Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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dona ausente” e “Música <strong>de</strong> feitiçaria no Brasil”. 35 A pesquisa sobre o “complexo da<br />
dona ausente” <strong>de</strong>ve ter começado por volta <strong>de</strong> 1923, como apontam as anotações <strong>de</strong><br />
<strong>Mário</strong> <strong>em</strong> seu fichário analítico, no qual constam as suas notas para as conferências,<br />
b<strong>em</strong> como o registro <strong>de</strong> passagens <strong>de</strong> leituras feitas e a realizar acerca do assunto.<br />
Vale l<strong>em</strong>brar que a t<strong>em</strong>ática da dona ausente se articula com outro dos seus estudos,<br />
que versa sobre o medo do amor sexual nos poetas românticos; tal estudo resultará no<br />
ensaio “Amor e Medo”, editado primeiramente <strong>em</strong> 1935.<br />
Como escreve o nosso crítico-etnógrafo, “A Dona Ausente é o sofrimento<br />
causado pela falta <strong>de</strong> mulher nos navegadores <strong>de</strong> um povo <strong>de</strong> navegadores.(...)<br />
Complexo inicialmente marítimo, porém que, no Brasil, tornou-se terrestre<br />
também”. 36 Explica-nos que a sauda<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sejo pela mulher amada que ficou <strong>em</strong><br />
terra, nas “bandas d’além”, <strong>de</strong> que pa<strong>de</strong>ce o marinheiro, ao invés <strong>de</strong> se externar<strong>em</strong><br />
como <strong>de</strong>sespero, metaforizam-se nas imagens e símbolos da poesia. Desses<br />
“disfarces” enriqueceu-se o folclore luso-brasileiro, produzindo-se uma ampla gama<br />
<strong>de</strong> quadrinhas e cantigas. Situa a orig<strong>em</strong> do complexo junto aos portugueses<br />
navegadores mas, como b<strong>em</strong> assinala <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “o brasileiro não só<br />
conserva muito vivo tudo o que herdou, como <strong>de</strong>u mil e uma variantes à herança e a<br />
acrescentou <strong>de</strong> umas poucas invenções novas”. 37<br />
Cabe aqui um comentário acerca do termo ‘complexo’, utilizado pelo<br />
estudioso do seqüestro da mulher ausente. Ao que tudo indica, o léxico foi tomado do<br />
livro <strong>de</strong> Charles Baudouin, Psychanalyse <strong>de</strong> l’art, pois no capítulo introdutório se<br />
encontram as marcas da leitura <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>staca na marginália<br />
trechos relacionados com o t<strong>em</strong>a <strong>em</strong> questão. Baudouin, recorre inicialmente à<br />
psicologia dinâmica para assim <strong>de</strong>finir o complexo: “É um estímulo <strong>de</strong> vias <strong>de</strong> reação<br />
(<strong>de</strong> tendências) mais ou menos enredadas entre si por obra <strong>de</strong> associações mais ou<br />
menos estreitas”. 38 Esclarece que uma excitação <strong>em</strong> algum ponto do complexo po<strong>de</strong><br />
35 Eneida M. <strong>de</strong> Souza; Paulo Schimidt (orgs), <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: carta aos mineiros, 1997.<br />
36 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “A dona ausente”, Revista Atlântico, nº 3, p. 9-14, 1943.<br />
37 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “A dona ausente”, p 09.<br />
38 C. Baudouin. Psicoanálisis <strong>de</strong>l Arte, p. 12. Esta <strong>de</strong>finição Baudouin toma-a <strong>de</strong> W. H. Rivers <strong>em</strong><br />
L’Instinct et l’inconscient , <strong>de</strong> 1926. Quanto ao termo tendência, esclarece que foi introduzido por<br />
Théodule Ribot como uma noção intermediária entre a <strong>de</strong> sentimento e a <strong>de</strong> instinto. <strong>Mário</strong> tinha <strong>em</strong><br />
sua Biblioteca quatro livros <strong>de</strong> Ribot, sendo que dois <strong>de</strong>les, La logique <strong>de</strong>s sentiments (1920) e Essai<br />
sur l’imagination créatice (1921), continham anotações à marg<strong>em</strong>. No “Prefácio interessantíssimo” há<br />
uma menção a Ribot: “Ribot disse algures que inspiração é telegrama cifrado transmitido pela ativida<strong>de</strong><br />
inconsciente à ativida<strong>de</strong> consciente que o traduz. Essa ativida<strong>de</strong> consciente po<strong>de</strong> ser repartida entre<br />
poeta e leitor. Assim, aquele que não escorcha e esmiuça friamente o momento lírico; e bondosamente<br />
conce<strong>de</strong> ao leitor a glória <strong>de</strong> colaborar nos po<strong>em</strong>as”. ( M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Poesias Completas, p. 72).<br />
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