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desposar-te, mas que podemos fazer quando os Céus se pronunciam contra os<<strong>br</strong> />
nossos desejos? poderás imaginar o martírio de um homem, colocado além do<<strong>br</strong> />
túmulo, sem meios de amparar a mulher que ama?<<strong>br</strong> />
A moça, transitoriamente desligada do corpo físico, ouvia, aterrada... Se<<strong>br</strong> />
pudesse, fugiria sem detença. Emiliano era apenas uma som<strong>br</strong>a do atleta<<strong>br</strong> />
invejável que conhecera.<<strong>br</strong> />
Assemelhava-se a um fantasma que a Parca vestira de dor. Somente os<<strong>br</strong> />
olhos vivos e fascinantes eram os mesmos. Fez menção de recuar e esconderse,<<strong>br</strong> />
entretanto, sentiu-se <strong>com</strong>o que chumbada ao solo e presa por laços<<strong>br</strong> />
imponderáveis ao amante redivivo.<<strong>br</strong> />
Mostrando o propósito de tranqüilizá-la, o recém-desencarnado aproximouse<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> mais carinho e falou:<<strong>br</strong> />
— Não receies. A morte é ilusão. Um dia, estarás igualmente aqui, tal qual<<strong>br</strong> />
todos os mortais... Sei quão tempestuoso te parece o horizonte. Quase menina,<<strong>br</strong> />
foste surpreendida por dolorosos problemas do coração... No entanto, sempre<<strong>br</strong> />
vale conhecer, mais cedo, a verdade...<<strong>br</strong> />
No íntimo, a jovem desejou saber porque tornava ele do mundo das<<strong>br</strong> />
som<strong>br</strong>as, amargurando-a.<<strong>br</strong> />
Não possuía já suficientes razões para apoquentar-se?<<strong>br</strong> />
E, pensando que o amante estivesse exonerado de todos os deveres<<strong>br</strong> />
morais, considerava, no imo da consciência: — porque insistirá Emiliano em<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhar-me, quando se encontra livre? não fôra arrebatado da Terra à<<strong>br</strong> />
moradia da paz?<<strong>br</strong> />
Deixando transparecer que lhe percebia as palavras inarticuladas, o<<strong>br</strong> />
inesperado visitante respondeu:<<strong>br</strong> />
— Não creias seja o sepulcro uma passagem direta para o domicílio dos<<strong>br</strong> />
deuses... Vivemos longe da luz quando não cogitamos de acendê-la no próprio<<strong>br</strong> />
coração. Além da carne, em que nossa alma se agita, somos defrontados por<<strong>br</strong> />
nós mesmos. Os pensamentos que alimentamos são teias escuras que nos<<strong>br</strong> />
prendem à som<strong>br</strong>a ou às sendas de sublime esplendor, impelindo-nos para a<<strong>br</strong> />
frente... Aqueles que deixamos para trás retardam nosso passo ou favorecemnos<<strong>br</strong> />
o avanço, conforme os sentimentos que a nossa memória lhes inspira. Não<<strong>br</strong> />
suponhas haja impunidade nos tribunais da justiça divina!... Recebemos<<strong>br</strong> />
invariàvelmente, segundo as nossas o<strong>br</strong>as...<<strong>br</strong> />
Nesse ponto da singular entrevista, Helena recordou-se mais nitidamente<<strong>br</strong> />
do enigma que a dilacerava...<<strong>br</strong> />
Acaso Secundino voltava do sepulcro para lem<strong>br</strong>ar-lhe as o<strong>br</strong>igações de<<strong>br</strong> />
que pretendia desvencilhar-se?<<strong>br</strong> />
Súbita aflição assomou-lhe à alma inquieta.<<strong>br</strong> />
Como alijar o fardo de angústia?<<strong>br</strong> />
Reconhecia-se entre o Espírito de Emiliano, a relem<strong>br</strong>ar-lhe uma felicidade<<strong>br</strong> />
que não mais lhe sorriria na Terra, e uma criança intrusa a ameaçar-lhe a<<strong>br</strong> />
existência.<<strong>br</strong> />
No fundo, queria ser mãe e desenvolver no próprio coração os potenciais<<strong>br</strong> />
de ternura que lhe explodiam no peito, mas não nas circunstâncias em que se<<strong>br</strong> />
achava.<<strong>br</strong> />
Jamais sentira tão grande flagelação moral.<<strong>br</strong> />
Lágrimas ardentes escaldavam-lhe os olhos.<<strong>br</strong> />
Ajoelhou-se, desesperada, e gritou:<<strong>br</strong> />
— Como me pedes <strong>com</strong>paixão, se sou mais desventurada?<<strong>br</strong> />
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