Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
virginda<strong>de</strong>”. A falha no reflexo psíquico é representada, na donzela marioandradina,<br />
quando ela <strong>em</strong> duas situações – um assassinato imaginário e a seqüência <strong>de</strong> espirros<br />
que surge quando estava, fantasiosamente, na iminência <strong>de</strong> ser sexualmente violada,<br />
falha ao contar os tiros que ouviu, e <strong>de</strong>pois, no “tiroteio” <strong>de</strong> espirros que soltou:<br />
“Poum! poum! poum! poum! (...) J’ai manqué un poum: ça fait cinq”, reconhecendo<br />
que se enganou <strong>de</strong> lisière; “E foram atchim, atchim, atchim, atchim. ‘J’ai manqué un<br />
atchim, n’est-ce pas?’” 152 .<br />
O reencontro <strong>de</strong> Mad<strong>em</strong>oiselle com as adolescentes e sua curiosida<strong>de</strong> sexual,<br />
parec<strong>em</strong> acordar o corpo erógeno da professora, afundado <strong>em</strong> suas blusinhas<br />
alvíssimas <strong>de</strong> rendinhas, ela que nesses assuntos tinha muito a apren<strong>de</strong>r com suas<br />
alunas: “ela ia saborear todos os dias nas conversas com as meninas, um naco elástico<br />
dos gozos que <strong>em</strong> pouco elas irão viver” 153 . Inventavam palavras aparent<strong>em</strong>ente s<strong>em</strong><br />
sentido, “onomatopéias pressentidas”, mas para elas repletas <strong>de</strong> sentido (sexual),<br />
ainda que Mad<strong>em</strong>oiselle advertisse que eram apenas “cochonneries inutiles”. Num<br />
<strong>de</strong>sses dias <strong>em</strong> que a conversa esquentou, e as três estiveram muito maliciosas, Alba,<br />
suspirando após <strong>de</strong>scer as mãos pelo corpo, antes <strong>de</strong> dormir, fala à irmã: “Me sinto<br />
freudiana, hoje... Acho que vou sonhar tarlatanagens”. Brincando com a língua, as<br />
meninas vão falando um idioma <strong>em</strong> que prevalece a dubieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido, o dizer nas<br />
entrelinhas que <strong>de</strong>ixa escapar o significado retido, metáforas, neologismos,<br />
metonímias, que revelam a estrutura <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> do inconsciente. Conforme afirma<br />
Rabello <strong>em</strong> relação a este conto, “a verda<strong>de</strong>ira protagonista é a linguag<strong>em</strong>, espaço<br />
on<strong>de</strong> <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> <strong>de</strong>sejos que, recalcados, <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> <strong>em</strong> fragmentos e <strong>em</strong> núcleos<br />
fabulatórios”. 154 Além disso, contudo, como observa Ana L. Andra<strong>de</strong>, “‘Atrás da<br />
Catedral <strong>de</strong> Ruão’ é tanto a contaminação <strong>de</strong> uma linguag<strong>em</strong> sexual à linguag<strong>em</strong><br />
pudica da professora (que, ao invés <strong>de</strong> ensinar, apren<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas alunas) quanto a<br />
contaminação da linguag<strong>em</strong> freudiana/francesa no português. Aportuguesamentos e<br />
afrancesamentos corromp<strong>em</strong>, <strong>de</strong> um só golpe, tanto o ‘puritanismo’ lingüístico quanto<br />
a pose formal <strong>de</strong> Mad<strong>em</strong>oiselle”. 155 Operação marioandradina que “<strong>de</strong>sgeografica” o<br />
151 J. Breuer y S. Freud, “Estudios sobre la histeria”, op. cit., v. II, p. 218.<br />
152 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., pp 52 e 71. “Poum...poum...poum...”, também era o som dos passos dos<br />
perseguidores <strong>de</strong> Mad<strong>em</strong>oiselle, <strong>em</strong> sua fantasia <strong>de</strong> violação. Na leitura <strong>de</strong> Rabello, o ‘atchim’ e o<br />
‘poum’ - “prazeirozo e escatológico” - assinalam a ânsia da <strong>de</strong>scarga, da relação sexual que não chega<br />
a acontecer.<br />
153 M . <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, op. cit., p. 56.<br />
154 I. D. Rabello, A caminho do encontro – Uma leitura <strong>de</strong> “Contos novos”, p. 104.<br />
155 A. L. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “Entre o Ruão e a Donzela: a mulher, do sexo à linguag<strong>em</strong>”, Travessia, p. 146.<br />
70