Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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A esta representação mítica do mistério do amor, a experiência<br />
analítica substitui a procura, pelo sujeito, não do compl<strong>em</strong>ento<br />
sexual, mas da parte para s<strong>em</strong>pre perdida <strong>de</strong>le mesmo, que é<br />
constituída pelo fato <strong>de</strong> ele ser apenas um vivo sexuado, e não mais<br />
ser imortal 185 .<br />
Isto significa que a relação do sujeito com o Outro, no que concerne à sexualida<strong>de</strong>, é a<br />
relação com uma parte <strong>de</strong>le mesmo perdida, um objeto que, por estar separado do<br />
corpo, po<strong>de</strong> ser situado no campo do Outro.<br />
O mito construído por Lacan ao se referir ao campo da sexualida<strong>de</strong>,<br />
contrapondo-se ao mito <strong>de</strong> Aristófanes, mostra que não se trata <strong>de</strong> encontrar nenhum<br />
compl<strong>em</strong>ento. Ele diz: “Ao consi<strong>de</strong>rar essa esfericida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong> primordial assim<br />
como sua divisão, é o ovo que se evoca...” 186 . O ovo no ventre vivíparo, cujas<br />
m<strong>em</strong>branas ao ser<strong>em</strong> rompidas fer<strong>em</strong> o ovo fecundado, porque <strong>de</strong>le faz<strong>em</strong> parte,<br />
assim como “o vivente que v<strong>em</strong> à luz por sua perfuração” 187 . Essa parte <strong>de</strong> si que<br />
per<strong>de</strong> o vivente sexuado ao nascer, com o corte do cordão umbilical, é <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong><br />
compl<strong>em</strong>ento anatômico, conhecida pelas parteiras como secundinas 188 . Pod<strong>em</strong>os<br />
notar aqui uma importante diferença com relação ao mito <strong>de</strong> Aristófanes, cujo<br />
compl<strong>em</strong>ento perdido é o Outro Sexo. O compl<strong>em</strong>ento referido por Lacan se parece<br />
mais com um resíduo, um resto.<br />
Lacan nos convoca a imaginar o seguinte: “cada vez que se romp<strong>em</strong> as<br />
m<strong>em</strong>branas, pela mesma saída um fantasma levanta vôo, aquele <strong>de</strong> uma forma<br />
infinitamente mais primária da vida” 189 . Esse fantasma que sai voando é no mito a<br />
Hommelette. “Ao quebrar o ovo se faz o hom<strong>em</strong>, mas também a homelete” 190 . E<br />
Lacan a <strong>de</strong>screve: “suponhamo-la gran<strong>de</strong> panqueca a <strong>de</strong>slocar-se como a ameba,<br />
ultra-achatada a passar sob as portas, onisciente por ser levada pelo puro instinto <strong>de</strong><br />
vida, imortal por ser cissípara” 191 . Sublinha o caráter horripilante da homelete, ao<br />
l<strong>em</strong>brar que não seria nada agradável senti-la escorrer pelo rosto durante o sono. Mais<br />
ainda, que ela se move s<strong>em</strong> fazer ruído, que seus ataques são imprevisíveis já que não<br />
conhece obstáculos. Destruí-la seria impossível, pois cortá-la seria promover sua<br />
185 J. Lacan, op. cit., p. 195.<br />
186 Id<strong>em</strong>, “Posição do inconsciente”, op.cit., p.330.<br />
187 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />
188 “Placenta e m<strong>em</strong>branas que ficam na mãe após o parto”. A.B.H. Ferreira, Novo dicionário Aurélio,<br />
p. 1280<br />
189 J. Lacan, “Posição do inconsciente”, op.cit., p.330.<br />
190 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />
191 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />
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