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109<<strong>br</strong> />
— Por Serápis! nunca ouvi, antes, tão formoso hino às estrelas. Quem<<strong>br</strong> />
teceu tão lindo poema?<<strong>br</strong> />
— Foi meu pai, senhor.<<strong>br</strong> />
O excursionista sentiu algo estranho no coração. Aquela voz penetrava-lhe<<strong>br</strong> />
as fi<strong>br</strong>as mais íntimas. Enterneceu-se-lhe inexplicavelmente a alma. Que faria<<strong>br</strong> />
aquela mulher assim só, na praia agora povoada de som<strong>br</strong>as? Observando que<<strong>br</strong> />
ela e Blandina se entendiam num a<strong>br</strong>aço carinhoso e natural, esqueceu a idéia<<strong>br</strong> />
de retornar ao batel e considerou, gentil:<<strong>br</strong> />
— Francamente, ser-me-ia grato conhecer, de perto, o autor da delicada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>posição.<<strong>br</strong> />
— É fácil — explicou a moça, alegre —, moramos aqui mesmo.<<strong>br</strong> />
Oferecendo a mão à menina, tomou a dianteira.<<strong>br</strong> />
O trio, depois de alguns passos, penetrou uma casa singela, em cuja peça<<strong>br</strong> />
mais importante, uma sala acanhada e desconfortável, um velho, à claridade<<strong>br</strong> />
de duas tochas, consertava precioso alaúde.<<strong>br</strong> />
Diversos instrumentos musicais amontoavam-se no recinto, revelando a<<strong>br</strong> />
profissão do dono da casa.<<strong>br</strong> />
Desajeitada, a jovem apresentou os recém-chegados, explicando:<<strong>br</strong> />
— Papai, são dois viajantes do rio. Escutaram a canção às estrelas e<<strong>br</strong> />
interessaram-se pelo autor.<<strong>br</strong> />
— Oh! quão generosos! — e o velho acrescentou, mostrando largo sorriso:<<strong>br</strong> />
— entrai! a casa é pequenina, mas é vossa.<<strong>br</strong> />
Entendimento reconfortante foi entabulado.<<strong>br</strong> />
O ancião, que se abeirava dos setenta anos, trazia nos olhos e nas<<strong>br</strong> />
palavras irradiante vigor juvenil.<<strong>br</strong> />
Biografou-se, sem afetação.<<strong>br</strong> />
Chamava-se Basílio e nascera em Roma, filho de escravos gregos. Embora<<strong>br</strong> />
endividado <strong>com</strong> o ex-senhor, Jubélio Carpo, que o alforriara, prosseguia na<<strong>br</strong> />
posição de liberto, agindo por conta própria.<<strong>br</strong> />
Carpo, no<strong>br</strong>e romano, era quase da idade dele. Meninos ainda, haviam<<strong>br</strong> />
crescido juntos, e, por isso, casaram-se ambos quase ao mesmo tempo.<<strong>br</strong> />
Cecília Prisciliana, a esposa do senhor, adoecera de peste, logo após o<<strong>br</strong> />
nascimento do segundo filho, e Júnia Glaura, sua mulher, escrava e amiga,<<strong>br</strong> />
devotara-se à matrona <strong>com</strong> tamanho desvelo que conseguira salvar-lhe a<<strong>br</strong> />
existência, mas à custa da própria vida.<<strong>br</strong> />
Adquirindo a perigosa moléstia, Júnia impusera-lhe a viuvez, deixando-lhe<<strong>br</strong> />
uma filhinha de nome Lívia, que so<strong>br</strong>eviveu pouco tempo.<<strong>br</strong> />
Compadecidos da sorte dele, os patrões emanciparam-no, sob a condição<<strong>br</strong> />
de lhes pagar, em qualquer tempo, os pesados débitos que contraíra, para<<strong>br</strong> />
socorrer os familiares.<<strong>br</strong> />
Todavia, não pudera prosseguir em Roma, onde tantas recordações<<strong>br</strong> />
dolorosas lhe martirizavam o espírito.<<strong>br</strong> />
Desgostoso, retirara-se para a ilha de Cipro, onde passara muitos anos,<<strong>br</strong> />
mergulhado em estudos filosóficos, buscando fugir de si mesmo.<<strong>br</strong> />
Ali recebera <strong>com</strong>o presente dos deuses — acentuava sorridente — a sua<<strong>br</strong> />
nova filha, à qual deu o mesmo nome da primeira.<<strong>br</strong> />
Lívia surgira-lhe no justo momento em que se via mais infortunado e mais<<strong>br</strong> />
só.<<strong>br</strong> />
Desesperado <strong>com</strong> os obstáculos constantes que se lhe deparavam, sem<<strong>br</strong> />
nunca haver encontrado recursos para liquidar os <strong>com</strong>promissos econômicos