Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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Banquete para falar do conceito da pulsão sexual. No primeiro ensaio, intitulado As aberrações sexuais, declara seu espanto diante do fato de muitos homens e mulheres encontrarem como objeto sexual pessoas do mesmo sexo e não do sexo oposto, como faria supor o mito do uno sexual de Aristófanes. A inovação que traz Freud em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade é a de apontar que a sexualidade humana é polimorfa e aberrante. Ele vai mostrar, em relação à finalidade biológica da reprodução e à cópula sexual, o desvio, o deslocado, o aberrante da sexualidade. Seguindo Lacan, podemos afirmar que, a partir da teoria freudiana da sexualidade, com a perda da crença numa inocência infantil, em relação à instância da sexualidade, todos os sujeitos estão em igualdade, desde a criança até o adulto - que eles só têm a ver com aquilo que, da sexualidade, passa para as redes da constituição subjetiva, para as redes do significante - que a sexualidade só se realiza pela operação das pulsões, no que elas são parciais, parciais em relação à finalidade biológica da sexualidade. 139 Neste sentido, Três ensaios vem questionar a função do uno na sexualidade, ou seja, vem desmentir a idéia de que haja complementaridade na relação entre os sexos. É possível dizer que aqui Freud se antecipa ao aforismo lacaniano que postula: não há relação sexual. Isto é, não há nada no psiquismo determinando que alguém seja homem ou mulher e que encontre no Outro sexo sua complementaridade. Não existe nenhum direcionamento natural, instintivo, ao sexo oposto; nenhuma condição necessária e suficiente que estabeleça ser um sexo o complemento do outro. Não há condição universal da escolha de objeto na espécie humana. Mário, ainda em Amar..., ao querer justificar um possível questionamento acerca de sua personagem Fräulein, que esta não concordaria consigo mesma, apóiase nas teorias de Fliess, Kraff-Ebbing e em Freud, ao dizer que este vem “fortificar as escrituras” daqueles, em relação à nossa “imperfeita bizarria”, como argumentação em favor da discordância essencial da personalidade: “Somos misturas incompletas, assustadoras incoerências, metades, três-quartos e quando muito nove décimos”. E em seguida assevera em letras garrafais – “não existe mais uma única pessoa inteira neste mundo e nada mais somos que discórdia e complicação” 140 . Tal concepção do humano e da personalidade, que Mário apresenta neste trecho, encontra-se em sintonia com as 138 Idem, p.24. 139 J. Lacan, “A pulsão parcial e seu circuito”, O Seminário, livro XI, p.167. 140 M. de Andrade, op. cit., pp 61-62. 65
teorias da época, citadas pelo próprio autor, das quais se inclui o que veio aportar a psicanálise sobre a sexualidade e sobre a divisão do sujeito. No capítulo VI do Além do princípio do prazer, encontra-se outra referência de Freud a O banquete. Freud esclarece que seu recurso ao mito, neste caso, se deve à falta de uma explicação científica para a gênese da sexualidade. O que o mito das duas metades que se buscam para restabelecer sua unidade vem ilustrar é “uma necessidade de restaurar um estado anterior de coisas” 141 , remontando, assim, à origem da pulsão. Freud introduz o conceito de Eros como princípio fundamental das pulsões de vida, tendência do organismo de manter a coesão da substância viva e de criar novas unidades. Desenvolve uma mitologia biológica, onde a libido, numa tendência unificadora das partículas da substância viva, agiria a nível celular. A função unificadora de Eros está presente no Banquete e, segundo palavras do próprio Freud no prefácio à quarta edição dos Três ensaios, vê-se que foi aí que ele se inspirou para desenvolver sua teoria da libido: E quanto à nossa extensão do conceito de sexualidade, que se tornou necessária pela análise de crianças e dos que se chamam os pervertidos, quem quer que olhe com desdém a psicanálise do alto de sua superioridade, deveria recordar quão intimamente essa idéia de sexualidade ampliada da psicanálise, coincide com o Eros do divino Platão 142 . O despertar do desejo A questão da iniciação amorosa, do despertar da sexualidade na infância e, mais freqüentemente, na adolescência, as experiências e conflitos desencadeados a partir daí, desponta como temática central de vários contos de Mário de Andrade, além do conhecido idílio Amar, verbo intransitivo. Em “Vestida de preto” 143 (1942), o 141 S. Freud, “Más allá del principio del placer”, op.cit., vol. XVIII, p.56. 142 Idem, “Tres ensayos de teoría sexual”, op.cit., vol. VII, p.1. Laplanche e Pontalis alertam para o risco “de reduzir sempre o alcance da sexualidade em favor de suas manifestações sublimadas”, ao se utilizar o termo ‘Eros’. Freud assinala que aqueles que não se sentem à vontade para se referirem à sexualidade, podem usar a palavra Eros, porém adverte o inconveniente do termo, caso seu uso vise a disfarçar a sexualidade. ( Diccionario de psicoanálisis, p.121). 143 O título do conto parodia os versos do hino religioso dedicado à Virgem Maria: “Vestida de branco/ Ela apareceu”. Contrastando com a imagem da Virgem, Maria namoradeira, num reencontro com Juca, ambos na juventude, aparece na sala, onde este contemplava uma gravura cor de rosa: “Maria estava na porta, olhando pra mim, se rindo, toda vestida de preto (...) se eu já tive a sensação da vontade de Deus, foi ver Maria assim, toda de preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei a ficar estarrecido” ( Contos Novos, p.17). 66
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teorias da época, citadas pelo próprio autor, das quais se inclui o que veio aportar a<br />
psicanálise sobre a sexualida<strong>de</strong> e sobre a divisão do sujeito.<br />
No capítulo VI do Além do princípio do prazer, encontra-se outra referência<br />
<strong>de</strong> Freud a O banquete. Freud esclarece que seu recurso ao mito, neste caso, se <strong>de</strong>ve à<br />
falta <strong>de</strong> uma explicação científica para a gênese da sexualida<strong>de</strong>. O que o mito das<br />
duas meta<strong>de</strong>s que se buscam para restabelecer sua unida<strong>de</strong> v<strong>em</strong> ilustrar é “uma<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restaurar um estado anterior <strong>de</strong> coisas” 141 , r<strong>em</strong>ontando, assim, à<br />
orig<strong>em</strong> da pulsão. Freud introduz o conceito <strong>de</strong> Eros como princípio fundamental das<br />
pulsões <strong>de</strong> vida, tendência do organismo <strong>de</strong> manter a coesão da substância viva e <strong>de</strong><br />
criar novas unida<strong>de</strong>s. Desenvolve uma mitologia biológica, on<strong>de</strong> a libido, numa<br />
tendência unificadora das partículas da substância viva, agiria a nível celular. A<br />
função unificadora <strong>de</strong> Eros está presente no Banquete e, segundo palavras do próprio<br />
Freud no prefácio à quarta edição dos Três ensaios, vê-se que foi aí que ele se<br />
inspirou para <strong>de</strong>senvolver sua teoria da libido:<br />
E quanto à nossa extensão do conceito <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>, que se tornou<br />
necessária pela análise <strong>de</strong> crianças e dos que se chamam os pervertidos,<br />
qu<strong>em</strong> quer que olhe com <strong>de</strong>sdém a psicanálise do alto <strong>de</strong> sua<br />
superiorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>veria recordar quão intimamente essa idéia <strong>de</strong><br />
sexualida<strong>de</strong> ampliada da psicanálise, coinci<strong>de</strong> com o Eros do divino<br />
Platão 142 .<br />
O <strong>de</strong>spertar do <strong>de</strong>sejo<br />
A questão da iniciação amorosa, do <strong>de</strong>spertar da sexualida<strong>de</strong> na infância e,<br />
mais freqüent<strong>em</strong>ente, na adolescência, as experiências e conflitos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados a<br />
partir daí, <strong>de</strong>sponta como t<strong>em</strong>ática central <strong>de</strong> vários contos <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
além do conhecido idílio Amar, verbo intransitivo. Em “Vestida <strong>de</strong> preto” 143 (1942), o<br />
141 S. Freud, “Más allá <strong>de</strong>l principio <strong>de</strong>l placer”, op.cit., vol. XVIII, p.56.<br />
142 Id<strong>em</strong>, “Tres ensayos <strong>de</strong> teoría sexual”, op.cit., vol. VII, p.1. Laplanche e Pontalis alertam para o<br />
risco “<strong>de</strong> reduzir s<strong>em</strong>pre o alcance da sexualida<strong>de</strong> <strong>em</strong> favor <strong>de</strong> suas manifestações sublimadas”, ao se<br />
utilizar o termo ‘Eros’. Freud assinala que aqueles que não se sent<strong>em</strong> à vonta<strong>de</strong> para se referir<strong>em</strong> à<br />
sexualida<strong>de</strong>, pod<strong>em</strong> usar a palavra Eros, porém adverte o inconveniente do termo, caso seu uso vise a<br />
disfarçar a sexualida<strong>de</strong>. ( Diccionario <strong>de</strong> psicoanálisis, p.121).<br />
143 O título do conto parodia os versos do hino religioso <strong>de</strong>dicado à Virg<strong>em</strong> Maria: “Vestida <strong>de</strong> branco/<br />
Ela apareceu”. Contrastando com a imag<strong>em</strong> da Virg<strong>em</strong>, Maria namora<strong>de</strong>ira, num reencontro com Juca,<br />
ambos na juventu<strong>de</strong>, aparece na sala, on<strong>de</strong> este cont<strong>em</strong>plava uma gravura cor <strong>de</strong> rosa: “Maria estava na<br />
porta, olhando pra mim, se rindo, toda vestida <strong>de</strong> preto (...) se eu já tive a sensação da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus,<br />
foi ver Maria assim, toda <strong>de</strong> preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei<br />
a ficar estarrecido” ( Contos Novos, p.17).<br />
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