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196<br />Taciano, depois que ficara cego, julgou não sofreria tanto com a perda de<br />Blandina, cuja afeição lhe constituía inapreciável tesouro. E pensava: não seria<br />mais justo alegrar-se por vê-la exonerada do encargo de suportar-lhe as provas<br />rudes? porque conservá-la presa a um inválido? como rejubilar-se, na<br />expectativa de senti-la escravizada à pobreza e à miséria?<br />Contudo, aquele apelo, dentro da noite alta, tivera sobre ele o efeito de<br />uma punhalada mortal.<br />Acudiu, aflito, cambaleante...<br />Sentou-se no leito humilde e, auxiliado por Ênio, acariciou a agonizante,<br />que não mais lhe ouvia as palavras de amor e chamamento... Apertou-a de<br />encontro ao peito, qual se desejasse prendê-la ao próprio corpo, mas, como se<br />apenas lhe esperasse o calor reconfortante, Blandina repousou, enfim, com a<br />placidez de um anjo que adormece.<br />Desesperado, o filho de Varro gritou, desconsolado, desferindo amargas<br />lamentações que se perdiam no seio da noite...<br />No dia seguinte, sob o patrocínio de Pudens, os funerais foram efetuados<br />como a jovem desejara.<br />O infortunado genitor, apoiando-se agora no filho adotivo, não obstante em<br />desacordo íntimo com os cristãos, acompanhou os despojos da jovem e<br />permaneceu nas dependências da igreja, sem coragem de voltar à antiga<br />casinha.<br />Agarrado à memória da filha, mandou fazer uma lápide de mármore, da<br />qual se destacavam em alto relevo dois corações entrelaçados, com a formosa<br />inscrição: Blandina Vive.<br />Amparado por Celso, ele mesmo quis ajudar a colocação da lembrança<br />sobre o túmulo singelo e, ao término do serviço, tateou a legenda expressiva,<br />fez o gesto de quem se abraçava ao sepulcro e, em seguida, suplicou,<br />ajoelhado:<br />— Blandina, filha querida! de onde estiveres, sê de novo a minha luz!<br />Estrela, acende teus raios para que eu possa caminhar! Estou só na Terra! Se<br />outra vida existe, além da campa fria que te guarda, implacável, compadece-te<br />de mim! Não permitas que a treva me envolva! Muitos vi partir para o estranho<br />labirinto da morte!... Nunca, entretanto, senti tamanha sensação de<br />abandono!... Filha abençoada, não me deixes, jamais! Livra-me do mal! Ensiname<br />a resistir contra os monstros da inconformação e do desânimo!... Mostrame<br />a bendita claridade da fé! Se erros tenho cometido sob a escura inspiração<br />da vaidade e do orgulho, ajuda-me a encontrar a verdade! Adotaste uma<br />crença para a qual não me preparei... Escolheste um caminho diferente do<br />nosso, todavia, filha inolvidável, não poderias enganar-te!... Se encontraste o<br />Mestre que esperavas, renova-me o coração para que me coloque também ao<br />encontro dele!... Não conheço os deuses, em cuja existência ainda creio, mas<br />tive a felicidade de conhecer-te e em ti confio infinitamente!... Ampara-me!<br />Soergue minhalma abatida! Volta Blandina! Não vês agora que teu pai está<br />cego? Enquanto permanecias no mundo, tive a presunção de guiar-te!... Hoje,<br />porém, sou um mendigo de teu arrimo! Filha bem-amada, vive comigo para<br />sempre!...<br />Calou-se a voz dele na estreita necrópole, abafada por um temporal de<br />lágrimas...<br />Foi então que Celso o recolheu nos braços amorosos, beijou-o com<br />indizível carinho e falou, confiante:
197<br />— Meu pai, o senhor nunca estará sozinho...<br />Amparando-se nele, Taciano, esmagado de dor, afastou-se da cripta,<br />trêmulo e hesitante.<br />Não longe, pequena assembléia entoava hinos cristãos, nas preces<br />vespertinas...<br />O desventurado cego, apesar de haver encontrado ali o espontâneo<br />acolhimento dos aprendizes do Evangelho, reconhecia que a sua existência<br />não podia encerrar-se naquele santuário de princípios diversos dos dele e<br />concluiu que o destino inexorável o convidava a caminhar...
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Locros, Sêneca e Papiniano, com an
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As correntes de opinião nascidas e
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