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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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leitosos da piasada, pra que os homens que sofriam <strong>de</strong>le o ouviss<strong>em</strong> e não o vivess<strong>em</strong><br />

mais, cantando-o eles mesmos.” 57<br />

Às preciosas articulações do pesquisador, po<strong>de</strong>ríamos acrescentar que sob a<br />

ótica da psicanálise freudiana o inconsciente não conhece o t<strong>em</strong>po e ignora a história,<br />

isto é, el<strong>em</strong>entos significantes <strong>de</strong> épocas diferentes <strong>de</strong> nossa vida pod<strong>em</strong>-se articular<br />

num sonho, aparecendo misturados, por ex<strong>em</strong>plo, produzindo uma montag<strong>em</strong>, como<br />

num quadro surrealista. Trata-se, aqui, da dimensão sincrônica do inconsciente. 58 Para<br />

o inconsciente, a legalida<strong>de</strong> que importa é aquela da metáfora e da metonímia, da<br />

con<strong>de</strong>nsação e do <strong>de</strong>slocamento, seja na criança ou no adulto. Os circuitos do <strong>de</strong>sejo,<br />

no sonho, criam possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realizá-lo, ainda que apareçam impedimentos a isto.<br />

A impossibilida<strong>de</strong>, o impedimento, também observadas por <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> nas<br />

formas <strong>de</strong> representação do seqüestro, pod<strong>em</strong> ser a expressão do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ter um<br />

<strong>de</strong>sejo insatisfeito, modo com que se apresenta o <strong>de</strong>sejo no sujeito histérico.<br />

O vocábulo seqüestro registra-se, também, na literatura erudita do Brasil,<br />

como classifica <strong>Mário</strong> <strong>em</strong> suas notas sobre o t<strong>em</strong>a, inclusive na poesia mo<strong>de</strong>rnista. No<br />

ensaio “A poesia <strong>em</strong> 1930”, quando trata do livro <strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

Alguma poesia, o crítico assinala na obra dois modos do seqüestro: o sexual e o que<br />

chamou “da vida besta”. Com relação ao primeiro, afirma estar o livro “rico <strong>de</strong><br />

notações sensuais” – ora sutis, ora grosseiras 59 –, repleto <strong>de</strong> coxas e pernas. Recorta<br />

uma espécie <strong>de</strong> ápice do seqüestro do tímido Carlos, quando este, s<strong>em</strong> conseguir<br />

vencer “as <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>zas íntimas, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> falar que a mulher não passa dum sexo (que<br />

57 Id<strong>em</strong>, p. 60.<br />

58 Éric Laurent, no artigo “Parejas <strong>de</strong> hoy y consecuencias para sus hijos” ( Carretel, nº2, 1999), nos faz<br />

notar que o inconsciente teria também uma dimensão diacrônica, que reconhece o t<strong>em</strong>po e a história.;<br />

nela se introduz<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos novos na estrutura, cortes, sendo então um produto da história. É possível<br />

ilustrar esta diacronia com o <strong>de</strong>sgaste que, especialmente nos dias correntes, v<strong>em</strong> sofrendo o s<strong>em</strong>blante<br />

paterno, com importantes conseqüências para a subjetivida<strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea, provocando a formação<br />

<strong>de</strong> novos sintomas.<br />

59 Talvez que chamar <strong>de</strong> grosseiro falar-se <strong>de</strong> tetas, coxas e pernas, consi<strong>de</strong>rar isto uma falta <strong>de</strong> poesia e<br />

lirismo, seja preconceito do crítico, que neste caso opera ao modo do censor que apaga (seqüestra), da<br />

mesma maneira como fez com o po<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Gregório <strong>de</strong> Matos, relativamente às palavras que <strong>de</strong> modo<br />

mais explícito apresentam o sexual. O crítico que <strong>de</strong>nuncia o seqüestro, seja na poesia dos jovens<br />

românticos ou na poesia dos seus cont<strong>em</strong>porâneos, também seqüestra o objeto sexual. Numa carta<br />

escrita à discípula Oneida Alvarenga, <strong>em</strong> 1940, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> refere-se à sua pansensualida<strong>de</strong>: “O<br />

importante é verificar que não se trata absolutamente <strong>de</strong>ssa sensualida<strong>de</strong> mesquinhamente fixada na<br />

realização dos atos <strong>de</strong> amor sexual, mas <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong> que, <strong>em</strong>bora sexual s<strong>em</strong>pre e <strong>de</strong> uma<br />

intensida<strong>de</strong> extraordinária, é vaga, incapaz <strong>de</strong> se fixar numa <strong>de</strong>terminada ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> prazeres que n<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre são <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> física. Uma espécie <strong>de</strong> pansensualida<strong>de</strong>, muito mais elevada e afinal <strong>de</strong> contas,<br />

casta, do que se po<strong>de</strong>ria imaginar. O Manuel Ban<strong>de</strong>ira que me conhece muito intimamente, querendo<br />

me <strong>de</strong>finir pra me compreen<strong>de</strong>r, uma vez, me disse: - ‘Você... você t<strong>em</strong> um amor que não é o amor do<br />

sexo, não é n<strong>em</strong> mesmo o amor dos homens, n<strong>em</strong> da humanida<strong>de</strong>... você t<strong>em</strong> o amor do todo’” (Cf.<br />

<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> - Oneyda Alvarenga: cartas, p. 272).<br />

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