composi9ao do discurso romanesco <strong>de</strong>vem ser<br />

discutidas, Ii medida que investigarmos como os indices espaciais e temporais<br />

quanto no plano simb6lico. No entanto, nao preten<strong>de</strong>mos reduzir a analise do<br />

cronotopo a um estudo <strong>de</strong> cunho estruturalista, mesmo porque<br />

se assim<br />

dial6gico da obra litenrria numa perspectiva que ultrapassa os limites do<br />

da cronotopia na constru9ao do universo diegetico, hem como na organiza9ao dos<br />

acontecimentos no discurso. Essa rela9ao e entendida numa perspectiva dial6gica,<br />

assim como 0 dialogo tempo-espa90, ja que urn nivel <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do outro, sendo<br />

praticamente impossivel uma analise dicot6mica <strong>de</strong>ssas categorias que estruturam<br />

"A analise da narrativa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> [...] da distinyao entre<br />

hist6ria e discurso, e esta distinyao sempre envolve uma relayao <strong>de</strong><br />

48 Labove Waletzky (1976) <strong>de</strong>fmem a narrativa como meio <strong>de</strong> recapitular a experiencia passada,<br />

relacionando a sequencia verbal das frases it sequencia em que os acontecimentos <strong>de</strong> fato ocorreram.<br />

Para os autores, a or<strong>de</strong>m dos elementos da sequencia temporal nao po<strong>de</strong> ser alterada sem mudar a<br />

sequencia <strong>de</strong> eventos inferidos na interpretayao semantica original. Os autores analisam narrativas orais<br />

<strong>de</strong> experiencia pessoal.


<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia; ou 0 discurso e visto como urna representayao <strong>de</strong><br />

acontecimentos que <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong>ssa representayaO particular, ou senao os chamados<br />

acontecimentos SaDconsi<strong>de</strong>rados como postulados ou produtos <strong>de</strong><br />

urn discurso".<br />

Em Espa90 Terrestre, 0 dialogo entre<br />

hist6ria e discurso e fundamental<br />

para que se entenda 0 cronotopo como responsavel pela organiza9ao da narrativa.<br />

Nesse romance, 0 autor utiliza uma tecnica que revela a falta <strong>de</strong> sincronia entre 0<br />

tempo da hist6ria, caracterizado pela organiza9ao dos fatos no universo da<br />

diegese, eo<br />

tempo do discurso, marcado pela or<strong>de</strong>m em que os acontecimentos<br />

a par <strong>de</strong> acontecimentos<br />

miticos e folcl6ricos. Contudo, no plano do discurso, a<br />

narrativa, que se inicia no presente, e interrompida, para dar lugar it narra900 <strong>de</strong><br />

"Po<strong>de</strong> comeyar sua narrativa pelo fim, pelo meio ou por<br />

qualquer instante dos acontecimentos representados, sem com isso<br />

<strong>de</strong>struir 0 curso objetivo do tempo no acontecimento representado.<br />

Aqui manifesta-se claramente a diferen~a entre 0 tempo que<br />

49 Genette (1979) estuda essa nao correspo<strong>de</strong>ncia entre 0 tempo da hist6ria eo tempodo discurso, isto e,<br />

anacronia. Segundo 0 autor (1979, p.33), "Estudar a or<strong>de</strong>m temporal <strong>de</strong> uma narrativa e confrontar a<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> disposiyao dos acontecimentos ou segmentos temporais no discurso narrativo com a or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> sucessao <strong>de</strong>sses mesmos acontecimentos ou segmentos temporais na hist6ria [...]".


o tempo que representa funciona, a nosso ver, como 0 tempo do discurso,<br />

pois os acontecimentos<br />

sao narrados sem obediencia a uma or<strong>de</strong>m crono16gica.<br />

Por outro lado, 0 tempo que e representado<br />

e 0 da hist6ria, marcado pelo carater<br />

pluridimensional que abrange v<strong>anos</strong> acontecimentos hist6ricos representados no<br />

tempo e espayo assumem especial relevancia na narrativa.<br />

<strong>de</strong>terminado tempo e espa90, que tiveram seus correspon<strong>de</strong>ntes no mundo<br />

empirico. Logo, a obra reflete uma situa9ao espa90-temporal,<br />

ao mesmo tempo<br />

em que a transforma atraves da representa9ao artistica e ficcional do cronotopo.<br />

A respeito do dialogismo instaurado entre 0 mundo representado e 0 mundo<br />

"A ohra e 0 mundo nela representado penetram no mundo<br />

real enriquecendo-o, e 0 mundo real penetra na obra e no mundo<br />

representado, tanto no processo da sua criayao como no processo<br />

subsequente da vida, numa constante renovayao da obra e numa<br />

percep98.ocriativa dos ouvintes-leitores. Esse processo <strong>de</strong> troca e<br />

sem duvida cronot6pico por si s6: ele se realiza principalmente<br />

num mundo social que se <strong>de</strong>senvolve historicamente, mas tambem<br />

sem se separar do espayOhist6rico em mutayao".<br />

transforma90es hist6ricas e sociais da realida<strong>de</strong>.


Na obra em analise, 0 dialogo presente-passado,<br />

no plano do discurso,<br />

come


hip6tese <strong>de</strong> que os antigos pr6ceres <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> nao tivessem<br />

restaurado corretamente 0 calendario, visto que, no transcurso da<br />

diaspora, tinham-no negligenciado e, assim, perdido a sequencia<br />

dos dias, meses e ano em que viviam. Dizia 0 avo, que <strong>anos</strong> <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> estabelecidos em Sulida<strong>de</strong>, os fundadores da vila guiando-se<br />

por calendario improvisado, aparecera um forasteiro que Ihes<br />

dissera: Estamos a 6 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1838. Dai eles constatarem<br />

que fazia exatamente 11 <strong>anos</strong>, 7 meses e 21 dias que haviam<br />

iniciado 0 exodo, pois tinham partido do Recife em 15 <strong>de</strong> maio<br />

<strong>de</strong> 1826.<br />

Contudo, quem podia asseverar que 0 forasteiro os<br />

informara honestamente? Nesse caso, ele, Jose Albano Neto,<br />

po<strong>de</strong>ria estar com 18 ou 20 <strong>anos</strong>, ou menos, ou mais".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 10-11) (grifo nosso)<br />

Do presente da narrac;ao, marcado pelo sitio dos Alb<strong>anos</strong> no ano <strong>de</strong> 1949,<br />

ojlashback introduz 0 passado - a chegada do forasteiro a Sulida<strong>de</strong> em 1838-<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da quarta gerac;ao dos Alb<strong>anos</strong>. 50<br />

suspen<strong>de</strong> a narrativa iniciada, volta ao passado atraves <strong>de</strong> uma analepse (ou<br />

50 Estamos consi<strong>de</strong>rando narra9ao na perspectiva <strong>de</strong> Genette. 0 autor (1979, p. 25) tra9a a distin9ao<br />

entre tres niveis fundamentais na organiza9ao do universo ficcional: hist6ria (diegese) - 0 significado<br />

ou conteudo narrativo - narrativa - 0 significante, enunciado, 0 texto narrativo propriamente dito -<br />

e narra9ao - 0 ato narrativo produtor.<br />

51 Gerard Genette (1979) ana1isa alguns mecanismos utilizados pe10 narrador na representa9ao da<br />

temporalida<strong>de</strong> na narrativa. Segundo 0 autor, a pr01epse e urna estrategia que proporciona os avan90s<br />

no tempo da narrativa, ou meThor, alguns acontecimentos po<strong>de</strong>m ser atencipados ao 1eitor no senti do <strong>de</strong><br />

gerar urna expectativa em re1a9ao ao que ainda sera narrado. A ana1epse, ao contrario, e urn retorno aos<br />

acontecimentos passados, estabelecendo, assim, 0 dialogo entre presente e passado. Mieke Bal (1985)<br />

trata <strong>de</strong>sses mecanismos utilizando os termos jlashback, em substituivao a analepse e jlashforward


Albano Neto sente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar a origem <strong>de</strong> seus antepassados<br />

para compreen<strong>de</strong>r melhor 0 momento presente. Assim, 0 recurso da retrospectiva<br />

temporal (flashback)<br />

e usado para restaurar a mem6ria e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das<br />

personagens. Essa estrategia indica a mudan9a <strong>de</strong> urn cronotopo a outro e a<br />

narrativa, que segue ap6s 0 flashback,<br />

po<strong>de</strong> ser interpretada como urn gran<strong>de</strong><br />

so1il6quioformado pelas lembran9as e hist6rias que Jose Albano Neto ouvira <strong>de</strong><br />

seus antepassados. 52<br />

Na tentativa <strong>de</strong> voltar no tempo, Neto evoca as hist6rias que ouvrra a<br />

respeito da vila <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> e sobre os<br />

antepassados portugueses. Ao lado da<br />

final do relato, a hist6ria <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong> - escrita pelo professor Sarinho - e<br />

no Sitio, como meio <strong>de</strong> resgatar a hist6ria da vila mitica e dos antepassados<br />

como correlato <strong>de</strong> prolepse. Utilizaremos a terminologia <strong>de</strong> Bal daqui por diante, por acreditarmos que<br />

seu enfoque amplia essas estrategias narrativas, na medida em que sao analisadas nao apenas do ponto<br />

<strong>de</strong> vista estrutural (formal), mas tambem, na construyao simb6lica e metaf6rica das obras litenmas.<br />

52 0 solil6quio "[...] consiste na oralizayao do que se passa na consciencia da personagem. [...]


Para revelar as origens dos portugueses e a propria origem do povoado <strong>de</strong><br />

Sulida<strong>de</strong>, 0 narrador onisciente <strong>de</strong>ixa inconc1usa a orac;aoque <strong>de</strong>veria explicar a<br />

"Dai Jose Albano Neto jamais ter dado credito it confusa<br />

forma9ao da estirpe do primeiro Albano, 0 Nuno Varela, as<br />

suposi90es, aos remanejos cometidos com 0 fim <strong>de</strong> torna-Io<br />

mais lendario do que era, mesmo porque ••."<br />

(EspafO Terrestre, p. 16) (grifo nosso).<br />

o enunciado, interrompido na pagina <strong>de</strong>zesseis, so sera retomado na<br />

pagina duzentos e cinquenta e cinco, quase no fmal da historia. Observe-se que<br />

ao atar as duas pontas da narrativa, 0 narrador nao so volta ao lugar em que<br />

interrompera, 0 que, sem duvida, ressalta 0 carater ciclico do discurso narrativo.<br />

Essa estrutura organizacional da narrativa e <strong>de</strong>terminada pelo cronotopo que<br />

"DAi JOSE ALBANO NETO JAMAIS TER DADO<br />

CREDITO a confusa forma~ao da estirpe do primeiro<br />

Albano, 0 Nuno Varela, as suposi~oes, aos remanejos<br />

cometidos com 0 fim <strong>de</strong> torna-Io mais lendario do que era,<br />

mesmo porque em Sulida<strong>de</strong> ja nao havia clima propicio a<br />

sustenta9ao <strong>de</strong> fatos supostamente her6icos, hist6rias fantasticas<br />

pressup6e que 0 figurante, sozinho em face do audit6rio e do leitor como se integralmente<br />

<strong>de</strong>sacompanhado, articule seus pensamentos alto e born som.". (Moises, 1988, p. 146-147).


do passado, en<strong>de</strong>usamento <strong>de</strong> personagens que se per<strong>de</strong>ram na<br />

memoria <strong>de</strong> pessoas que nem mais existiam".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 255) (grifo nosso)<br />

narrativa eo carMer ciclico do cronotopo. Essa circularida<strong>de</strong> da cronotopia<br />

po<strong>de</strong><br />

ser observada na mudan9a do plano espa90-temporal (Recife/tempo<br />

hist6rico) a<br />

"Do alto avistavam povoayoes perdidas em meio a brumas<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>solayao [...]. Mais adiante topavam com outra povoayao, nas<br />

mesmas circunstancias, cuja semelhanya com a primeira dava-lhes<br />

a impressao <strong>de</strong> que era a me sma, a me sma que os vinha<br />

acompanhando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 0 inicio, como se eles viessem marchando<br />

em torno do mesmo ponto. [...]<br />

Cada vez mais se afundavam nos caminhos <strong>de</strong>sconhecidos,<br />

<strong>de</strong>sbravando os san;ais, os tremedais, as penedias. Tinham muitas<br />

vezes <strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar do caminho que vinham fazendo, dada a<br />

impossiblida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continua-Io em linha reta.".<br />

(Espa90 Terrestre, p.57-59). (grifo nosso).<br />

Como se observa, na estrada, 0 encontro com as mesmas lillagens<br />

<strong>de</strong>ssem voltas em circulo. E a partir <strong>de</strong>ssa situa9ao que 0 tempo-espa90 come9a a


imagem do caminho das personagens sugere esse movimento "infmitamente<br />

continuo", como se elas se movessem em tomo <strong>de</strong> urn (mico ponto espac;otemporal.<br />

Como ja referimos, a narrativa, a partir da estrutura circular, representa<br />

simbolicamente essa circularida<strong>de</strong> na construc;ooda imagem cronot6pica, pois as<br />

imagens espaciais e temporais tocam-se num mesmo ponto. Isso nos permite<br />

afumar que a cronotopia organiza a narrativa, urna vez que a narrac;oo,iniciada<br />

o sentido circular da narrativa e da cronotopia liga-se a importfu1ciada<br />

. 53<br />

postenores.<br />

"0 homem como especie se torna imortal, pois sempre<br />

haveni sucessores. Sucessores que sempre procurarao resgatar os<br />

antecessores da morte e do esquecimento, isto e, que procurarao<br />

53 Estamos consi<strong>de</strong>rando 0 termo "imortalida<strong>de</strong>" no plano metaf6rico. A sucessao <strong>de</strong> vanas gera


impor a permanencia, a imortalida<strong>de</strong> sobre a transitorieda<strong>de</strong> e a<br />

mortalida<strong>de</strong> dos individuos".<br />

Todos Alb<strong>anos</strong> estao unidos pelo espa90, uma vez que Viveram em<br />

Sulida<strong>de</strong>, mais precisamente, no mesmo sitio. No entanto, 0 tempo separa as<br />

geravoes com a morte <strong>de</strong> uns e 0 nascimento <strong>de</strong> outros. Mesmo assim, 0 tempo<br />

das recorda90es e lembran9as consegue unir os Alb<strong>anos</strong>, pois cada urn sempre<br />

Em Espac;o Terrestre,<br />

a imagem do imbuzeiro, simbolo <strong>de</strong> resistencia e<br />

"0 imbuzeiro era uma arvore eterna, sempre ver<strong>de</strong>, nao<br />

havia verao que lhe causticasse as folhas. De suas raizes brotavam<br />

naturais bolsoes <strong>de</strong> agua, as chamadas, batatas <strong>de</strong> imbu, das quais<br />

se autonutria. Jose Albano <strong>de</strong>stinara-se a eterrnzar-se ao<br />

<strong>de</strong>scampado, eternizar-se-ia, pois, sob 0 imbuzeiro, haveria pouca<br />

diferen


E a partir da imagem circular da saga dos Alb<strong>anos</strong> que 0 discurso narrativo<br />

resgata 0 passado das origens do primeiro ancestral - Albano Nuno Varela.<br />

Assim, do ano <strong>de</strong> 1949, passa-se a uma data nao precis a, provavelmente 0 ano <strong>de</strong><br />

mudanc;a espac;o-temporal <strong>de</strong>ixa a narrativa em aberto gerando forte expectativa<br />

acontecimentos revividos por outras personagens, como Albano Nuno Varela.<br />

cronotopo, marc ado pela cida<strong>de</strong> do Recife e pelo tempo hist6rico. Vejamos 0<br />

flashback<br />

mudanc;a <strong>de</strong> plano espac;o-temporal


A origem <strong>de</strong> Albano NUllO Varela e recuperada<br />

por meio <strong>de</strong> narrativas<br />

baseadas na tradit;ao oral, nas quais a personagem se transforma numa figura<br />

lendaria, por conta das "f...j hist6rias nao documentadas, nao contadas em livros,<br />

sujeitas portanto a interpretat;oes pessoais, diminuit;oes ou acrescimos pr6prios <strong>de</strong><br />

narrativas que por muito repetidas vao-se <strong>de</strong>turpando naturalmente".(Espa90<br />

in<strong>de</strong>fmit;ao quanto a not;ao <strong>de</strong> tempo-espat;o sobre a hist6ria do primeiro Albano<br />

toma-se relevante no sentido <strong>de</strong> transformar a personagem numa figura lendaria:<br />

ItDes<strong>de</strong> crian.;a Jose Albano Neto ouvia falar do<br />

primeiro Albano que aportara ao Brasil por volta <strong>de</strong> 1810, 12,<br />

20, por ai, vagamente, ninguem sabia ao certo, como ao certo<br />

nao se sabia <strong>de</strong> que regiao <strong>de</strong> Portugal ele viera. De Portugal,<br />

da Galiza, da Espanha. Ou nao viera <strong>de</strong> parte alguma, aqui<br />

nascera e se criara, remanescente dos holan<strong>de</strong>ses que no seculo<br />

XVII dominaram por mais <strong>de</strong> vinte <strong>anos</strong> a regiao pemambucana".<br />

(Espa90 Terrestre, p. 14) (grifo nosso).<br />

Como se po<strong>de</strong> notar, nenhuma personagem conhece a proce<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> NUllO<br />

movimentos migrat6rios<br />

<strong>de</strong> urn cronotopo a outro, pois as personagens tentarao


esgatar suas origens num tempo-espa~o que tome isso possivel.<br />

No espa~o urbano da metr6pole, em alguns momentos, 0 passado <strong>de</strong><br />

Albano Nuno Varela, em Portugal, e evocado. Dentro do longo flashback<br />

que<br />

Varela diante <strong>de</strong> urn novo cronotopo (Recife/tempo hist6rico), completamente<br />

diferente daquele <strong>de</strong> sua terra natal. Vejamos no trecho abaixo como 0 passado e<br />

atualizado, por meio das evoca~5es <strong>de</strong> Nuno Varela:<br />

"E, numa sobrecarga <strong>de</strong> af1i~ao, as canoas que vogavam<br />

como saltando, sob 0 dominio dos negros escravos que<br />

<strong>de</strong>mandavam a Olinda, don<strong>de</strong> voltavam com 0 carregamento <strong>de</strong><br />

agua potavel que haveria <strong>de</strong> matar a se<strong>de</strong> dos senhores.<br />

E minha se<strong>de</strong> quem mata?, perguntava-se, e compreendia<br />

que ja nao tinha ele proprio aon<strong>de</strong> voltar. Chegavam-Ihe<br />

recorda~5es da terra, assim como retalhos pouco distintos <strong>de</strong><br />

sonhos, fulgores logo ofuseados por opacida<strong>de</strong> sombria.<br />

Assaltavam-Ihes imagens incoerentes, trazidas it lembran~a sem<br />

aparente motivo. Os tamancos do pai a secar diante do rogao, 0<br />

xailinho da mae esquecido no espaldar da ca<strong>de</strong>ira, os suspiros, 0<br />

cansa~o <strong>de</strong> ambos ou seus silencios transitados, ela mexendo<br />

uma panela na cozinha, ele batendo um prego na pare<strong>de</strong>[ ...]."<br />

(Espar;o Terrestre, p.36) (grifo nosso).<br />

Observe-se que, nao obstante a cita~ao acirna apresentar rnarcas


lingtiisticas do tempo preterito imperfeito, 0 passado <strong>de</strong> NUllO Varela e atualizado<br />

a partir <strong>de</strong> uma serie <strong>de</strong> epis6dios evocados pela personagem -<br />

as tamancos do<br />

pai a secar diante do fogao,<br />

0 xailinho da mae esquecido no espaldar da ca<strong>de</strong>ira<br />

- na situa9ao presente do Recife. Desse modo, 0 passado da personagem, em<br />

Portugal, e atualizado como se NUllO<br />

Varela estivesse revivendo aqueles<br />

acontecimentos no momento presente. A respeito do tempo verbal do imperfeito<br />

que introduz a90es passadas no momento presente, observa Pouillon (1974,<br />

T..} pOI que motivo escrever no imperfeito para<br />

reproduzir urna ayao plenamente presente? 0 motivo apontado <strong>de</strong><br />

passagem e que, usando <strong>de</strong>ste recurso, torna-se possivel apresentar<br />

a ayao como urn espetaculo. E este, com efeito, 0 verda<strong>de</strong>iro<br />

sentido romanesco do imperfeito: nao se trata <strong>de</strong> urn sentido<br />

temporal mas, por assim dizer, <strong>de</strong> um sentido espacial; ele nos<br />

distancia do que estamos olhando".<br />

cronot6pico (Recife/presente) a outro (Portugal/passado). 0 discurso indireto-


vozes do narrador e da personagem se superpoem, mas nao se confun<strong>de</strong>m. As<br />

imagens do passado confun<strong>de</strong>m-se na dualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes entre 0 ponto <strong>de</strong> vista<br />

do narrador e 0 da personagem. Como afmna Maingueneau (1996 b, p. 118), ao<br />

dualida<strong>de</strong> pela discordancia que percebe entre as duas vozes, discordancia que 0<br />

o espayo da cida<strong>de</strong> e 0 tempo hist6rico revestem-se <strong>de</strong> sentido na medida<br />

passagem <strong>de</strong> uma situayao cronot6pica (Recife/presente) a outra<br />

(Portugal/passado).<br />

momentos, quando Albano Nuno Varela, nao conseguindo se adaptar a situayao<br />

da metr6pole continua recordando-se da terra natal. Porem, diante da<br />

"Em seus aposentos, sentado na cama enquanto os <strong>de</strong>mais<br />

caixeiros, ja retomados, dormiam; ouvindo-lhes os ressonos, os<br />

roncos furibundos, Albano lembrou que aquela hora, em sua<br />

al<strong>de</strong>ia... Como estaria sua al<strong>de</strong>ia aquela hora? Sem os pais, que nao<br />

mais existiam, como estaria? Esfregou 0 rosto com as maos,<br />

apertou os olhos, espremendo-os <strong>de</strong> todas as suas visoes. E<br />

naquela ocasiiio <strong>de</strong>terminou esquecer para sempre a sua<br />

al<strong>de</strong>ia".<br />

(Espa90 Terrestre, p.55). (grifo nosso)


133<br />

Nesse exemplo, a casa, mais precisamente<br />

0 espayo restrito do quarto<br />

provoca urn estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>vaneio em Albano Varela que se recorda da terra natal.<br />

o espayo interior do quarto proporciona a revelayao da interiorida<strong>de</strong> da<br />

personagem, na medida em que se conhecem os pensamentos e afliyoes <strong>de</strong><br />

Albano.<br />

Segundo Bachelard (1988, p. 26), 0 espayO da casa constitui-se num dos<br />

pontos <strong>de</strong> maiores foryas <strong>de</strong> integrayao entre 0 homem e seus sonhos,<br />

recordayoes e lembranyas. E continua 0 autor: "0 passado, 0 presente e 0 futuro<br />

dao a casa dinamismos diferentes, dinamismos que nao raro interferem, as<br />

vezes se opondo, as vezes excitando-se mutuamente". Nessa perspectiva, a casa<br />

<strong>de</strong> Varela no Recife representa 0 presente ao mesmo tempo em que evoca urn<br />

passado -<br />

a al<strong>de</strong>ia em Portugal, quando a personagem <strong>de</strong>termina esquecer para<br />

sempre a al<strong>de</strong>ia e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> acreditar no futuro, partindo com Ramires a procura <strong>de</strong><br />

outro tempo-espayo.<br />

Conforme Bal (1988, p. 41), 0 fato <strong>de</strong> 0 narrador utilizar estrategias como<br />

oflashback ou 0flashforward nao e apenas uma convenyao liteniria, visto que os<br />

recuos e avanyos no tempo <strong>de</strong>ntro do universo ficcional adquirem uma<br />

representativida<strong>de</strong><br />

significativa e sirnb6lica no romance.<br />

Na obra Espa90 Terrestre, como virnos, 0 flashback<br />

estabelece 0 dialogo


134<br />

entre presente-passado, enfatizando uma situa9ao hist6rico-social <strong>de</strong>terminante na<br />

vida das personagens. 0 longo flashback<br />

que indica a mudan9a <strong>de</strong> urn plano<br />

espa90-temporal - ano <strong>de</strong> 1949 e sitio dos Alb<strong>anos</strong> - a outro -<br />

aproximadamente 1812 e espa90 do Recife -<br />

tern urna fun9ao simb6lica na<br />

organiza9ao da narrativa. Voltar ao passado representa 0 retorno as origens no<br />

sentido <strong>de</strong> se contextualizar 0 presente. Assim, passado e presente fun<strong>de</strong>m-se<br />

nurna s6 imagem, a imagem dos Alb<strong>anos</strong> como imortais, apesar do po<strong>de</strong>r<br />

inexonivel do tempo. A "imortalida<strong>de</strong> simb6lica" revela-se nas sucessoes das<br />

varias gera90es que viveram no mesmo plano espacial (Sulida<strong>de</strong>), mas em epocas<br />

diferentes.<br />

Espar;o Terrestre e construido, assim, a partir do dialogo presente-passado,<br />

por meio <strong>de</strong> uma inversao hist6rica, como diria Bakhtin (1993a, p. 264), na<br />

medida em que "[...J se representa como ja tendo sido no passado aquilo que na<br />

realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ra ou <strong>de</strong>vera se realizar somente no futuro, aquilo que, em<br />

substancia, apresenta-se como urn objeto, urn imperativo, mas <strong>de</strong> modo algum<br />

como uma realida<strong>de</strong> do passado".<br />

No romance, a representa9ao do passado do primeiro Albano remete-nos a<br />

uma inversao hist6rica, pois a hist6ria <strong>de</strong> NUllOVarela explica as atitu<strong>de</strong>s do<br />

ultimo Albano - Jose Albano Neto - fechando 0 ciclo das gera90es e 0 circulo


135<br />

da narrativa. Assim, 0 passado <strong>de</strong> uma personagem e trazido it cena para<br />

contextualizar 0 momenta presente da narraf;ao em que Albano Neto vive a<br />

duvida sobre sua verda<strong>de</strong>ira ida<strong>de</strong>.<br />

No plano da narraf;ao, quando 0 ultimo Albano esUtno sitio, 0 circulo da<br />

narrativa se fecha a partir das pr6prias paIavras do narrador que retomam 0<br />

enunciado interrompido na pagina <strong>de</strong>zesseis, como ja vimos. Se 0 discurso<br />

narrativo fecha-se <strong>de</strong> forma circular, a hist6ria parece abrir-se em diref;ao ao<br />

futuro <strong>de</strong> Jose Albano Neto com a saida da personagem <strong>de</strong> Sulida<strong>de</strong>,<br />

concretizando 0 sonho <strong>de</strong> seus ancestrais que sempre <strong>de</strong>sejaram conhecer 0<br />

"lendario Brasil".


CONCLUSAO<br />

'Toda fantasia, toda inven


<strong>de</strong>sta, po<strong>de</strong>mos tirar urna conclusao <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m geraI: a analise <strong>de</strong> uma obra<br />

litenrria, visando ao estudo mais amplo das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> significa9ao, <strong>de</strong>ve pautar-se<br />

pela natureza dial6gica e cronot6pica da linguagem, urna vez que a linguagem,<br />

artisticamente representada no texto ficcional, reveIa-se urn meio eficaz <strong>de</strong><br />

mostrar as contradi90es hist6ricas e sociais do mundo empirico.<br />

Parece-nos ter ficado claro que a n09ao do cronotopo po<strong>de</strong> abrir caminhos<br />

a critica litenrria, na medida em que possibilita a analise do texto enquanto<br />

manifesta9ao <strong>de</strong> linguagem, dialogicamente relacionado ao contexto espa90-<br />

temporal do mundo empirico.<br />

A associa9ao das n090es <strong>de</strong> cronotopia, dialogismo e plurilingiiismo,<br />

mostrou-se <strong>de</strong> fundamental relevancia para se compreen<strong>de</strong>r a rela9ao tempoespa90<br />

como principio organizador do universo romanesco, tanto no nivel formal,<br />

quanta no metaf6rico.<br />

o estudo sobre 0 cronotopo da estrada evi<strong>de</strong>nciou 0 dialogo entre os<br />

indices espaciais e temporais, importantes na organiza9ao da heterogeneida<strong>de</strong><br />

discursiva do romance. 0 encontro <strong>de</strong> personagens <strong>de</strong> diferentes cronotopos<br />

provoca a intera9ao entre varias linguagens que se hlltercruzamno mesmo plano<br />

espa90-temporal. Sob esse aspecto, a cronotopia esta estreitamente interligada ao<br />

plurilinguismo, este introduzido no romance por meio da representa9ao <strong>de</strong> varios<br />

137


dialetos que se interpenetram na forma


As rela90es dial6gicas entre os cronotopos sao capitais para a elucida9ao <strong>de</strong><br />

como urn plano espa90-temporal interage com imagens <strong>de</strong> outros cronotopos.<br />

Assim, cronotopos, a principio antiteticos, como Recife e Sulida<strong>de</strong>, dialogam<br />

entre si, intercruzam-se e se completam no fmal da hist6ria, quando Sulida<strong>de</strong><br />

come9a a acompanhar as transforma90es e evolu9ao do espa90 urbano.<br />

A cronotopia organiza a narrativa <strong>de</strong> forma circular pela evoca9ao e<br />

atualiza9ao <strong>de</strong> urn cronotopo do passado no plano da narra900, esse efeito e<br />

produzido pelo uso <strong>de</strong> flashbacks e flash-forwards que sugerem urna<br />

circularida<strong>de</strong>, tanto do discurso, quanta da hist6ria.<br />

Parece-nos ter ficado claro que, no romance Espa90 Terrestre, 0 estudo do<br />

ternpo-espa90, nao como categorias isoladas que situam acontecimentos e<br />

personagens, mas como urn elemento comp6sito - a cronotopia - principio<br />

organizador da narrativa, contribui <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva para a organiza9ao da<br />

arquitetura do universo ficcional.<br />

Certamente nao esgotamos as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpreta9ao da cronotopia<br />

no romance Espa90 Terrestre, pois a obra literaria estara sernpre aberta a varias<br />

leituras, urna vez que nao seapresenta como urn dado pronto e acabado, mas que<br />

se recria a cada leitura.<br />

Diante das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplica9ao que 0 enfoque bakhtiniano sugere<br />

139


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Janeiro, n.62, 1980. p.89-97.<br />

100. SCHUEREWEGEN, Franc. Teledialogisme: Bakhtin contre Jakobson.<br />

Poetique, Seuil, n.8!. p. 105-114,1990.<br />

101. SCHULER, Donaldo. Teoria do romance. Sao Paulo: Atica, 1989. 88 p.<br />

102. SEGRE, Cesare. As estruturas e 0 tempo. Sao Paulo: Perspectiva,1986.<br />

103. SOUZA, Solange Jobim e. Infancia e Iinguagem: Bakhtin, Vygotsky e<br />

Benjamin. Campinas: Papirus, 1995. p. 97-121 : Bakhtin: a dimensao<br />

i<strong>de</strong>o16gica e dia16gica da linguagem.<br />

104. STAM, Robert. Bakhtin: da teoria liteniria a cultura <strong>de</strong> massa. Sao Paulo:<br />

Atica, 1992. 104 p.<br />

105. TITUNIK, 1. R .. M. M. Baxtin (the Baxtin school) and soviet semiotics.<br />

Dispositio. Michigan, v. 1, n. 3, p. 327-338, 1976.<br />

106. TODOROV, Tzvetan. Generos do discurso. Martins Fontes: Sao Paulo,<br />

1980. 287p.<br />

107. . Mikhail Bakhtine : Ie principe dialogique. Paris : Seuil,<br />

1981. 316p.<br />

108. . Les categories du recit litteraire. Communications. Paris:<br />

Seuil, n.8, p. 125-51, 1966.


109. TOMUS, Mircea Mihai. The sense of time in old english and old french<br />

poetry. Dissertation Abstracts International: the humanities and<br />

social sciences. v. 55, n.8, 1995.<br />

110. TOOLAN, Michael 1. Narrative: a critical linguist introduction. London:<br />

Rouledge, 1988. p.146-182: Narrative as socially situated: the<br />

sociolinguistic approach.<br />

111. VILA NOVA, Sebastiao. Aventura <strong>de</strong> uma estreia. Diario <strong>de</strong> Pernambuco.<br />

Recife, 19 abr. 1997, Viver, p. D-5.<br />

112. ZIMA, Pierre V. 1981. L' ambivalence dialectique: entre Benjamin et<br />

Bakhtin. Revue d'Esthetique, n. 1, p.131-140, 1981.


o indice remissivo contem:<br />

• nomes <strong>de</strong> autores citados,<br />

• principais conceitos <strong>de</strong>senvolvidos ou citados,<br />

• titulos <strong>de</strong> algumas obras e ensaios <strong>de</strong> Bakhtin.<br />

A Cultura Popular na Ida<strong>de</strong> Media e no<br />

Renascimento:, 21<br />

A poetica <strong>de</strong> Dostoievski, 18; 20; 43<br />

aferese,63<br />

Aguiar e Silva, 9; 71<br />

Alencar, 71<br />

Almeida,l1<br />

analepse, 122<br />

Authier-Revuz,35<br />

B<br />

Bachelard,133<br />

Bakhtin, 9; 10; 12; 15; 16; 17; 18; 19; 20;<br />

21; 22; 23; 24; 26; 27; 28; 29; 31; 32; 33;<br />

34; 35; 36; 37; 38; 39; 40; 41; 43; 44; 47;<br />

49; 51; 53; 54; 60; 63; 65; 68; 73; 93; 97;<br />

99; 116; 119; 120; 134; 136<br />

Bal, 79; 81; 122; 133<br />

Barros,25<br />

Best, 13; 44<br />

bivocalida<strong>de</strong>,35<br />

Boldori,48<br />

Brait, 25<br />

Bremond, 117<br />

C<br />

carnaval,21<br />

carnavalizar;ao,21; 49<br />

Costa Milton, 73<br />

cronotopo, 9; 13; 14; 21; 22; 24; 27; 34;<br />

35; 39; 41; 43; 44; 46; 47; 48; 49; 50; 59;<br />

61; 65; 66; 82; 83; 93; 96; 100; 102; 119;<br />

120; 123; 124; 125; 128; 129; 1<strong>30</strong>; 137;<br />

138; 139<br />

cronotopo da estrada, 13; 52; 59; 65; 125;<br />

137; 138<br />

Culler, 118<br />

D<br />

diacronia,61<br />

dialogicida<strong>de</strong> interna, 22; 27; <strong>30</strong>; 34; 64;<br />

101<br />

dialogismo, 12; 16; 17; 19; 21; 24; 25; 27;<br />

28; 29; <strong>30</strong>; 31; 32; 33; 34; 36; 38; 43; 64;<br />

70; 96; 102; 120; 137


discurso <strong>de</strong> outrem, 36<br />

discurso polijOnico, 19<br />

Dubois, 63<br />

E<br />

elipse, 79<br />

entropia, 44<br />

Estetica da Criar;iio Verbal, 18<br />

estilizar;iio, 16<br />

estratijicar;iio lingiifstica, 12; 34; 35<br />

exotopia, 19; 25<br />

F<br />

Fiorin,28<br />

flashback, 122; 123; 128; 1<strong>30</strong>; 133; 134<br />

flashforward, 122<br />

Flaubert, 47<br />

Formalismo Russo, 16; 20<br />

Formas <strong>de</strong> Tempo e <strong>de</strong> Cronotopo no<br />

Romance, 21; 40<br />

G<br />

generos do discurso, 36<br />

generos intercalados, 36<br />

generos literarios, 37<br />

generos primarios, 37<br />

generos secundarios, 37<br />

Genette, 117; 122<br />

Goldman, 18; 23<br />

H<br />

heterogeneida<strong>de</strong> constitutiva, 38<br />

heterogeneida<strong>de</strong> discursiva, 37; 38<br />

heterogeneida<strong>de</strong> mostrada, 38<br />

Holquist, 42<br />

homofonia, 32<br />

homologia, 23<br />

I<br />

interar;iio verbal, 15; 20; 25; 26; 29; <strong>30</strong>;<br />

35<br />

intertextualida<strong>de</strong>, 25; 28; <strong>30</strong>; 31- 70- 71-<br />

139 ' , ,<br />

intertextualida<strong>de</strong> endoliteraria, 71<br />

intertextualida<strong>de</strong> exoliterarla, 71<br />

J<br />

Jean-Lefebve, 117<br />

Jha Prabhakara, 39<br />

K<br />

Kinser, 17<br />

Kothe, 20; 29; 32; 33<br />

Kristeva, 28; 31; 33; 72<br />

L<br />

Labov,118<br />

Le freudisme" 19<br />

lei do posicionamento, 42<br />

Lemos, 11<br />

Leontieva,49<br />

Lukacs, 18; 23<br />

M<br />

Machado, 42; 43<br />

Maingueneau, 61; 68; 132<br />

Manet,47<br />

Marxismo efilosofia da linguagem" 19<br />

Medve<strong>de</strong>v,20<br />

Mitterand, 13; 17; 44<br />

monologismo, 32<br />

mon6logo interior, 33<br />

mon6logo interior dialogado, 33<br />

N


Nieves, 49<br />

Nunes, 117<br />

o<br />

o Discurso no Romance, 20,22<br />

o metoda formal em estudos literarios,<br />

19,20<br />

o romance <strong>de</strong> educa~iio e seu significado<br />

na historia do realismo, 22<br />

objetivismo abstrato, 19<br />

p<br />

parodia,16<br />

Perrone-Moises,31<br />

plurilingUismo, 12; 21; 22; 24; 27; 34; 35;<br />

36; 37; 60; 64; 70<br />

plurilingiiismo interno, 61<br />

polifonia, 17; 28; 35; 36; 49<br />

Pouillon, 56<br />

R<br />

Reis, 125; 126<br />

Ricardou, 117<br />

Ricoeur,45<br />

romance <strong>de</strong> cavalaria, 38<br />

romance <strong>de</strong>forma~iio, 38<br />

S<br />

Santos, 70<br />

Schnai<strong>de</strong>rman, 24; 32<br />

slncope,63<br />

sincronia, 61<br />

Stam, 15; 20<br />

subjetivismo i<strong>de</strong>alista, 19<br />

T<br />

tempo ciclico, 13; 53; 57; 65; 95; 96; 97;<br />

98; 99; 100; 102; 103; 121; 125; 138<br />

tempo hist6rico, 13; 53; 57; 60; 66; 95;<br />

97; 98; 100; 102; 121; 125; 128; 1<strong>30</strong>; 132;<br />

138<br />

Tezza,25<br />

Tinianov, 16<br />

Todorov, 18; 20; 23; 26; 38; 117<br />

Tollenare, 71<br />

translingiilstica, 20; 21; 29<br />

V<br />

Voloshinov, 19<br />

W<br />

Waletzky, 118<br />

y

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