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suplícios dos <strong>com</strong>panheiros sacrificados.<<strong>br</strong> />
Aqui e ali, sepulturas róseas e <strong>br</strong>ancas ostentavam dísticos afetuosos, que<<strong>br</strong> />
não lem<strong>br</strong>avam qualquer idéia escura de morte. Só a bondade de Deus e a<<strong>br</strong> />
vida eterna mereciam exaltação.<<strong>br</strong> />
Varro relia <strong>com</strong> avidez as palavras que lhe eram familiares, buscando<<strong>br</strong> />
apoio moral para a resistência íntima de que se reconhecia necessitado.<<strong>br</strong> />
Não longe, a carinhosa amizade de alguém escrevera a saudação: —<<strong>br</strong> />
“Festo, Jesus te abençoe.” Adiante, grafara um pai devotado: — “Gláucia,<<strong>br</strong> />
querida filha, estamos juntos.” Acolá, <strong>br</strong>ilhava a inscrição “Crescêncio vive”,<<strong>br</strong> />
mais além, fulgurava outra, “Popéia glorificada”.<<strong>br</strong> />
Nunca sentira Varro tamanha paz nos túmulos. Reconhecendo-se na<<strong>br</strong> />
posição de um homem expulso do próprio lar, sentia agora na multidão<<strong>br</strong> />
anônima dos <strong>com</strong>panheiros a sua própria família. Detinha-se nos semblantes<<strong>br</strong> />
desconhecidos, <strong>com</strong> mais simpatia e interesse, e pensava consigo mesmo que<<strong>br</strong> />
naquela fileira de criaturas, que ansiosamente buscavam os ensinamentos do<<strong>br</strong> />
Senhor, talvez existissem mais dolorosos dramas que o dele e chagas mais<<strong>br</strong> />
profundas a lhes sangrarem nos corações. Sustentava Lisipo no <strong>br</strong>aço robusto,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o se houvera reencontrado a alegria de ser útil a alguém e, pelos olhares<<strong>br</strong> />
felizes que permutavam entre si, pareciam ambos agradecer a influência de<<strong>br</strong> />
Jesus, que concedia ao velho afetuoso a graça de amparar-se num filho e ao<<strong>br</strong> />
moço infortunado a ventura de encontrar um pai a quem poderia servir.<<strong>br</strong> />
Em grande recinto iluminado, hinos de alegria precederam a palavra do<<strong>br</strong> />
pregador que, assomando à tribuna, falou <strong>com</strong> indescritível beleza, acerca do<<strong>br</strong> />
Reino de Deus, encarecendo a necessidade de paciência e de esperança.<<strong>br</strong> />
Quando terminou a enternecedora alocução, Lisipo e Varro aproximaramse<<strong>br</strong> />
para reconduzi-lo a casa.<<strong>br</strong> />
Um carro, além dos sepulcros, aguardava-os, solícito.<<strong>br</strong> />
E na intimidade doméstica, ante os dois velhinhos que o escutavam,<<strong>br</strong> />
surpresos, o moço patrício, pontilhando a narrativa de lágrimas, expôs o que<<strong>br</strong> />
sofria, nos recessos da vida particular, rogando a Corvino um bálsamo para as<<strong>br</strong> />
feridas que lhe oprimiam o coração.<<strong>br</strong> />
O velho gaulês fê-lo sentar-se e, acariciando-lhe a cabeça, <strong>com</strong>o se o<<strong>br</strong> />
fizesse a um menino atormentado, indagou:<<strong>br</strong> />
— Varro, aceitaste o Evangelho para que Jesus se transforme em teu<<strong>br</strong> />
servidor ou para que te convertas em servidor de Jesus?<<strong>br</strong> />
— Oh! sem dúvida — suspirou o rapaz —, se a alguma coisa aspiro no<<strong>br</strong> />
mundo é ao ingresso nas fileiras dos escravos do Senhor.<<strong>br</strong> />
— Então, meu filho, cogitemos dos desígnios do <strong>Cristo</strong> e olvidemos nossos<<strong>br</strong> />
desejos.<<strong>br</strong> />
E, fitando o céu pela janela humilde, deixando perceber que solicitava a<<strong>br</strong> />
inspiração do Alto, acrescentou:<<strong>br</strong> />
— Antes de tudo, não condenes tua mulher. Quem somos nós para sondar<<strong>br</strong> />
o coração do próximo? poderíamos, acaso, torcer o sentimento de outra alma,<<strong>br</strong> />
usando a maldade e a violência? quem de nós estará irrepreensível para<<strong>br</strong> />
castigar?<<strong>br</strong> />
— Todavia, <strong>com</strong>o extinguir o mal, se não nos dispomos a <strong>com</strong>batê-lo? —<<strong>br</strong> />
ajuizou Varro, gravemente.<<strong>br</strong> />
O ancião sorriu e considerou:<<strong>br</strong> />
— Acreditas, porém, que possamos vencê-lo àforça de palavras bem<<strong>br</strong> />
feitas? Admites, porventura, que o Mestre haja descido das Alturas,<<strong>br</strong> />
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