26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Mulatinhas são barquinhos<br />

As crioulas são saveiros<br />

Que belas <strong>em</strong>barcações<br />

Para <strong>em</strong>barcar marinheiros. 43<br />

Em relação a esta quadrinha, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong>staca a maneira com que as mulheres da<br />

terra estrangeira eram olhadas pelos homens (europeus, brancos), e l<strong>em</strong>bra também<br />

que “nosso Gregório <strong>de</strong> Matos repetira isso mesmo com salgadíssima aspereza, que<br />

não quero citar”. 44 Exibindo seus pudores lingüísticos, o crítico prefere calar o nosso<br />

“Boca do Inferno”, seqüestrando o dizer do poeta, mas sugerindo suas fortes<br />

conotações sexuais.<br />

Outra metáfora sublinhada por <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> é a comparação mulherpeixe,<br />

comum entre portugueses e brasileiros, para os quais “as mulheres são<br />

presentes admiráveis do mar”. Uma bela mulher po<strong>de</strong> ser uma “pescada do alto” e<br />

aquela muito feia seria uma “sardinha petinga”, assim como no Pará a garota<br />

incorporada ao conjunto do cancioneiro anônimo. Já o compositor diz ao amigo Manuel Ban<strong>de</strong>ira,<br />

numa carta <strong>de</strong> 1926,o seguinte: “Sobre a Maroca... Você quer escutar uma confidência só mesmo pra<br />

você? Pois isso é o pasticho mais in<strong>de</strong>cent<strong>em</strong>ente plagiado que t<strong>em</strong>. No que aliás não tenho a culpa<br />

porque toda a gente sabe que não sou compositor. A Maroca foi friamente feita assim: peguei no ritmo<br />

melódico <strong>de</strong> Cabloca do Caxangá e mu<strong>de</strong>i as notas por brinca<strong>de</strong>ira me vestindo. Tenho muito costume<br />

<strong>de</strong> sobre um mo<strong>de</strong>lo rítmico qualquer inventar sons diferentes pra me dar uma ocupação sonora<br />

quando me visto. Assim saiu a Maroca que por acaso saindo bonita registrei e fiz versos pra. Só o<br />

refrão não é pastichado da rítmica melódica <strong>de</strong> Catulo”. (Cf. T. A. Lopez (org.), “Eu sou trezentos, sou<br />

trezentos-e-cincoenta”. Uma ‘autobiografia’ <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, p. 12).<br />

43 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, A dona ausente, p. 10. Cecília Meireles, no livro Flor <strong>de</strong> po<strong>em</strong>as, apresenta a poesia<br />

“Epitáfio da navegadora”: “Se te perguntar<strong>em</strong> qu<strong>em</strong> era / essa que às areias e gelos / quis ensinar a<br />

primavera // e que per<strong>de</strong>u seus olhos pelos / mares s<strong>em</strong> <strong>de</strong>uses <strong>de</strong>ssa vida,/ sabendo que, <strong>de</strong> assim<br />

perdê-los, // ficaria também perdida; / e que <strong>em</strong> algas e espumas presa / <strong>de</strong>ixou sua alma agra<strong>de</strong>cida; //<br />

essa que sofreu <strong>de</strong> beleza / e nunca <strong>de</strong>sejou mais nada; / que nunca teve uma surpresa // <strong>em</strong> sua face<br />

iluminada, / dize: ‘Eu não pu<strong>de</strong> conhecê-la, / sua história está mal contada, // mas seu nome <strong>de</strong> barca e<br />

estrela, / foi ‘SERENA DESESPERADA’” (Rio <strong>de</strong> Janeiro, Nova Fronteira, 1983). Cecília Meireles,<br />

assim como <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, foi uma estudiosa do Folclore, colaborando com a Comissão Nacional<br />

<strong>de</strong> Folclore <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1948, e sendo a secretária do Primeiro Congresso Nacional <strong>de</strong> Folclore <strong>em</strong> 1951.<br />

44 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “A dona ausente”, p. 2. Aqui, po<strong>de</strong>ríamos pensar que <strong>Mário</strong> teria afirmado o<br />

seqüestro <strong>de</strong> Gregório <strong>de</strong> Mattos na nossa literatura, o que mais tar<strong>de</strong> (1959) irá se configurar com a<br />

consagrada obra <strong>de</strong> Antonio Candido, Formação da literatura brasileira, conforme o que Haroldo <strong>de</strong><br />

Campos <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> O seqüestro do barroco na ‘Formação da literatura brasileira’: o caso<br />

Gregório <strong>de</strong> Mattos (Salvador: Fundação Casa <strong>de</strong> Jorge Amado, 1989). Ainda que Campos não atribua<br />

o uso que faz do termo seqüestro ao sentido dado por <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, ouvimos, neste título, os ecos<br />

do seqüestro marioandradino. Po<strong>de</strong> ser que <strong>Mário</strong> se estivesse referindo à poesia “Era <strong>de</strong>sta mulata<br />

bastant<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>saforada e o poeta, que à não podia soffrer lhe canta a moliana”, da qual <strong>de</strong>stacamos<br />

este trecho:” Caquenda o vosso Jacó/ me <strong>de</strong>u com risa não pouca/ notícias da vossa boca,/ e tão b<strong>em</strong> do<br />

vosso có:/ diz que está tornado um Jó/ pobre, podre e lazarento:/ porque quando o barlavento/ navegava<br />

o vosso charco,/ s<strong>em</strong>pre enjoou nesse barco/ por ser muito fedorento.// Afirma que a vossa quilha/ <strong>em</strong><br />

chegando a dar a bomba,/ se muito vos fe<strong>de</strong> a tromba,/ muito vos fe<strong>de</strong> a cavilha:/ a mim não me<br />

maravilha,/ que exaleis estes vapores/ porque se os cheiro melhores/ caçoula formam conjuntos,/ <strong>de</strong><br />

muitos fedores juntos/ nasce o fedor dos fedores” (Gregório <strong>de</strong> Matos, Crônica do viver baiano<br />

seiscentista, p. 1010).<br />

21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!