Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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26.02.2014 Views

A repressão propriamente dita, ou repressão secundária, caracteriza um segundo tempo no processo da repressão. Ela atua sobre os derivados psíquicos do representante reprimido, ou sobre cadeias de pensamento que tenham relação associativa com ele, de modo que eles experimentarão o mesmo destino que o reprimido primordial. Por isto, nos ensina Freud, “a repressão é uma pressão posterior (Nachdrängen)”. 80 Em Análise terminável e interminável (1937), ao referir-se a tal processo, empregará o termo Nachverdrängung que significa pós-repressão ou repressão ulterior. Lacan, no seminário I, retoma esta idéia de Freud ao dizer: “A Verdrängung é sempre uma Nachverdrängung”. 81 A repressão trabalha de maneira individual, isto é, os representantes a serem reprimidos são tomados um a um. Ela é extremamente móbil, não atua necessariamente sobre o mesmo representante. Um representante que foi num dado momento reprimido, em outro pode não o ser. De acordo com Freud, trata-se de mudanças no “jogo das forças mentais”: o que provocou desprazer pode vir a dar lugar ao prazer. É preciso salientar que a repressão não é um estado, mas um processo; não ocorre de uma vez por todas, trabalha incessantemente, sendo necessária a sua reiteração. “A repressão exige um dispêndio persistente de força, e se esta viesse a cessar, o êxito da repressão correria perigo, tornando-se necessário um novo ato de repressão”. 82 Isto porque o reprimido exerce uma pressão contínua em direção ao consciente, de modo que podemos inferir que o inconsciente quer se realizar, quer se dizer. Estudando os efeitos da repressão nas psiconeuroses, foi possível a Freud verificar que, apesar da repressão, os representantes pulsionais continuam a existir no inconsciente, se organizam, formam derivados e conexões. Este dado levou-o a concluir que a repressão só interfere na relação do representante com o sistema psíquico consciente. Assim, o representante reprimido retirado da influência da consciência se prolifera e desenvolve-se mais vivamente, encontrando formas de se expressar, seja num sonho, num sintoma ou noutra formação do inconsciente. As formações substitutivas (Freud) ou formações do inconsciente (Lacan) são indícios de um retorno do reprimido, que pode ser considerado como um terceiro 80 S. Freud, “La represión”, p. 143. Segundo Luiz Hanns “ Nachdrängen significa literalmente ‘empurrar/desalojar após’, ou ‘empurrar/desalojar em seguida’, e expressa a idéia de que um ato de empurrar/desalojar é seguido pelo outro e assim sucessivamente.” ( Dicionário comentado do Alemão de Freud, p. 361). 81 J. Lacan, Os escritos técnicos de Freud, O seminário, livro I, p. 185. 37

tempo da repressão. Freud articulou o estudo da repressão com as diferentes psiconeuroses – histeria, neurose obsessiva e fobia –, mostrando em cada uma delas a articulação do recalque com outros mecanismos, como a condensação e o deslocamento, contra-investindo representações derivadas ou partes do próprio corpo. É a partir do retorno do reprimido, dos efeitos da repressão, que podemos deduzir a repressão secundária. O seqüestro e os seus termos Encontramos na produção textual de Mário de Andrade momentos em que a palavra seqüestro aparece como sinônimo de recalque, no sentido psicanalítico do termo. Porém, em outros momentos, o termo é usado em sentido mais amplo para indicar algum mecanismo inconsciente, ou seja, um deslocamento, uma condensação, a sublimação, dentre outros. Desde o momento em que obtive a informação da tradução que o escritor havia dado à Verdrängung freudiana, perguntei-me o que o teria levado a traduzir o termo por seqüestro. Levando-se em conta que Mário leu Freud em traduções francesas, é possível levantar a questão da relação de afinidade semântica entre os termos Verdrängung, refoulement e recalque com seqüestro, que em alemão é Entführung. O que o teria conduzido a esta tradução? Tende-se, a princípio, a concordar com Telê Ancona Lopez quando esta afirma que Para ele, o fenômeno a que batiza ‘Seqüestro da dona ausente’ vale como a nota dominante do sentimento amoroso no Brasil, fortemente vincada na criação poética popular. Sendo assim, reveste-se de significado maior a interpretação diferenciada que faz, recusando-se a traduzir refoulement exclusivamente como recalque. Mesmo sem negar a raiz teórica do mestre de Viena, visa à equivalência e à particularidade. 83 O termo alemão Verdrängung é composto pelo prefixo ver, pelo radical dräng e pelo sufixo de substantivação ung. Segundo o Dicionário comentado do Alemão de Freud , ver é um “prefixo que em geral designa as conseqüências de ‘ir muito adiante’ (seja temporalmente ou geograficamente). Além disto, indica fenômenos bastante contíguos: ‘transformação, ‘fechamento’, ‘extinção’, ‘gasto’, ‘perda’, ‘lapsos’, etc. Também pode indicar a ‘intensificação de uma ação’(a ação se mantém ‘indo adiante’ 82 S. Freud, “La represión”, p. 146. 83 T. A. Lopez, Mariodeandradiantdo, p. 19. 38

t<strong>em</strong>po da repressão. Freud articulou o estudo da repressão com as diferentes<br />

psiconeuroses – histeria, neurose obsessiva e fobia –, mostrando <strong>em</strong> cada uma <strong>de</strong>las a<br />

articulação do recalque com outros mecanismos, como a con<strong>de</strong>nsação e o<br />

<strong>de</strong>slocamento, contra-investindo representações <strong>de</strong>rivadas ou partes do próprio corpo.<br />

É a partir do retorno do reprimido, dos efeitos da repressão, que pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>duzir a<br />

repressão secundária.<br />

O seqüestro e os seus termos<br />

Encontramos na produção textual <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> momentos <strong>em</strong> que a<br />

palavra seqüestro aparece como sinônimo <strong>de</strong> recalque, no sentido psicanalítico do<br />

termo. Porém, <strong>em</strong> outros momentos, o termo é usado <strong>em</strong> sentido mais amplo para<br />

indicar algum mecanismo inconsciente, ou seja, um <strong>de</strong>slocamento, uma con<strong>de</strong>nsação,<br />

a sublimação, <strong>de</strong>ntre outros. Des<strong>de</strong> o momento <strong>em</strong> que obtive a informação da<br />

tradução que o escritor havia dado à Verdrängung freudiana, perguntei-me o que o<br />

teria levado a traduzir o termo por seqüestro. Levando-se <strong>em</strong> conta que <strong>Mário</strong> leu<br />

Freud <strong>em</strong> traduções francesas, é possível levantar a questão da relação <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong><br />

s<strong>em</strong>ântica entre os termos Verdrängung, refoul<strong>em</strong>ent e recalque com seqüestro, que<br />

<strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão é Entführung. O que o teria conduzido a esta tradução? Ten<strong>de</strong>-se, a<br />

princípio, a concordar com Telê Ancona Lopez quando esta afirma que<br />

Para ele, o fenômeno a que batiza ‘Seqüestro da dona ausente’ vale como a<br />

nota dominante do sentimento amoroso no Brasil, fort<strong>em</strong>ente vincada na<br />

criação poética popular. Sendo assim, reveste-se <strong>de</strong> significado maior a<br />

interpretação diferenciada que faz, recusando-se a traduzir refoul<strong>em</strong>ent<br />

exclusivamente como recalque. Mesmo s<strong>em</strong> negar a raiz teórica do mestre <strong>de</strong><br />

Viena, visa à equivalência e à particularida<strong>de</strong>. 83<br />

O termo al<strong>em</strong>ão Verdrängung é composto pelo prefixo ver, pelo radical dräng<br />

e pelo sufixo <strong>de</strong> substantivação ung. Segundo o Dicionário comentado do Al<strong>em</strong>ão <strong>de</strong><br />

Freud , ver é um “prefixo que <strong>em</strong> geral <strong>de</strong>signa as conseqüências <strong>de</strong> ‘ir muito adiante’<br />

(seja t<strong>em</strong>poralmente ou geograficamente). Além disto, indica fenômenos bastante<br />

contíguos: ‘transformação, ‘fechamento’, ‘extinção’, ‘gasto’, ‘perda’, ‘lapsos’, etc.<br />

Também po<strong>de</strong> indicar a ‘intensificação <strong>de</strong> uma ação’(a ação se mantém ‘indo adiante’<br />

82 S. Freud, “La represión”, p. 146.<br />

83 T. A. Lopez, Mario<strong>de</strong>andradiantdo, p. 19.<br />

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