Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O objeto artístico, para Lacan, não se constitui a partir <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> sentido,<br />
como na língua. A tentativa <strong>de</strong> interpretação das obras <strong>de</strong> arte resulta da confusão<br />
entre repressão e sublimação, pois o que seria interpretável é o retorno do reprimido.<br />
Como sublinha Miller, o objeto enquanto tal distingui-se das relações<br />
significante/significado. “A arte começa on<strong>de</strong> o que não po<strong>de</strong> ser dito po<strong>de</strong> ser<br />
mostrado – Wittgenstein assinalou – e, inclusive, exibido”. 106<br />
De acordo com Lacan, a obra <strong>de</strong> arte viria a envolver o vazio, a falta central<br />
na linguag<strong>em</strong>, teorizada no s<strong>em</strong>inário VII como das Ding, a Coisa. A Coisa, enquanto<br />
lugar vazio, r<strong>em</strong>eteria à castração freudiana e ao vazio do sujeito ($). O ex<strong>em</strong>plo<br />
paradigmático utilizado por Lacan para metaforizar a mo<strong>de</strong>lag<strong>em</strong> do significante,<br />
introduzindo uma hiância no real, é o vazio criado pelo vaso ao ser produzido pelas<br />
mãos do oleiro. Este objeto criado permitiria representar a Coisa, e não evitá-la, como<br />
aconteceria se se tratasse <strong>de</strong> uma operação <strong>de</strong>fensiva contra o horror da Coisa. Tal<br />
operação <strong>de</strong>fensiva é realizada pelo simbólico e pelo imaginário que velam das Ding,<br />
vazio no centro do real. Este vazio, diz Lacan, “apresenta-se, efetivamente, como um<br />
nihil, como nada. E é por isso que o oleiro (...) cria o vaso <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>sse vazio com<br />
sua mão, o cria assim como o criador mítico, ex nihilo, a partir do furo”. 107 Muitos<br />
objetos criados pelo hom<strong>em</strong>, a própria arquitetura, reflet<strong>em</strong> esta construção <strong>em</strong> torno<br />
<strong>de</strong> um vazio. Assim, o objeto <strong>de</strong> arte “elevado à dignida<strong>de</strong> da Coisa” po<strong>de</strong> ser<br />
concebido como algo que contorna este vazio e não como resultado <strong>de</strong> frustrações e<br />
inibições do artista. Mas o que é esse vazio a que nos referimos? É a perda <strong>de</strong> gozo<br />
que sofre o vivente por ser capturado pela estrutura da linguag<strong>em</strong>, tornando-se um<br />
parlêtre. Este esvaziamento <strong>de</strong> gozo foi representado por Lacan ao longo <strong>de</strong> seu<br />
ensino <strong>de</strong> diversas maneiras: como castração ou (-ϕ), como falta <strong>em</strong> ser ($) e, por<br />
último, como a inexistência da relação sexual.<br />
O caráter sinistro <strong>de</strong> das Ding po<strong>de</strong> ser velado pela beleza, seja das formas,<br />
dos gestos humanos, da criação artística ou da natureza. Para Lacan, a beleza constitui<br />
a última barreira ao campo da Coisa. Esta, como outras barreias, impediriam o acesso<br />
do <strong>de</strong>sejo ao gozo. Evocando São Tomás <strong>de</strong> Aquino, Lacan dirá que o belo t<strong>em</strong> como<br />
efeito intimidar, suspen<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sejo, ainda que <strong>em</strong> alguns momentos possa se<br />
conjugar com ele. Estaríamos na vertente do imaginário, on<strong>de</strong> a arte serviria ao<br />
princípio do prazer, como tela <strong>de</strong> proteção contra o horror. A dimensão fantasmática<br />
106 J-A. Miller, Los signos <strong>de</strong>l goce, p.321.<br />
50