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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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epetição <strong>de</strong> personagens e alguns t<strong>em</strong>as nos Contos novos, po<strong>de</strong>ríamos pensar que “O<br />

peru <strong>de</strong> natal” funciona como a resposta (a revolta) <strong>de</strong> Juca ao pai <strong>de</strong> “T<strong>em</strong>po da<br />

camisolinha”.<br />

A mãe adorada, confi<strong>de</strong>nte, era aquela que sabia <strong>de</strong> seus “crimes”, aquela que<br />

cuidava <strong>de</strong> suas coisas como ninguém, que lhe dava segurança, pregando botões<br />

reforçados e “garantidores como um fio <strong>de</strong> barba <strong>de</strong> meu avô” 163 , aquela que<br />

consolava, nos momentos difíceis – na crônica “Calor” (1939), escrita no período <strong>em</strong><br />

que <strong>Mário</strong> viveu no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> aliás sente muito a falta da mãe, pa<strong>de</strong>cendo<br />

do calor intenso da cida<strong>de</strong>, e revela ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> queixar-se a ela, escon<strong>de</strong>ndo-se <strong>em</strong><br />

seu seio, para recuperar a calma: “Tenha paciência, meu filho, o calor é assim<br />

mesmo”. Em 1926, <strong>Mário</strong> compõe o po<strong>em</strong>a “Mãe” 164 , no qual aparece tanto a face<br />

materna do acolhimento, da compreensão, quanto a face materna da sensualida<strong>de</strong><br />

nascida do contato do filho com o seu corpo:<br />

Existir<strong>em</strong> mães,<br />

Isso é um caso sério.<br />

Afirmam que a mãe<br />

Atrapalha tudo,<br />

É fato, ela pren<strong>de</strong><br />

Os erros da gente,<br />

E era b<strong>em</strong> milhor<br />

Não existir mãe<br />

Mas <strong>em</strong> todo caso<br />

Quando a vida está<br />

Mais dura, mais vida,<br />

Ninguém como a mãe<br />

Pra agüentar a gente<br />

Escon<strong>de</strong>ndo a cara<br />

163 Id<strong>em</strong>, “Sociologia do botão”, Os filhos da Candinha, p.142. Esta crônica, segundo Moacir Werneck<br />

<strong>de</strong> Castro, foi inspirada pela comparação entre Dona Maria, a <strong>em</strong>pregada que lhe preparava a comida e<br />

cuidava <strong>de</strong> sua roupa (“n<strong>em</strong> <strong>de</strong> longe tão b<strong>em</strong> quanto a mãe”), e sua mãe. O botão aparece nesta crônica<br />

<strong>de</strong> vários modos: como imag<strong>em</strong> sexual, <strong>em</strong> psicologia, botões reforçados, b<strong>em</strong> pregados, suger<strong>em</strong><br />

segurança, garantia; <strong>em</strong> contrapartida, o mundo <strong>em</strong> que vive, inserido na “civilização do botão”, é o do<br />

botão mal pregado, botão não fiável, botão-acaso, “acaba acostumando a gente a viver na insegurança e<br />

na relativida<strong>de</strong>”. Aponta para a falta <strong>de</strong> garantia da verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas “i<strong>de</strong>ologias inseguramente<br />

arr<strong>em</strong>atadas”, aos <strong>de</strong>sabotoamentos sociais e ao “cinismo aventureiro da civilização do botão”. É bom<br />

recordar que, neste momento, <strong>Mário</strong> vive seu “exílio” no Rio, quando <strong>de</strong>ixa a direção do Departamento<br />

<strong>de</strong> Cultura da Municipalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> Estado Novo, no qual “as consciências estão<br />

perplexas, assustadiças, afundadas na incerteza do amanhã” (M. W. <strong>de</strong> Castro, “<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> no<br />

Rio”, p. 60). Neste pequeno tratado <strong>de</strong> psicologia social, <strong>Mário</strong> situa o freudismo como fruto da<br />

civilização do botão, marcada pela criação <strong>de</strong> “toda uma vida e mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabotoada”. O<br />

freudismo, diz ele, propondo uma <strong>de</strong>finição original, “é uma doutrina <strong>de</strong> ensejo visivelmente<br />

pragmatista só imaginada porque estamos <strong>em</strong> plena civilização do botão”.<br />

164 <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “A costela do grã cão”, Poesias completas, p.305.<br />

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