Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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oco, <strong>de</strong> um vazio, ocupável, nos diz Freud, por não importa que objeto, e cuja<br />
instância só conhec<strong>em</strong>os na forma <strong>de</strong> objeto perdido, a minúsculo” 124 .<br />
A pulsão contorna o objeto, irr<strong>em</strong>ediavelmente faltante, e neste movimento se<br />
satisfaz. O contorno, a volta, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser tomados <strong>de</strong>ntro da ambigüida<strong>de</strong> da língua: ela<br />
dá a volta <strong>em</strong> torno da borda, mas também, volta, no sentido <strong>de</strong> uma escamoteação,<br />
pois ela não chega a fisgá-lo. Como diz Lacan, a respeito da pulsão oral, mostrando<br />
que não é pelo alimento que ela se satisfaz “ela não faz outra coisa senão encomendar<br />
o menu”. Por ser<strong>em</strong> parciais, estando <strong>em</strong> relação com partes do corpo, com as zonas<br />
erógenas, as pulsões não se unificam <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um objeto genital, pleno e<br />
harmonioso, que levaria a uma suposta maturida<strong>de</strong>. Pois “se a pulsão po<strong>de</strong> ser<br />
satisfeita s<strong>em</strong> ter atingido aquilo que, <strong>em</strong> relação a uma totalização biológica da<br />
função, seria a satisfação do seu fim <strong>de</strong> reprodução, é que ela é pulsão parcial, e que<br />
seu alvo não é outra coisa senão esse retorno <strong>em</strong> circuito” 125 .<br />
Ainda sobre a pulsão, Lacan afirma que ela se parece com uma montag<strong>em</strong><br />
numa colag<strong>em</strong> surrealista – ela não t<strong>em</strong> pé n<strong>em</strong> cabeça, é acefálica. E nos propõe a<br />
seguinte imag<strong>em</strong> da pulsão: “a marcha <strong>de</strong> um dínamo acoplado na tomada <strong>de</strong> gás, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> sai a pena <strong>de</strong> um pavão que v<strong>em</strong> fazer cócegas no ventre <strong>de</strong> uma bela mulher<br />
que lá está incluída para a beleza da coisa” 126 . O mecanismo po<strong>de</strong> se inverter, <strong>de</strong><br />
forma que os fios do dínamo <strong>de</strong>senrolados pod<strong>em</strong> tornar-se a pena <strong>de</strong> pavão, a tomada<br />
do gás passando pela boca da moça e “pelo meio sai um sobre <strong>de</strong> ave”.<br />
Fomes amorosas<br />
A t<strong>em</strong>ática do erotismo perpassa boa parte da obra marioandradina, ora <strong>de</strong><br />
modo mais alusivo, indireto, como uma atmosfera, um toque <strong>de</strong> sensualida<strong>de</strong>, ora <strong>de</strong><br />
maneira mais explicitada, clara, ela aparece, ainda sob a forma <strong>de</strong> referências à teoria<br />
freudiana da sexualida<strong>de</strong>, num diálogo do autor com o mestre da psicanálise. É o que<br />
ilustra este trecho <strong>de</strong> Amar, verbo intransitivo no qual o personag<strong>em</strong> Sousa Costa<br />
tenta explicar à esposa o sentido da presença <strong>de</strong> Fräulein na sua casa. Esta fica<br />
indignada com a síntese da explicação: estava ali para satisfazer as “primeiras fomes<br />
amorosas do rapaz”. Nesse ponto, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> intervém: “Este circunlóquio das<br />
124 Id<strong>em</strong>, p.170.<br />
125 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />
126 Id<strong>em</strong>, p.161.<br />
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