Edição Completa - Conselho Brasileiro de Oftalmologia
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(*) Florentino Cardoso<br />
Coluna AMB<br />
45<br />
Que país é este?<br />
Notícias sobre o caos na saú<strong>de</strong> pública brasileira fazem parte do nosso cotidiano.<br />
Exemplos surgem das três esferas: municipal, estadual e fe<strong>de</strong>ral. Quem não leu?<br />
Quem não se indignou? Quem nunca viu reportagens sobre pacientes sendo atendidos no chão<br />
das emergências? Quem não sabe das longas filas <strong>de</strong> espera para consultas, exames e cirurgias?<br />
Quem não conhece postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> sem medicamentos? I<strong>de</strong>ntificamos muitos problemas na<br />
saú<strong>de</strong> pública, mas <strong>de</strong>stacam-se: subfinanciamento, má gestão e corrupção.<br />
Inúmeras pesquisas têm mostrado que saú<strong>de</strong><br />
é a pior avaliação <strong>de</strong> muitos governos, e<br />
essa avaliação está cada vez pior. Tentam<br />
<strong>de</strong>sviar o foco, culpando “a falta <strong>de</strong> médicos”<br />
para esse <strong>de</strong>scalabro. Dizem que muitos<br />
municípios não têm médicos. Verda<strong>de</strong>, assim<br />
como vários municípios no Brasil não <strong>de</strong>veriam<br />
existir, pois não reúnem as a<strong>de</strong>quadas<br />
condições para tal. Ora, como manter médicos<br />
em municípios sem infraestrutura? Como<br />
o médico conseguirá fazer um simples exame<br />
<strong>de</strong> sangue? Como o médico conseguirá<br />
atualizar-se? Alguns municípios não tem acesso<br />
à internet, o telefone móvel não funciona.<br />
A quem se socorrer para discutir um caso, tirar<br />
uma dúvida? On<strong>de</strong> colocar os filhos para estudar<br />
nessas cida<strong>de</strong>s?<br />
Sob esse pretexto, criam “armadilhas”, programas<br />
“mágicos”. Citemos um: PROVAB –<br />
Programa <strong>de</strong> Valorização da Atenção Básica.<br />
Sabemos que num bom sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a<br />
principal porta <strong>de</strong> acesso dos pacientes <strong>de</strong>ve<br />
ser a atenção básica, on<strong>de</strong> 80% a 85% dos<br />
agravos <strong>de</strong>vem ser resolvidos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tenhamos<br />
esse nível primário bem estruturado.<br />
O principal ponto é médico qualificado, bem<br />
formado, treinado, especializado – médico <strong>de</strong><br />
família e comunida<strong>de</strong>. O governo, na contramão<br />
quer “empurrar” médicos recém-formados<br />
e sem qualificação para aten<strong>de</strong>r essa<br />
<strong>de</strong>manda. Vai expor a população, ainda mais<br />
a pobre e carente, que sofre sadia pela miséria.<br />
Pior ainda, com o PROVAB quer “bonificar”<br />
com 10% dos pontos totais no concurso<br />
da residência médica aqueles que participam<br />
<strong>de</strong>ssa “experiência” por 12 meses, embora<br />
nesse primeiro ano, até o tempo mínimo <strong>de</strong> 12<br />
meses tenha “ido para o espaço”. Caso isso<br />
ocorra, não teremos mais os melhores nos<br />
programas <strong>de</strong> residência médica.<br />
E o que dizer do <strong>de</strong>svario governamental<br />
(fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> alguns estados e vários municípios)<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a vinda <strong>de</strong> médicos estrangeiros<br />
para trabalhar no Brasil sem passar<br />
pelo REVALIDA, fazendo registro automático?<br />
Vão colocar em risco a saú<strong>de</strong> das pessoas e<br />
mais uma vez dos mais <strong>de</strong>sfavorecidos. Ou<br />
esses governantes vão se consultar com os<br />
estrangeiros? Citemos o REVALIDA <strong>de</strong> 2012,<br />
em que menos <strong>de</strong> 4% dos médicos formados<br />
na Bolívia (a maioria brasileiros) foram aprovados<br />
e, do total dos inscritos, somente cerca <strong>de</strong><br />
10% conseguiram aprovação.<br />
Imagino que saibam que o maior impacto<br />
na saú<strong>de</strong> é acesso rápido e qualida<strong>de</strong> no<br />
atendimento. Como ter qualida<strong>de</strong> incentivando<br />
essas práticas nefastas ao mérito? Sem<br />
qualida<strong>de</strong> o custo aumenta e os riscos se elevam.<br />
Vê-se portanto que temos políticas <strong>de</strong> governo<br />
e não políticas <strong>de</strong> Estado. Observa-se<br />
que governos preocupam-se com quantida<strong>de</strong>,<br />
nós <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos a qualida<strong>de</strong>. Tentam justificar<br />
o PROVAB, sem olhar para o mérito, pois<br />
acostumaram-se ao “apadrinhamento”, ao “jeitinho”,<br />
à politicagem na distribuição <strong>de</strong> cargos,<br />
sem preocupar-se com a competência.<br />
Existem muitos caminhos para distribuir<br />
melhor os quase 400 mil médicos do Brasil<br />
concentrados nas capitais e gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s,<br />
on<strong>de</strong> lhes é possível melhores condições <strong>de</strong><br />
trabalho e atualização profissional. Que tal<br />
uma “carreira <strong>de</strong> Estado” para médicos nos<br />
locais <strong>de</strong> difícil acesso e provimento na atenção<br />
básica aos mol<strong>de</strong>s da existente hoje em<br />
parcela do Judiciário? Que tal dotar nossos<br />
municípios <strong>de</strong> melhor infraestrutura, como<br />
água potável por exemplo? Enquanto muitos<br />
brasileiros sofrem com a seca, gado morrendo<br />
<strong>de</strong> se<strong>de</strong>, ainda se inauguram hospitais com<br />
“shows pirotécnicos” pagando-se elevados<br />
cachês, esperando ainda o hospital ser concluído<br />
para inaugurá-lo verda<strong>de</strong>iramente, que<br />
é o atendimento aos doentes.<br />
A saú<strong>de</strong> é nosso bem maior e o povo brasileiro<br />
merece respeito!<br />
(*) Florentino Cardoso<br />
Presi<strong>de</strong>nte da Associação Médica Brasileira (AMB)<br />
Florentino Cardoso<br />
Existem muitos<br />
caminhos para<br />
distribuir melhor<br />
os quase 400 mil<br />
médicos do Brasil<br />
concentrados nas<br />
capitais e gran<strong>de</strong>s<br />
cida<strong>de</strong>s<br />
Jornal Oftalmológico Jota Zero | Março/Abril 2013