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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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ficara assim, boca no ar, olhos assombrados, na convulsão <strong>de</strong> uma angústia horrível.<br />

N<strong>em</strong> podia respirar. Quando pô<strong>de</strong> respirou fundo, era mais um suspiro que respiro, e<br />

não se compreen<strong>de</strong>u” 150 . Daquele dia <strong>em</strong> diante, esqueceu da canção e passou a “se<br />

tromper <strong>de</strong> lisière”. Desta maneira, o narrador, parodiando o psicanalista, esclarece o<br />

uso <strong>de</strong>slocado e substitutivo que faz Mad<strong>em</strong>oiselle da expressão “lisière du bois” da<br />

canção infantil, motivo dos equívocos freqüentes que comete a professora ao falar.<br />

Como as histéricas <strong>de</strong> Freud, a <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> per<strong>de</strong> a voz, sente-se<br />

sufocada, produzindo um sintoma conversivo seguido <strong>de</strong> um esquecimento acerca do<br />

evento <strong>em</strong> questão. Isto sugere que neste instante um significante caiu sob repressão.<br />

No artigo metapsicológico sobre a repressão, ao tratar da histeria <strong>de</strong> conversão, Freud<br />

atenta para que o representante pulsional é retirado da consciência, a quota <strong>de</strong> afeto<br />

(parcela quantitativa do representante pulsional) <strong>de</strong>saparecendo totalmente, <strong>de</strong> modo<br />

tal que o paciente apresentaria, <strong>em</strong> relação ao seu sintoma, o que Charcot <strong>de</strong>nominava<br />

la belle indifférence <strong>de</strong>s hystériques. O sintoma surge no corpo através <strong>de</strong> inervações<br />

somáticas, sensoriais ou motoras, como excitação ou inibição.<br />

Com relação à construção <strong>de</strong> sua personag<strong>em</strong>, é possível inferir a leitura <strong>de</strong><br />

<strong>Mário</strong> dos “Estudos sobre a histeria” (1893-95) <strong>de</strong> Freud e Josef Breuer. Na parte<br />

teórica dos Estudos, ao discorrer sobre a conversão histérica, Breuer, trabalhando com<br />

uma psicanálise que se apoiava <strong>em</strong> metáforas neurológicas, traz o ex<strong>em</strong>plo do espirro<br />

como mo<strong>de</strong>lo do que acontece quando um reflexo psíquico falha <strong>em</strong> sua ocorrência.<br />

Neste caso, se o estímulo na mucosa nasal não produz o reflexo do espirro, a<br />

excitação gerada, não <strong>de</strong>scarregada pelas vias motoras, difun<strong>de</strong>-se pelo encéfalo, aí<br />

subsistindo. Quando se trata do surgimento <strong>de</strong> certa representação, se a excitação<br />

mental que <strong>de</strong>veria produzir-se é substituída por uma excitação <strong>de</strong> vias periféricas,<br />

nenhum afeto notável é gerado. Segundo Breuer, “a conversão histérica é <strong>em</strong> tal caso<br />

completa; a excitação originariamente intracerebral do afeto foi transformada no<br />

processo excitatório <strong>de</strong> vias periféricas; a representação originariamente afetiva já não<br />

convoca o afeto, mas somente o reflexo anormal” 151 . Mad<strong>em</strong>oiselle estava<br />

freqüent<strong>em</strong>ente resfriada, com o nariz vermelho e pingando, consumindo<br />

medicamentos homeopáticos, que já não funcionavam mais para sua bronquite. E<br />

quanto mais cresciam suas fantasias sexuais – “une chair vive contre une chair vive” –<br />

mais espirrava, acreditando que “as ‘constipações’ proteg<strong>em</strong> contra os assaltos à<br />

150 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />

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