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O interpelado observou, atento:<br />— Sim, não me oponho. Entretanto, é preciso esclarecer que não<br />possuímos serviço remunerado...<br />— Não procuro compensações — disse a moça —, tenho necessidade de<br />arrimo.<br />— Então — explicou o interlocutor, satisfeito —, cooperarás no galpão dos<br />velhos enfermos. Realmente, perdeste o pai e o tio, no entanto, encontrarás<br />muitos outros parentes, junto dos quais o Cristo te pede carinho e proteção.<br />A humilde senhora sorriu tranquila e retirou-se.<br />Chegou a vez de o peregrino romano entrar em contacto com o ancião.<br />Varro, comedido e confiante, inteirou-o de todas as ocorrências havidas<br />com Ápio Corvino e com ele mesmo, desde o início do seu primeiro encontro<br />com o inolvidável amigo apunhalado no mar.<br />Horácio ouviu-lhe a narrativa, entre sereno e cortês, sem qualquer alarme,<br />diante do noticiário constrangedor.<br />Parecia calejado por dores maiores. Mesmo assim, quando o rapaz<br />terminou a confissão, falou sobre o amigo morto, comovidamente:<br />— Grande Corvino!... Seja ele feliz entre os servidores glorificados. Foi fiel<br />até ao fim.<br />Enxugando os olhos úmidos, acrescentou:<br />— Estará conosco em espírito. A morte não nos separa uns dos outros, na<br />obra do Senhor.<br />Em seguida, reportou-se ao companheiro desaparecido, com imensa<br />ternura. Ápio Corvino tomara a si o encargo de prover às necessidades das<br />crianças mantidas pela igreja.<br />Para esse fim, trabalhava em agricultura e jardinagem, além de viajar<br />frequentemente, angariando recursos.<br />Depois de 177, estivera largo tempo no Egito, onde adquirira valiosas<br />experiências.<br />Os meninos adoravam-no.<br />A senectude não lhe subtraira o entusiasmo pelo trabalho. Cultivava o solo<br />com alegre bando de rapazes, aos quais ministrava preciosos conhecimentos.<br />Assinalou, preocupado, a falta que a presença dele lhes faria, mas, ante o<br />oferecimento de Varro para substitui-lo quanto lhe fôsse possível, Horácio<br />alegrou-se intensamente, e acentuou:<br />— Bem lembrado. Aqui, na maioria dos casos, os colaboradores da igreja<br />trabalham de acordo com os desajustes espirituais de que são portadores. As<br />perseguições constantemente alimentadas provocam, entre nós, diversos tipos<br />de luta e sofrimento. Sei que trazes o coração paterno mortificado de<br />saudades. Trabalharás pelas crianças. Temos mais de trinta órfãos<br />pequeninos. Conversarei com as autoridades.<br />E, em voz mais baixa, rogou-lhe que a personalidade de Quinto Varro<br />fôsse para sempre esquecida. Apresentá-lo-ia a todos como sendo o irmão<br />Corvino, sucessor do venerável confrade. chamado ao Reino de Deus, e<br />afiançava-lhe que tantas nuvens de dor pesavam sobre a alma cristã, formando<br />dramas tristes a se desenrolarem na sombra, que ninguém se sentia com<br />bastante curiosidade para qualquer indagação.<br />O acolhimento carinhoso reaquecia o coração do viajante fatigado, quando<br />dois petizes, de três e cinco anos, respectivamente, penetraram o recinto.<br />O maior deles dirigiu-se ao ancião com os olhos interrogadores e<br />42
perguntou:<br />— Pai Horácio, é verdade que o vovô Corvino já veio?<br />O patriarca afagou-lhe os cabelos encaracolados e informou:<br />— Não, meu filho. Nosso velho amigo viajou para o Céu, mas<br />enviou-nos um irmão que lhe tomará o lugar.<br />Ergueu-se, abraçou as crianças e, sentando-as nos joelhos do recémchegado,<br />falou, bondoso:<br />— Vamos, meus filhos! abracem o companheiro abençoado que chega de<br />longe.<br />Os meninos, com a doçura ingênua da infância, enlaçaram o mensageiro.<br />O moço patrício tomou-os de encontro ao coração e acariciou-os,<br />demoradamente; contudo, somente o velho Niger conseguiu ver o pranto que<br />lhe corria dos olhos.<br />Quinto Varro havia passado.<br />Os anos rolariam para a frente e o ministério do novo Corvino ia começar.<br />43
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