Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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escapatórias assim” 177 . <strong>Mário</strong> afirma, por ex<strong>em</strong>plo, que <strong>em</strong> Gonçalves Dias há uma<br />
fuga sintomática da realização do amor, chegando este, <strong>em</strong> sua poesia, a preferir<br />
morrer <strong>de</strong> amor do que encontrar sua realização, quando a amada lhe correspon<strong>de</strong>.<br />
Como referimos no início <strong>de</strong>ste tópico, a prostituta aparece <strong>em</strong> contraposição à<br />
mulher i<strong>de</strong>alizada, sobrestimada dos românticos. Nesse sentido, Freud, na “Psicologia<br />
da vida amorosa”, usa o termo al<strong>em</strong>ão Dirne, para dirigir-se justamente à mulher <strong>de</strong><br />
má reputação, à prostituta. A Dirne seria uma repetição <strong>de</strong>slocada da mãe, na medida<br />
<strong>em</strong> que, do ponto <strong>de</strong> vista do filho, a mãe é infiel por se relacionar com o pai. Para<br />
Freud, a mulher, para ser <strong>de</strong>sejada, reconhecida como mulher, necessita ser vista<br />
como a mulher do Outro. Porém, o mais interessante é que o próprio termo Dirne<br />
utilizado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI, significando “prostituta”, “mulher pública”, no velho<br />
al<strong>em</strong>ão (Hoch<strong>de</strong>utsch), v<strong>em</strong> da palavra Thiorna, que significava virg<strong>em</strong>. Então, Dirne<br />
é uma palavra antitética, como Heimlich 178 . Em termos <strong>de</strong> valores morais Fräulein,<br />
senhorita, se opõe a Dirne. Mas a personag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Amar, verbo intransitivo, Fräulein, a<br />
professora, ainda que se sentisse ofendida pela explicação do Sr. Sousa Costa à sua<br />
esposa, <strong>de</strong> que estaria ali para satisfazer as primeiras “fomes amorosas” do rapaz, é<br />
também a Dirne, a mulher da vida, aquela que iniciaria Carlos no amor sexual.<br />
A questão da i<strong>de</strong>alização da mulher e a impossibilida<strong>de</strong> da realização<br />
amorosa, nos poetas românticos, nos r<strong>em</strong>ete à poética do amor cortês surgida no sul e<br />
norte da França, esten<strong>de</strong>ndo-se até à Al<strong>em</strong>anha, abarcando os séculos XI, XII e início<br />
do século XIII. Na retórica do amor cortês, os trovadores exaltavam<br />
o amor à marg<strong>em</strong> do casamento, pois o casamento significa apenas a união dos<br />
corpos, enquanto o ‘Amor’, o Eros supr<strong>em</strong>o, é a projeção da alma para a união<br />
luminosa, para além <strong>de</strong> todo amor possível nesta vida. Eis porque o amor<br />
pressupõe a castida<strong>de</strong> (...) O amor pressupõe também um ritual: o domnei ou<br />
donnoi, vassalag<strong>em</strong> amorosa. O poeta conquistou sua dama pela beleza <strong>de</strong> sua<br />
homenag<strong>em</strong> musical. De joelhos, jura eterna fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, tal como se faz a um<br />
suserano. Como garantia <strong>de</strong> amor, a dama oferecia ao seu paladino-poeta um<br />
anel <strong>de</strong> ouro, or<strong>de</strong>nava-lhe que se levantasse e beijava-lhe a fronte. Doravante,<br />
esses amantes estarão unidos pelas leis da cortesia: o segredo, a paciência, a<br />
177 Id<strong>em</strong>, p. 208.<br />
178 O adjetivo heimlich po<strong>de</strong> apresentar os sentidos: “a) familiar, conhecido; b) secreto, oculto; c)<br />
inquietante, estranho”. De acordo com Hanns, “o ponto <strong>de</strong> ‘torção’ <strong>em</strong> que heimlich passa <strong>de</strong> ‘familiar<br />
e conhecido’ para ‘inquietante e estranho’ ocorre no sentido b: aquilo que é ‘secreto e oculto’ po<strong>de</strong> ser<br />
‘familiar, íntimo e recôndito’ para aquele que participa do segredo (pois acontece entre quatro pare<strong>de</strong>s,<br />
no lar = heim). Por outro lado, o ‘secreto e oculto’ po<strong>de</strong> ser sentido como ‘escondido, furtivo e estranho<br />
na avaliação <strong>de</strong> outros excluídos” ( Dicionário comentado do al<strong>em</strong>ão <strong>de</strong> Freud, p. 231).<br />
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