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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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interesse <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> por uma experiência <strong>de</strong> significado coletivizável presentifica o<br />

clássico ensaio <strong>de</strong> Walter Benjamin sobre “O narrador”, <strong>de</strong> 1933. Nele, Benjamin<br />

<strong>de</strong>tecta a <strong>de</strong>gradação da Erfahrung, experiência coletiva, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento da Erlebnis,<br />

experiência vivida do indivíduo isolado, característica do mundo capitalista mo<strong>de</strong>rno.<br />

Estas mudanças enlaçam-se com o <strong>de</strong>saparecimento da arte <strong>de</strong> narrar que implica uma<br />

experiência transmitida <strong>de</strong> um para outro, uma m<strong>em</strong>ória e uma palavra comuns.<br />

Consi<strong>de</strong>ra que as melhores narrativas escritas são as que mais se aproximam daquelas<br />

orais <strong>de</strong> narradores anônimos, dividindo-os <strong>em</strong> dois grupos: o representado pelo<br />

marinheiro comerciante e o ex<strong>em</strong>plificado pelo camponês se<strong>de</strong>ntário. Enquanto o que<br />

vinha <strong>de</strong> longe tinha muito a contar por causa das viagens que fazia, o que ganhou a<br />

vida s<strong>em</strong> sair <strong>de</strong> seu país conhece a sua história e as suas tradições. Ouvimos aqui os<br />

ecos do narrador benjaminiano no cancioneiro popular, compositor anônimo, seja o<br />

marujo viajante ou o colono instalado na terra, que cantam a dona ausente. Os dois<br />

grupos <strong>de</strong> narradores, com os seus diferentes estilos <strong>de</strong> vida não estão, no entanto,<br />

apartados, mas encontram-se interrelacionados. Foi o sist<strong>em</strong>a corporativo medieval<br />

que contribuiu sobr<strong>em</strong>aneira para tal relação.<br />

O mestre se<strong>de</strong>ntário e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma<br />

oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes <strong>de</strong> se fixar <strong>em</strong> sua<br />

pátria ou no estrangeiro. Se os camponeses e os marujos tinham sido mestres<br />

na arte <strong>de</strong> narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram. No sist<strong>em</strong>a<br />

corporativo associava-se o saber das terras distantes, trazidos para casa pelos<br />

migrantes, com o saber do passado, recolhido pelo trabalhador se<strong>de</strong>ntário. 113<br />

Benjamin associa a narrativa antiga ao trabalho do artesão, chegando a dizer<br />

que a própria narrativa é uma forma artesanal <strong>de</strong> comunicação, sustentada no seu<br />

fluxo pela coor<strong>de</strong>nação entre “a alma, o olho e a mão”. Elucidando a natureza da<br />

narrativa, nos ensina que ela t<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre uma dimensão utilitária, ainda que <strong>de</strong> forma<br />

latente. Po<strong>de</strong> ser uma sugestão prática, um ensinamento moral, uma norma <strong>de</strong> vida,<br />

enfim, um conselho a dar. O narrador extrai o que conta da própria experiência ou<br />

daquela relatada por outros, incorporando as histórias narradas à experiência daqueles<br />

que o escutam, on<strong>de</strong> se revela uma comunida<strong>de</strong> entre vida e palavra. 114 Outra<br />

113 W. Benjamin, “O narrador – Consi<strong>de</strong>rações sobre a obra <strong>de</strong> Nikolai Leskov”, Obras escolhidas, vol.<br />

I. Magia e técnica, arte e política, p. 199.<br />

114 “Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso”.<br />

Resgatando o ex<strong>em</strong>plo do vaso que Lacan toma <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger, talvez pudéss<strong>em</strong>os pensar esta forma <strong>de</strong><br />

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