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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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artigo sobre o narcisismo, Freud escreve que uma pessoa po<strong>de</strong> amar <strong>de</strong> acordo com o<br />

tipo anaclítico, que introduz uma <strong>de</strong>pendência relativamente ao Outro que nos<br />

alimenta e protege. A partir <strong>de</strong> Lacan, pod<strong>em</strong>os consi<strong>de</strong>rá-la como uma teoria<br />

simbólica do amor, on<strong>de</strong> a d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> amor ao Outro envolve uma dissimetria na<br />

relação com o Outro e uma dimensão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no amor. Esta dimensão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

também é verificável no artigo <strong>de</strong> Freud “Psicologia <strong>de</strong> grupo e análise do ego”, pois,<br />

conforme o texto, o amante situa o objeto amado no lugar do I<strong>de</strong>al do eu. No estado<br />

<strong>de</strong> enamoramento, ocorre um <strong>de</strong>sinvestimento da libido narcísica, dirigindo-se esta<br />

para o objeto <strong>de</strong> amor, que fica então elevado, engran<strong>de</strong>cido <strong>em</strong> relação aos traços <strong>de</strong><br />

humilda<strong>de</strong> e limitação do narcisismo que surg<strong>em</strong> no eu daquele que está amando.<br />

Enquanto o amado se torna sublime e precioso, o eu do amante fica cada vez mais<br />

mo<strong>de</strong>sto e <strong>de</strong>spretencioso.<br />

À medida <strong>em</strong> que se transportava para aquele romance, Juca se modificava,<br />

“pra que pudéss<strong>em</strong>os nos amar com franqueza”, consi<strong>de</strong>rando, pela voz do narrador,<br />

que “uma parte enorme do que <strong>de</strong> bom e <strong>de</strong> útil tenho sido v<strong>em</strong> daquela alma que<br />

precisei me dar”. Depois da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> feita ao amigo, os dois sa<strong>em</strong> a<br />

caminhar e Juca imagina tudo <strong>de</strong> bom <strong>em</strong> que ele irá se tornar por amor:<br />

Foram quinze minutos dos mais sublimes <strong>de</strong> minha vida. Talvez que para ele<br />

também. Na rua violentamente cheia <strong>de</strong> gente e <strong>de</strong> pressa, só vendo os<br />

movimentos estratégicos que fazíamos, ambos só olhos, calculando o andar<br />

<strong>de</strong>ste transeunte com a soma daqueles dois mais vagarentos, para ficarmos<br />

s<strong>em</strong>pre lado a lado. Mas <strong>em</strong> minha cabeça que fantasmagorias divinas,<br />

<strong>de</strong>votamentos, heroísmos, ficar bom, projetos <strong>de</strong> estudar. Só na porta <strong>de</strong> casa<br />

nos separávamos, <strong>de</strong> novo esquerdos, na primeira palavra que trocávamos<br />

amigos, aquele ‘até logo’ torto 201 .<br />

Mas n<strong>em</strong> só <strong>de</strong> “bom senso discreto” era feito aquele romance. A imp ressão<br />

daquele dia <strong>em</strong> que Juca fizera sua confissão ao amigo carrega uma imag<strong>em</strong> cheia <strong>de</strong><br />

sensualida<strong>de</strong>: “Fre<strong>de</strong>rico Paciência estava maravilhoso, sujo do futebol, suado,<br />

corado, <strong>de</strong>rramando vida”. Paciência para suportar o <strong>de</strong>sejo ou a espera pela sua<br />

realização? A amiza<strong>de</strong> dos dois era feita <strong>de</strong> afastamentos e aproximações, <strong>de</strong><br />

“paciências”. Ao finalizar o conto, o narrador segreda, após um trocadilho feito com o<br />

nome <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Paciência, que “a palavra ‘paciência’ s<strong>em</strong>pre me doeu malsegundo<br />

comentário, <strong>Mário</strong> expressa seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que não se leia este conto separado dos outros, “por<br />

causa da <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za do assunto” (Moacir Werneck <strong>de</strong> Castro, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Exílio no Rio, p. 95).<br />

201 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. “Fre<strong>de</strong>rico Paciência”, op. cit., p. 108.<br />

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