Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>de</strong>sejável era chamada <strong>de</strong> “casquinho”, alusão ao apreciado prato feito com<br />
caranguejo.<br />
No já referido texto da revista Atlântico, o autor esclarece que a substituição<br />
mulher-peixe não implica uma simbolização e tampouco <strong>de</strong>riva do mito da sereia. Na<br />
permanência no nosso folclore do mito universal da sereia, que con<strong>de</strong>nsa os perigos<br />
do <strong>de</strong>sejo e da morte, atração exercida pela mulher perigosa que se anuncia do fundo<br />
do mar, <strong>Mário</strong> encontra um caso típico <strong>de</strong> seqüestro da dona ausente. Esclarece-nos<br />
que no seqüestro há uma espécie <strong>de</strong> lado moral que consiste <strong>em</strong> investir a imag<strong>em</strong> que<br />
representa a mulher ausente dos males e angústias causados por esta. Assim, a sereia<br />
con<strong>de</strong>nsaria a atração sexual da dona ausente e a noção do mar sinistro que arrasta o<br />
marinheiro à morte, ao naufrágio. Como b<strong>em</strong> aponta Telê A. Lopez, “a sereia liga o<br />
romanceiro e o cancioneiro <strong>de</strong> Portugal, assim como os nossos, à tradição grega e ao<br />
perigo do naufrágio”. 45 Vale l<strong>em</strong>brar os conselhos da feiticeira Circe a Ulisses, na<br />
Odisséia, para que ele e os seus marujos vencess<strong>em</strong> a tentação <strong>de</strong> se lançar ao mar ao<br />
passar<strong>em</strong> pela Ilha das Sereias, pois se o fizess<strong>em</strong> encontrariam a morte. Era<br />
necessário tampar com cera os ouvidos dos marinheiros, e que cada qual se amarrasse<br />
no mastro da <strong>em</strong>barcação, para não ce<strong>de</strong>r ao canto sedutor <strong>de</strong>ssas ninfas marinhas.<br />
Em suas notas sobre a mulher-sereia, <strong>Mário</strong> refere-se à “noção primitiva,<br />
universal e clássica do símbolo mar = mãe”, e r<strong>em</strong>ete-se a este trecho <strong>de</strong> um artigo <strong>de</strong><br />
Artur Ramos, anotando à marg<strong>em</strong> a palavra “Édipo”:<br />
A mãe d’água (Yara, sereia, Y<strong>em</strong>anjá) é evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente a imago materna. A<br />
atração das águas, o encanto <strong>de</strong> Loreley, com os seus longos cabelos <strong>de</strong> ouro, a<br />
sua voz inebriante vinda do fundo das águas, o ‘canto da sereia’, o feitiço da<br />
Yara e <strong>de</strong> Y<strong>em</strong>anjá, nada mais exprim<strong>em</strong> do que o <strong>de</strong>sejo inconsciente da<br />
volta ao regaço materno. Mas, como no inconsciente o incesto é tabu, é punido<br />
terrivelmente com a morte, ai daquele, que se <strong>de</strong>ixar iludir pela atração fatal da<br />
mãe d’água! O seu corpo será arrastado aos vórtices dos abismos tenebrosos. É<br />
o castigo <strong>de</strong> Édipo que violou o tabu do incesto materno! 46<br />
45 T. A. Lopez, op. cit., p. 125.<br />
46 A. Ramos. Notas <strong>de</strong> etnologia. Bahia, Escola <strong>de</strong> aprendizes artífices, 1932. Separata <strong>de</strong> Bahia<br />
Médica, Salvador, nº 15/16,1932, p. 1-23. (Cf. Ricardo Souza <strong>de</strong> Carvalho. Edição Genética d’O<br />
seqüestro da dona ausente <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado, USP, São Paulo, 2001). O<br />
trecho marcado também consta no livro <strong>de</strong> Arthur Ramos, O negro brasileiro (1934), p. 276. Além<br />
<strong>de</strong>ste, <strong>Mário</strong> possuía <strong>em</strong> sua biblioteca outros livros do autor, como: Introdução à psicologia social<br />
(1936), Educação e psicanálise (1934) e Estudos <strong>de</strong> psicanálise (1931). Artur Ramos, baiano, era<br />
médico legista do Instituto Nina Rodrigues, estudioso da cultura negra no Brasil, através da psicologia,<br />
antropologia e psicanálise. Chegou a correspon<strong>de</strong>r-se com Freud, sendo um dos pioneiros dos estudos<br />
psicanalíticos no Brasil. No prefácio do livro As culturas negras no novo mundo (1937), que é o<br />
terceiro volume da série <strong>de</strong> ensaios sobre o probl<strong>em</strong>a do negro no Brasil, Ramos revela que “A idéia do<br />
livro surgiu da conferência que, a convite do meu <strong>em</strong>inente amigo <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, realizei <strong>em</strong> junho<br />
22