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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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do ganha-pão, seria alcançada ao preço do abandono da mulher amada. 91 Talvez<br />

<strong>Mário</strong> procurasse com o termo seqüestro traduzir esta experiência violenta <strong>de</strong><br />

separação dos amantes, somente po<strong>de</strong>ndo expressar-se lateralmente, indiretamente,<br />

nas cantigas e quadrinhas do folclore luso-brasileiro. Tal é o modo próprio que o<br />

inconsciente t<strong>em</strong> <strong>de</strong> aparecer, como um s<strong>em</strong>i-dizer, um dizer ao lado, <strong>de</strong> viés, assim<br />

como surgia – revela-nos o estudioso do seqüestro – o <strong>de</strong>sejo do amante <strong>de</strong><br />

reencontrar a dona ausente que “achara um jeito simbólico <strong>de</strong> o enunciar. De o dizer<br />

s<strong>em</strong> o dizer”. Por ação do recalcamento, o inconsciente só po<strong>de</strong> surgir<br />

fragmentariamente, através <strong>de</strong> pedaços que alud<strong>em</strong> ao material reprimido.<br />

Na edição genética d’ O seqüestro da dona ausente, Ricardo S. <strong>de</strong> Carvalho<br />

recorta um trecho dos manuscritos <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>em</strong> que este apontaria para a escolha do<br />

termo:<br />

Pela força penosa das verificações a que induzia a confissão textual da falta da<br />

mulher se explica a razão <strong>de</strong>sta falta ter sido seqüestrada com tamanha<br />

ve<strong>em</strong>ência pelo português, pelo espanhol e pelos brasileiros dos primeiros<br />

séculos, a ponto do folclore, que eu saiba, não apresentar nenhum documento<br />

<strong>de</strong> nenhum gênero verificando com franqueza a falta que fazia a dona<br />

ausente. 92<br />

A tradução marioandradina da terminologia freudiana para seqüestro produziu<br />

efeitos, tendo seu uso incorporado por teóricos da literatura, como Eneida Maria <strong>de</strong><br />

Souza no artigo “A dona ausente”, e Elisa Kossovitch <strong>em</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, plural.<br />

Alguns psicanalistas, durante um s<strong>em</strong>inário acontecido paralelamente à exposição<br />

“Brasil: psicanálise e mo<strong>de</strong>rnismo”, também fizeram uso do termo, como afirma a<br />

curadora da exposição Maria Angela Moretzon. 93<br />

90 Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>.<br />

91 No s<strong>em</strong>inário XI, Lacan, ao trabalhar a operação <strong>de</strong> causação do sujeito <strong>de</strong>nominada alienação – a<br />

outra é a separação –, representa a entrada do sujeito na via do sentido através da escolha a ser feita<br />

entre o ser e o sentido: se elege o ser, o sujeito <strong>de</strong>saparece, cai no s<strong>em</strong>-sentido; elegendo o sentido, faz<br />

isto ao preço da perda <strong>de</strong> uma parte <strong>de</strong> sentido, que é o que constitui o inconsciente. “É da natureza<br />

<strong>de</strong>sse sentido, tal como ele v<strong>em</strong> a <strong>em</strong>ergir no campo do Outro, ser, numa gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> seu campo,<br />

eclipsado pelo <strong>de</strong>saparecimento do ser induzido pela função mesma do significante” (p. 200). O que<br />

Lacan chama <strong>de</strong> vel da alienação é dramatizado através do ex<strong>em</strong>plo “a bolsa ou a vida!” ou “a<br />

liberda<strong>de</strong> ou a morte!”. Em qualquer uma das escolhas entra <strong>em</strong> jogo um fator letal. Em minha<br />

dissertação <strong>de</strong> mestrado, intitulada “Alienação e separação: a dupla causação do sujeito” (UFSC,1998),<br />

trabalhei <strong>de</strong>talhadamente estas duas operações.<br />

92 R. S. <strong>de</strong> Carvalho, op. cit., p. 22. Cf. Raúl Antelo: é possível estabelecer uma ligação entre seqüestro,<br />

Entführung e Erfahrung “como ex-periência don<strong>de</strong> o seqüestro seria um saber <strong>de</strong>salojado, arrancado,<br />

assim como a experiência conota violência" (Exame <strong>de</strong> qualificação, UFSC, 2002, mimeo.).<br />

93 Entrevista concedida ao jornal goiano “O Popular”, Ca<strong>de</strong>rno 2, outubro <strong>de</strong> 2000.<br />

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