A crise e a estratégia fiscal Amir Khair - Instituto de Economia da UFRJ
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A <strong>crise</strong> e a estratégia <strong>fiscal</strong><br />
<strong>Amir</strong> <strong>Khair</strong><br />
A <strong>crise</strong> <strong>de</strong> 2008 atingiu o cerne do sistema financeiro mundial, salvo provisoriamente<br />
pelos governos, que assumiram dívi<strong>da</strong>s para evitar uma quebra<strong>de</strong>ira geral <strong>de</strong>sse<br />
sistema e o consequente colapso social e econômico dos países que constituem o<br />
cerne do sistema capitalista – EUA, Europa e Japão.<br />
O pagamento <strong>de</strong>ssas dívi<strong>da</strong>s está caindo nas costas <strong>da</strong> população, que reage às<br />
consequências <strong>da</strong> solução adota<strong>da</strong> por esses países para reverter a elevação do<br />
endivi<strong>da</strong>mento, que foi <strong>de</strong> conter o crescimento econômico e cortar <strong>de</strong>spesas públicas<br />
que beneficiavam a população.<br />
Não está <strong>da</strong>ndo certo. A situação <strong>fiscal</strong> ten<strong>de</strong> a se agravar, quando se pisa no freio <strong>da</strong><br />
economia e se cortam <strong>de</strong>spesas públicas. A explicação é simples: a redução <strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>spesa acaba sendo inferior às per<strong>da</strong>s causa<strong>da</strong>s por: a) redução <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção e;<br />
b) elevação dos juros, <strong>de</strong>vido aos empréstimos que foram elevados.<br />
1. Crescimento - O Brasil, felizmente, não tinha o sistema financeiro comprometido<br />
com títulos podres e adotou com agili<strong>da</strong><strong>de</strong> políticas anticíclicas fiscais e monetárias.<br />
Mesmo assim, não conseguiu evitar a recessão <strong>de</strong> 0,6% do PIB em 2009, rompendo<br />
um crescimento médio anual <strong>de</strong> 4,81% ocorrido nos cinco anos que antece<strong>de</strong>ram a<br />
<strong>crise</strong> (2004 a 2008).<br />
Mas as medi<strong>da</strong>s anticíclicas foram produzindo seus efeitos <strong>de</strong> estímulo ao consumo e<br />
investimento, coroando 2010 com um crescimento <strong>de</strong> 7,5%. Algumas análises<br />
acharam exagerado esse crescimento. Não foi. O crescimento médio do biênio<br />
2009/2010 foi <strong>de</strong> 3,35%. Assim, a <strong>crise</strong> afetou o ritmo <strong>de</strong> crescimento, reduzindo-o<br />
em 1,46 pontos percentuais (4,81 menos 3,35).<br />
Há que recuperar a tendência <strong>de</strong> crescimento ocorri<strong>da</strong> <strong>de</strong> 2004 a 2008 e o Brasil tem<br />
potencial para crescer acima <strong>de</strong> 5%. Infelizmente o governo se dobrou perante o risco<br />
<strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>de</strong> controle do processo inflacionário vindo <strong>de</strong> fora e típico do primeiro<br />
quadrimestre. Como resposta cortou R$ 50 bilhões do orçamento e adotou na política<br />
monetária a elevação <strong>da</strong> Selic.<br />
O objetivo foi o <strong>de</strong> reduzir o ritmo <strong>de</strong> crescimento. O erro na estratégia do governo<br />
foi <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar que po<strong>de</strong>ria ocorrer uma recidiva <strong>da</strong> <strong>crise</strong>, que iria afetar o<br />
crescimento e reduzir a inflação. O governo acabou <strong>de</strong> rebaixar a previsão do<br />
crescimento <strong>de</strong> 4,5% para 4,0% em <strong>de</strong>corrência do impacto <strong>da</strong> <strong>crise</strong>. Outras análises<br />
consi<strong>de</strong>ram que será inferior a 4%.<br />
2. Inflação - A partir <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2010, em consequência <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisão do banco<br />
central americano <strong>de</strong> injetar na economia US$ 600 bilhões até junho <strong>de</strong>ste ano, as<br />
commodities foram subindo <strong>de</strong> preço para compensar a <strong>de</strong>svalorização do dólar e pela<br />
especulação financeira na aposta <strong>de</strong> que o dólar continuaria a se <strong>de</strong>svalorizar perante<br />
as outras moe<strong>da</strong>s.<br />
Essa elevação <strong>de</strong> preços aumentou a inflação em todos os países. Coinci<strong>de</strong>ntemente<br />
no primeiro quadrimestre ocorre quase meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> inflação do ano, <strong>de</strong>vido às chuvas e<br />
<strong>de</strong>spesas como IPTU, IPVA, material e matrícula escolar, etc. Para agravar, ocorre a
falta <strong>de</strong> etanol, <strong>da</strong> entresafra <strong>da</strong> cana <strong>de</strong> açúcar, que respon<strong>de</strong>u por parte significativa<br />
<strong>da</strong> inflação.<br />
O controle <strong>da</strong> inflação passível <strong>de</strong> ação do governo é na dosagem do ritmo <strong>de</strong><br />
crescimento dos empréstimos para o consumo, como feito pela primeira vez em 6 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro, na última reunião do Copom <strong>de</strong> 2010.<br />
Naquela ocasião, ao invés <strong>de</strong> elevar a Selic, adotou as medi<strong>da</strong>s macropru<strong>de</strong>nciais que<br />
encareceram o crédito para empréstimos com prazos superiores a 24 meses, exigiu<br />
mais capital dos bancos e aumentou os <strong>de</strong>pósitos compulsórios dos bancos no Banco<br />
Central (BC).<br />
Essas medi<strong>da</strong>s causaram prejuízo aos bancos, que reagiram pondo em dúvi<strong>da</strong> a<br />
capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do BC em controlar a inflação. Era a credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> política monetária<br />
posta em cheque pelo mercado financeiro.<br />
Face a essa reação, o BC abandonou a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> no uso <strong>de</strong>ssas medi<strong>da</strong>s e elevou a<br />
Selic nas cinco reuniões do Copom <strong>de</strong>ste ano, passando-a <strong>de</strong> 10,75% para 12,50% a<br />
partir <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> julho. A Selic que já era a mais alta do mundo afastou-se mais ain<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> pratica<strong>da</strong> pelos <strong>de</strong>mais países. Com essa guina<strong>da</strong> do BC, o mercado financeiro<br />
passou a elogiá-lo.<br />
As elevações <strong>da</strong> Selic aumentaram as <strong>de</strong>spesas com os juros prejudicando a gestão<br />
<strong>fiscal</strong>, além <strong>de</strong> aumentar a atração do capital especulativo internacional nas operações<br />
<strong>de</strong> carry tra<strong>de</strong>.<br />
3. Estratégia - Com o avanço <strong>da</strong> <strong>crise</strong>, as commodities estão per<strong>de</strong>ndo preço e vão<br />
contribuir para a que<strong>da</strong> internacional <strong>da</strong> inflação. No nosso caso ain<strong>da</strong> temos o<br />
benefício <strong>da</strong> boa safra para a oferta <strong>de</strong> alimentos. Isso aponta para três ações na<br />
estratégia <strong>da</strong> política econômica: a) retomar os estímulos ao crescimento; b) baixar<br />
rapi<strong>da</strong>mente a Selic, e; c) pilotar a inflação dosando a oferta e custo do crédito pelas<br />
medi<strong>da</strong>s macropru<strong>de</strong>nciais.<br />
A estratégia para retomar o crescimento econômico é ampliar a transferência <strong>de</strong><br />
ren<strong>da</strong>, que estimula o consumo, a produção, o emprego e atrai os investimentos <strong>da</strong>s<br />
empresas. Nesse sentido o maior impulso econômico virá do reajuste do salário<br />
mínimo em janeiro do próximo ano. O crescimento econômico que será gerado irá<br />
ampliar a arreca<strong>da</strong>ção pública em nível que po<strong>de</strong>rá superar as <strong>de</strong>spesas públicas que<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do salário mínimo.<br />
A redução <strong>da</strong> Selic vai no caminho <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> macroeconômica ao <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
ocupar o vergonhoso título <strong>de</strong> país com a mais alta taxa básica <strong>de</strong> juros. Essa redução<br />
favorece o equilíbrio <strong>fiscal</strong>, reduz o custo <strong>de</strong> carregamento <strong>da</strong>s reservas<br />
internacionais, permite um câmbio mais favorável ao comércio exterior, com maior<br />
saldo na balança comercial e menor rombo na conta <strong>de</strong> serviços e ren<strong>da</strong>s,<br />
especialmente na questão <strong>da</strong>s remessas <strong>de</strong> lucros e divi<strong>de</strong>ndos e nas viagens ao<br />
exterior.<br />
Em síntese melhorariam os fun<strong>da</strong>mentos macroeconômicos do País para o<br />
enfrentamento <strong>da</strong> <strong>crise</strong>.<br />
O mais importante é saber se o governo vai <strong>de</strong> fato reduzir a Selic. É necessário<br />
questionar o velho argumento <strong>de</strong> que a dívi<strong>da</strong> e os juros só vão cair se caírem as
<strong>de</strong>spesas do governo. Se a Selic não fosse a mais alta do mundo ain<strong>da</strong> se po<strong>de</strong>ria<br />
consi<strong>de</strong>rar essa avaliação. Se o objetivo é reduzir as <strong>de</strong>spesas do governo e a dívi<strong>da</strong>,<br />
a redução <strong>da</strong> Selic é o melhor e mais rápido caminho. Isso não invali<strong>da</strong> o argumento<br />
que se po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve reduzir outras <strong>de</strong>spesas que não se justificam.<br />
Mas a principal redução <strong>da</strong>s <strong>de</strong>spesas é com os juros gerados pela Selic. Nos últimos<br />
<strong>de</strong>zesseis anos (1995 a 2010) foram jogados fora todo ano em média 7,38% do PIB!<br />
Essa é a maior gastança do País.<br />
Caso os governos FHC e Lula tivessem reduzido a Selic, se teria há muito tempo<br />
zerado a dívi<strong>da</strong>, equilibrado as contas públicas e recursos suficientes para ter<br />
resolvido o elevado déficit social e <strong>de</strong> infraestrutura do País.<br />
A <strong>crise</strong> po<strong>de</strong> precipitar a redução <strong>da</strong> Selic e o Conselho Monetário Nacional po<strong>de</strong>rá<br />
impor limites às escorchantes taxas <strong>de</strong> juros e tarifas bancárias. Resta ver se o<br />
governo tem essa visão ou continuará refém do mercado financeiro, que tem na Selic<br />
eleva<strong>da</strong> e nas taxas <strong>de</strong> juros <strong>de</strong> agiotagem sua principal fonte <strong>de</strong> lucro.<br />
Ou o Brasil <strong>de</strong>rruba as taxas <strong>de</strong> juros ou as taxas <strong>de</strong> juros <strong>de</strong>rrubam o Brasil. <strong>Amir</strong><br />
<strong>Khair</strong> é Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor. Este artigo foi publicado no<br />
jornal O Estado <strong>de</strong> São Paulo no dia 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011.