Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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encenam a realização <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo. O outro trecho refere-se ao recalque <strong>de</strong><br />
l<strong>em</strong>branças infantis e dos pensamentos a elas ligados, ficando impedidos <strong>de</strong> chegar à<br />
consciência. Situa a regressão como efeito da resistência e da atração exercida pelo<br />
material recalcado. Ao lado, <strong>Mário</strong> anota: “Estudar milhor isso no próprio Freud,<br />
porque parece contradizer um bocado o que afirmei explicando o infantilismo<br />
sonhador do seqüestro”. 55<br />
Sobre este aspecto, o estudioso do seqüestro, nas suas anotações <strong>de</strong> pesquisa,<br />
pergunta-se pela razão que levou o seqüestro da dona ausente a permanecer entre as<br />
cantigas <strong>de</strong> roda infantis, e aventa algumas hipóteses. Primeiramente, faz uma relação<br />
entre o sonho e os <strong>de</strong>sejos infantis a partir da tese freudiana <strong>de</strong> que os sonhos são<br />
realizações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos. Em algumas quadrinhas surge a visão alucinatória da imag<strong>em</strong><br />
da mulher numa barca no mar, que <strong>de</strong>pois se esvai, ou da mulher que ressurge para<br />
falar com o marujo, como nesta <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> portuguesa:<br />
No meio daquele mar<br />
Tá uma ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> vidro,<br />
On<strong>de</strong> o meu amor s’assenta<br />
Quando quer falar comigo.<br />
Mesmo consi<strong>de</strong>rando um tanto exagerada a idéia, registra esta citação <strong>de</strong><br />
Freud: “No sonho é a criança que permanece com todos os seus impulsos”. Nesta<br />
versão onírica do seqüestro, o vasto oceano po<strong>de</strong> ser transformado num rio, os<br />
veleiros transpostos <strong>em</strong> barquinhas, o naufrágio do veleiro no mar amenizado por uma<br />
canoa que virou num pequeno rio. A este respeito, anota <strong>Mário</strong>: “tudo isso são<br />
infantilida<strong>de</strong>s, s<strong>em</strong> dúvida que <strong>de</strong> lirismo <strong>de</strong>licioso e comovente, mas infantilida<strong>de</strong>s.<br />
Coisas <strong>de</strong> que a grandiosida<strong>de</strong> trágica <strong>de</strong>sapareceu, purificada a pr<strong>em</strong>ência da vida no<br />
círculo gracioso dos sustos infantis”. 56 Chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que as<br />
cantigas-<strong>de</strong>-roda infantis são feitas por adultos, e que no fabulário universal há muitos<br />
ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> que induzimos os outros a fazer<strong>em</strong> aquilo por cuja experiência, por<br />
alguma razão, não quer<strong>em</strong>os passar. Argumenta, ainda, que o teor, o conteúdo <strong>de</strong>stas<br />
cantigas, se conjuga com o universo infantil: os seus t<strong>em</strong>ores, impulsos, <strong>de</strong>sejos e<br />
i<strong>de</strong>ais. “É doce a gente imaginar que o seqüestro sublimado foi entregue aos lábios<br />
54 R. Antelo, Na ilha <strong>de</strong> Marapatá (<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> lê os hispano-americanos), p. 54. Ricardo<br />
Guiral<strong>de</strong>s (1886-1927) foi o autor <strong>de</strong> Don Segundo Sombra e Raucho.<br />
55 Cf. N. T. Feres, Leituras <strong>em</strong> Francês <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, p. 70.<br />
56 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “Manuscrito d’O seqüestro da dona ausente”, in: R. S. <strong>de</strong> Carvalho, op. cit., p.59.<br />
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