26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

léxico, abolindo limites, reinventando a fala brasileira no contato com as falas <strong>de</strong><br />

outros mundos, contaminando o velho francês da professora com o francês mo<strong>de</strong>rno<br />

das garotas, o francês com o português e vice-versa, a “higiene excessiva do corpo”<br />

intocado <strong>de</strong> Mad<strong>em</strong>oiselle, com a sexualida<strong>de</strong> transbordante das adolescentes e suas<br />

cochonneries inutiles. Há ainda outro atravessamento <strong>de</strong> fronteiras: trata-se dos<br />

limites entre a proteção da casa familiar e a “<strong>de</strong>svirginação escandalosa das ruas”,<br />

entre o privado e o público. Des<strong>de</strong> que fora tomada por aquele “mal <strong>de</strong> sexo”, a<br />

preceptora passa a ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> andar a pé, <strong>de</strong> ir aos lugares <strong>de</strong> encontro das<br />

multidões.<br />

Quanto mais crescia o mal do sexo, mais Mad<strong>em</strong>oiselle “se trompe <strong>de</strong> lisière”,<br />

e o engano maior aconteceu quando, indo à farmácia, foi parar atrás da catedral. O<br />

assunto a respeito do que se faz atrás das igrejas, da catedral <strong>de</strong> Rouen 156 , já havia<br />

surgido naquelas conversas imaginosas entre as três. Uma experiência intensa <strong>de</strong><br />

inquietação, atordoamento, a arrastava, “frolando” nos homens que passavam, para a<br />

“<strong>de</strong>rrière” 157 da catedral. Depois <strong>de</strong>sse dia lhe ficou “um fraco pela ‘<strong>de</strong>rrière’ das<br />

igrejas”. Os <strong>de</strong>vaneios da professora multiplicavam-se num quase <strong>de</strong>lírio, todos<br />

girando <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> uma fantasia <strong>de</strong> violação sexual com homens anônimos,<br />

<strong>de</strong>sconhecidos que transitavam na multidão. No ápice <strong>de</strong> suas construções<br />

imaginosas, finalmente ela “cairia nos braços <strong>de</strong>les, e eles a violariam s<strong>em</strong> pieda<strong>de</strong>,<br />

exatamente como suce<strong>de</strong>ra atrás da catedral <strong>de</strong> Ruão” 158 . No entanto, a experiência<br />

maior não chega a acontecer, e Mad<strong>em</strong>oiselle vislumbra o fim <strong>de</strong> suas ilusões ali, na<br />

esquina <strong>de</strong> sua rua; estava <strong>de</strong>sesperançosamente salva. Dá a cada um dos seus<br />

“perseguidores” uma moeda <strong>em</strong> agra<strong>de</strong>cimento pela boa companhia.<br />

Lacan, abordando também o sintoma histérico, fazendo uso <strong>de</strong> uma<br />

terminologia estruturalista, dirá:<br />

156 Tanto I. Rabello quanto A. L. Andra<strong>de</strong> nos recordam que Rouen é o lugar on<strong>de</strong> Joana D’Arc, “a<br />

‘santa’/virg<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rada ‘bruxa’ pelos inimigos, morre, e então se perpetua como símbolo do que<br />

resiste” (Rabello, op. cit., p. 114). A canonização <strong>de</strong> Joana D’Arc se <strong>de</strong>u nos anos 20, e <strong>Mário</strong>, com a<br />

m<strong>em</strong>ória viva do acontecimento, começa a escrever o conto <strong>em</strong> 1927.<br />

157 A expressão “atrás da catedral” evoca os jogos sexuais dos namorados que ali se escondiam,<br />

experimentando os <strong>de</strong>sejos proibidos. Derrière também po<strong>de</strong> significar o traseiro, a bunda <strong>de</strong> alguém,<br />

reforçando a conotação sexual da expressão “ <strong>de</strong>rrière da catedral”.<br />

158 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p. 69. Num conto <strong>de</strong> 1923, “O besouro e a Rosa” , o autor dos Contos Novos<br />

já abordara os t<strong>em</strong>as da sexualida<strong>de</strong>, da perda da virginda<strong>de</strong>, das solteironas e seus pecados na<br />

inconsciência, no qual uma fantasia sexual confun<strong>de</strong> os limites entre um orgasmo e um ataque<br />

histérico.<br />

71

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!