02.05.2014 Views

Revista Espírita - Primeiro Ano – 1858 - Portal do Espírito

Revista Espírita - Primeiro Ano – 1858 - Portal do Espírito

Revista Espírita - Primeiro Ano – 1858 - Portal do Espírito

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Uma noite esquecida ou a feiticeira Manouza<br />

hora, teve angústias mortais, porque ouvia ruí<strong>do</strong>s que nenhum ouvi<strong>do</strong> humano havia<br />

escuta<strong>do</strong>; uma matilha de cães uivan<strong>do</strong> com ferocidade, gritos lamentáveis, cantos de<br />

homens e de mulheres, como ao fim de uma orgia, e, para clarear to<strong>do</strong> esse tumulto, luzes<br />

corren<strong>do</strong> de alto a baixo da casa, fogos fátuos de todas as cores; depois, como por<br />

encantamento, tu<strong>do</strong> cessou: as luzes se extinguiram e a porta se abriu.<br />

O visitante ficou um instante interdito, não saben<strong>do</strong> se devia entrar no corre<strong>do</strong>r sombrio, que<br />

se oferecia à visão. Enfim, arman<strong>do</strong>-se de coragem, penetrou audaciosamente. Depois de<br />

caminhar, às apalpadelas, o espaço de uns trinta passos, encontrou-se em face de uma porta<br />

dan<strong>do</strong> para uma sala, clareada somente por uma lâmpada de cobre de três bicos, suspensa<br />

no meio <strong>do</strong> teto.<br />

A casa que, depois <strong>do</strong> ruí<strong>do</strong> que ouvira da rua, parecia dever ser muito habitada, tinha agora<br />

o ar deserto; essa sala que era imensa, e devia, pela sua construção, ser a base <strong>do</strong> edifício,<br />

estava vazia, excetuan<strong>do</strong>-se os animais empalha<strong>do</strong>s, de todas as espécies, com os quais<br />

estava guarnecida.<br />

No meio dessa sala, havia uma pequena mesa coberta de livros de mágicos, e, diante dessa<br />

mesa, numa grande poltrona, estava sentada uma pequena velha, alta apenas <strong>do</strong>is côva<strong>do</strong>s,<br />

e de tal mo<strong>do</strong> embrulhada de xales e de turbantes, que era impossível ver seus traços. À<br />

aproximação <strong>do</strong> estranho, ela levantou a cabeça e mostrou, aos seus olhos, o mais terrível<br />

rosto que ele podia imaginar.<br />

Eis-te aqui, senhor Noureddin, disse ela, fixan<strong>do</strong> seus olhos de hiena sobre o jovem que<br />

entrara; aproxime-se! Faz vários dias que meu crocodilo, de olhos de rubis, me anuncia tua<br />

visita. Dize se é um filtro o de que precisas; dize se é uma fortuna. "Mas, que digo eu, uma<br />

fortuna! Não a tens que faz inveja ao próprio sultão? Não és o mais rico como és o mais belo?<br />

É provavelmente um filtro que vens procurar. Qual é, pois, a mulher que ousa ser-te cruel?<br />

Enfim, não devo nada dizer, eu não sei nada, estou pronta para escutar tuas dificuldades e<br />

para dar-lhes os remédios necessários, se, todavia, minha ciência tiver o poder de ser útil a<br />

ti. Mas que fazes, pois, a me olhar assim sem avançares? Terias me<strong>do</strong>? Talvez eu te apavore?<br />

Tal como me vês, antigamente era bela; mais bela que todas as mulheres hoje existentes em<br />

Bagdá; foram os desgostos que me tornaram tão feia. Mas que te causam meus sofrimentos?<br />

Aproxima-te; eu te escuto; somente não posso dar-te senão dez minutos, assim, despacha-te.<br />

Noureddin não estava muito tranqüilo; entretanto, não queria mostrar aos olhos de uma<br />

velha mulher a perturbação que o agitava, avançou e lhe disse: Mulher, vim por uma coisa<br />

grave; de tua resposta depende a sorte de minha vida; vais decidir de minha felicidade ou de<br />

minha morte. Eis <strong>do</strong> que se trata<br />

O sultão quer matar Nazara; eu a amo; vou contar-te de onde vêm esse amor, e venho pedirte<br />

trazer um remédio, não a minha <strong>do</strong>r, mas a sua infeliz posição, porque eu não quero que<br />

ela morra. Sabes que meu palácio é vizinho daquele <strong>do</strong> sultão; nossos jardins se tocam. Há<br />

mais ou menos seis luas que, uma tarde, passean<strong>do</strong> nesses jardins, ouvi uma encanta<strong>do</strong>ra<br />

música acompanhada da mais deliciosa voz de mulher que jamais ouvi. Queren<strong>do</strong> saber de<br />

onde isso provinha, aproximei-me <strong>do</strong>s jardins vizinhos, e reconheci que era de um quarto de<br />

verdura habita<strong>do</strong> pela sultana favorita. Fiquei vários dias absorvi<strong>do</strong> por esses sons<br />

melodiosos; noite e dia, revia a bela desconhecida cuja voz me seduzia; porque é preciso<br />

dizer-te que, em meu pensamento, ela não podia ser senão bela. Passeava, cada tarde, nas<br />

mesmas alamedas onde ouvira essa encanta<strong>do</strong>ra harmonia; durante cinco dias, isso foi em<br />

vão; enfim, no sexto dia a música se fez ouvir de novo; então, não poden<strong>do</strong> mais conter-me,<br />

aproximei-me <strong>do</strong> muro e vi que era preciso pouco esforço para escalá-lo.<br />

http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/re/<strong>1858</strong>/11i-uma-noite-esquecida.html (3 of 4)7/4/2004 08:17:25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!