Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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Entre o significante enigmático do trauma sexual e o termo que ele v<strong>em</strong><br />
substituir numa ca<strong>de</strong>ia significante atual passa a centelha que fixa num<br />
sintoma – metáfora on<strong>de</strong> a carne ou a função são tomadas como el<strong>em</strong>ento<br />
significante – a significação, inacessível ao sujeito consciente on<strong>de</strong> ele po<strong>de</strong> se<br />
resolver 159 .<br />
Nesta perspectiva, Lacan <strong>de</strong>fine o sintoma como uma metáfora, no qual se vê operar,<br />
não um efeito <strong>de</strong> poesia ou <strong>de</strong> criação, mas <strong>de</strong> repressão. O sintoma, que no caso da<br />
histeria se inscreve no corpo, está no lugar <strong>de</strong> um significante que não se sabe qual é,<br />
apresentando-se como um enigma ao sujeito. Por ter uma estrutura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>,<br />
estando articulado à ca<strong>de</strong>ia significante, sustenta-se na separação entre significante e<br />
significado e po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cifrado, lido como um hieróglifo. É uma formação do<br />
inconsciente, e como tal surpreen<strong>de</strong>, se impõe, veiculando algo da verda<strong>de</strong> do sujeito.<br />
A concepção vigente nesta época do ensino <strong>de</strong> Lacan envolve a idéia <strong>de</strong> que o sintoma<br />
é o significante <strong>de</strong> um significado recalcado, cuja exegese psicanalítica, “numa<br />
libertação do sentido aprisionado, que vai da revelação do palimpsesto à palavra dada<br />
do mistério e ao perdão da fala”, 160 dissolverá os equívocos.<br />
Amor à mãe<br />
O amor pela mãe é uma das formas <strong>em</strong> que a questão amorosa é tratada por<br />
<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>em</strong> numerosas passagens <strong>de</strong> sua obra. Mas, apesar disso, o<br />
narrador do conto “Vestida <strong>de</strong> preto”, prevenindo conclusões precipitadas, nos adverte<br />
ironicamente: “Como se vê, jamais sofri do complexo <strong>de</strong> Édipo, graças a Deus. Toda<br />
a minha vida, mamãe e eu fomos muito bons amigos, s<strong>em</strong> nada <strong>de</strong> amores<br />
perigosos”. 161<br />
159 J. Lacan, “A instância da letra no inconsciente ou a razão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Freud”, Escritos, p. 522.<br />
160 Id<strong>em</strong>, “Função e campo da fala e da linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> psicanálise”, op. cit., p. 282. No final <strong>de</strong> seu<br />
ensino, Lacan articulará o sintoma ao real do gozo, per<strong>de</strong>ndo este o caráter <strong>de</strong> mensag<strong>em</strong> dirigida ao<br />
Outro. Havendo um resto sintomático inassimilável pelo simbólico, passará a falar numa “i<strong>de</strong>ntificação<br />
ao sintoma”, <strong>em</strong> saber fazer com seu sintoma, como final <strong>de</strong> análise. A experiência analítica, nesse<br />
sentido, per<strong>de</strong>rá esse caráter metafísico <strong>de</strong> libertação do significado aprisionado, absolvição pela<br />
palavra, revelação do que se encontra encoberto pelo sintoma.<br />
161 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “Vestida <strong>de</strong> preto”, Contos novos, p. 07. Tendo <strong>em</strong> conta o leitor aplicado <strong>de</strong> Freud<br />
que era <strong>Mário</strong>, <strong>de</strong>via ter conhecimento do mecanismo <strong>de</strong> negação e acreditar nele, o que nos leva a<br />
tomar esta afirmação como uma ironia do autor. O Édipo, assim como outros conceitos e noções<br />
freudianas, era uma matriz <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que estava operando nos escritos <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
outros escritores. A psicanálise, como vimos, já tinha um lugar na cultura, no pensamento da época.<br />
Com isso, quer<strong>em</strong>os sublinhar que <strong>Mário</strong> or<strong>de</strong>na certos escritos <strong>de</strong> maneira edípica, não porque sente<br />
isso ou aquilo por sua mãe, mas porque esta teoria estava <strong>em</strong> vigor naquele contexto cultural, era um<br />
gosto da época, especialmente entre os mo<strong>de</strong>rnistas.<br />
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