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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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No capítulo intitulado “O ciclo da mãe: os mitos das águas” do primeiro<br />

volume <strong>de</strong> O negro brasileiro, Ramos apóia as suas reflexões sobre o t<strong>em</strong>a <strong>em</strong><br />

questão na teoria psicanalítica, como confirma a citação acima. Dirá o pesquisador<br />

que as <strong>de</strong>usas-mães chegaram ao Brasil através do mito africano <strong>de</strong> Y<strong>em</strong>anjá (Yeye,<br />

mãe; eja, peixe), <strong>de</strong>usa dos rios , das fontes e dos lagos que entre os afro-baianos será<br />

i<strong>de</strong>ntificada às lendas ameríndias da mãe d’água e às sereias do folclore <strong>de</strong> orig<strong>em</strong><br />

européia. A lenda da Yara, a sereia que atrai com seu canto o r<strong>em</strong>eiro para o fundo<br />

das águas, muito se aproxima da Loreley 47 do folclore al<strong>em</strong>ão, que seduzia os<br />

pescadores com as suas melodias arrastando-os para o fundo do mar. Heine <strong>de</strong>dicoulhe<br />

um po<strong>em</strong>a no qual ela aparece com os cabelos <strong>de</strong> ouro e canta maravilhosamente.<br />

Assim, observa o pesquisador, o sincretismo da mãe d’água brasileira formou-se a<br />

partir da intersecção <strong>de</strong> várias lendas. A universalida<strong>de</strong> da lenda será explicada pela<br />

presença <strong>de</strong> um “pensamento el<strong>em</strong>entar” ( El<strong>em</strong>entargedanke) como “esse fundo<br />

<strong>em</strong>ocional da psiquê primitiva solicitada pelos mesmos complexos que a acionam e<br />

<strong>de</strong>terminam os seus atos na vida do grupo”. 48 Refere-se à significação inconsciente<br />

dos sonhos <strong>de</strong> água como símbolos do nascimento, recorrendo a Freud <strong>em</strong> A<br />

Interpretação dos sonhos e também a Otto Rank.<br />

Com relação ao mar enquanto símbolo materno, o autor reporta-se a Jung e a<br />

Marie Bonaparte, nomeadamente à sua obra sobre Edgar Alan Poe, um capítulo sobre<br />

as “narrativas do mar”. Ambos apontam para a consonância das palavras mãe ( mère) e<br />

mar (mer) na língua francesa, que Bonaparte, diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> Jung, não consi<strong>de</strong>ra<br />

casual.<br />

Entre mar, mãe, mer, e o latim mare – escreve Jung – há uma notável<br />

s<strong>em</strong>elhança fonética, certamente toda fortuita. Provirá ela <strong>de</strong> que a gran<strong>de</strong><br />

imag<strong>em</strong> primitiva da mãe foi outrora nosso mundo único e se tornou, <strong>em</strong><br />

seguida, o símbolo <strong>de</strong> todo o mundo? Não disse Goethe que <strong>em</strong> torno das<br />

mães <strong>de</strong>slizam as figuras <strong>de</strong> todas as criaturas? Os próprios cristãos não se<br />

pu<strong>de</strong>ram impedir <strong>de</strong> unir a sua mãe <strong>de</strong> Deus com a água do mar: ‘Ave, maris<br />

stella’ (Salve, Estrela dos mares!), assim começa um hino à Maria, e são os<br />

cavalos <strong>de</strong> Netuno que simbolizam as vagas do mar. 49<br />

<strong>de</strong> 1936, no Departamento <strong>de</strong> Cultura, <strong>em</strong> São Paulo, iniciando assim a série <strong>de</strong> conferências do Curso<br />

<strong>de</strong> Etnografia organizado pela Sra. Lévi-Strauss” (Rio <strong>de</strong> Janeiro, Civilização Brasileira, p. 11).<br />

47 Não é d<strong>em</strong>ais l<strong>em</strong>brar que os protagonistas do livro Uma aprendizag<strong>em</strong> ou O livro dos prazeres <strong>de</strong><br />

Clarice Lispector se chamam Loreley (Lóri) e Ulisses. (Rio <strong>de</strong> Janeiro, Nova Fronteira, 1982).<br />

48 A. Ramos, O negro brasileiro. Etnografias religiosas. vol I, p. 274.<br />

49 C. G. Jung apud A. Ramos, op. cit., p. 275. A citação <strong>de</strong> Jung foi extraída da obra Metamorfoses e<br />

símbolos da libido, presente na Biblioteca <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, numa edição francesa <strong>de</strong> 1927.<br />

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