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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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A cana-ver<strong>de</strong> me disse<br />

Que eu havia <strong>de</strong> ir com ela:<br />

Vai-te <strong>em</strong>bora, cana-ver<strong>de</strong>,<br />

Que eu vou para minha terra. 66<br />

A cana ver<strong>de</strong> vincula-se ao <strong>de</strong>svio, segundo Telê Ancona Lopez, como a<br />

compensação buscada pelo marujo para aplacar a solidão do mar, através da prostituta<br />

dos portos. Dentre as tentações que afastariam o viajante da dona ausente, aparece<br />

também a figura da Salóia, o hom<strong>em</strong> no mar travestido <strong>de</strong> mulher, tal como a<br />

encontramos numa das Cheganças dos Marujos, a Barca da Paraíba. <strong>Mário</strong> afirma<br />

que “a oposição sexual entre marujos e Salóias parece tradicional nos bailados <strong>de</strong><br />

inspiração marítima”, e que “na Chegança <strong>de</strong> Mouros são numerosas as estrofes da<br />

maruja se referindo a salóia, quase dando a esta palavra a noção genérica <strong>de</strong><br />

mulher”. 67 Para o escritor, seria a ausência da mulher o que provocaria as “licenças<br />

homossexuais”, sendo esta também uma das formas <strong>de</strong> se apresentar o t<strong>em</strong>a do<br />

seqüestro. 68<br />

<strong>Mário</strong> esclarece, nas suas anotações, a razão por que consi<strong>de</strong>ra a cana ver<strong>de</strong><br />

um símbolo e não uma alegoria, como afirma o etnógrafo português Leite <strong>de</strong><br />

Vasconcelos. Mais uma vez, é <strong>de</strong> C. Baudouin que ele toma o significado dos termos.<br />

O símbolo implicaria uma “constelação <strong>de</strong> noções diversas”, na qual se reún<strong>em</strong> várias<br />

imagens e idéias formando uma representação complexa. A alegoria, por sua vez,<br />

seria apenas a representação <strong>de</strong> uma idéia por uma imag<strong>em</strong>. Em Baudouin, no<br />

capítulo <strong>de</strong>nominado “Símbolo e síntese”, pod<strong>em</strong>os encontrar a <strong>de</strong>finição que sustenta<br />

as observações <strong>de</strong> <strong>Mário</strong>. O símbolo “é um sist<strong>em</strong>a não <strong>de</strong> dois senão <strong>de</strong> vários<br />

termos, suscitados pelas leis naturais da imaginação e do sonho. (...) É a representação<br />

<strong>de</strong> um complexo; é a projeção do dinamismo do complexo no plano estático da<br />

imag<strong>em</strong>”. 69<br />

66 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “A dona ausente”, op. cit., p.11.<br />

67 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Danças Dramáticas do Brasil, tomo I, p. 296.<br />

68 Raúl Antelo, numa leitura singular da t<strong>em</strong>ática do seqüestro, partindo da idéia <strong>de</strong> que “a escritura é<br />

uma fala muda e tagarela”, afirma que é preciso, <strong>em</strong> relação à dona ausente, analisar-se também o que<br />

se cala: “que este texto é escrito por <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> para o Po<strong>de</strong>r (uma revista fascista, Atlântico),<br />

para a tradição (Salazar não é mo<strong>de</strong>rnizador, uma vez que seu i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> cultura não está nas gran<strong>de</strong>s<br />

cida<strong>de</strong>s, mas na pequena al<strong>de</strong>ia portuguesa) e <strong>em</strong> nome da família heterossexual (a da dona ausente).<br />

Mas esta palavra diz mais do que afirma. Diz, contra o po<strong>de</strong>r, a tradição e a família que o Brasil foi<br />

construído a partir <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>s homoafetivas”. (Cf. observações feitas pelo professor durante o<br />

“Exame <strong>de</strong> qualificação” <strong>de</strong>sta tese, que gentilmente me foram cedidas (mimeo.) ).<br />

69 C. Baudouin, op. cit., p. 241.<br />

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