26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Numa carta a Manuel Ban<strong>de</strong>ira datada <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1928, <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> pe<strong>de</strong> segredo ao amigo a respeito <strong>de</strong> um “folheto etnográfico” que preten<strong>de</strong><br />

escrever cujo título será “O seqüestro da dona ausente”. Refere-se à presença, no<br />

nosso folclore musical, especialmente nas cantigas <strong>de</strong> roda, do t<strong>em</strong>a da mulher que<br />

v<strong>em</strong> <strong>de</strong> barca, pelo rio ou pelo mar, ao encontro do cantor. Diz ele estar convencido<br />

<strong>de</strong> que isto “não é mais que a sublimação da celebrada falta <strong>de</strong> mulher que o colono<br />

sentiu na América quando veio praqui”. 31 Diz ainda que já t<strong>em</strong> vasto material<br />

recolhido sobre o assunto, e pe<strong>de</strong> a Ban<strong>de</strong>ira que lhe envie textos sobre o t<strong>em</strong>a, caso<br />

se recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> algum.<br />

No ano anterior à escrita <strong>de</strong>sta carta ao amigo Ban<strong>de</strong>ira, durante a viag<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong>preendida pelo norte do Brasil, Peru e Bolívia, como “turista aprendiz”, <strong>Mário</strong><br />

fotografa um varal cheio <strong>de</strong> roupas brancas, “camisas <strong>de</strong> dormir infladas pelo vento,<br />

quase movimento <strong>de</strong> corpos, surpreendidos pelo olhar do artista” 32 . Escreve no verso<br />

da foto: “Roupas freudianas. (...) Fotografia refoulenta. Refoul<strong>em</strong>ent”. O termo,<br />

retirado <strong>de</strong> suas leituras freudianas, <strong>em</strong>basa a tradução <strong>de</strong> seqüestro, cunhada pelo<br />

escritor, para o termo psicanalítico recalcamento.<br />

Ao longo do t<strong>em</strong>po, <strong>Mário</strong> vai reunindo material recolhido da literatura<br />

popular (quadrinhas, versos, cantigas) que, articulado a textos teóricos, <strong>de</strong> psicanálise,<br />

antropologia, arte e folclore, alimentará as reflexões do crítico literário, expressas <strong>em</strong><br />

duas conferências e um artigo publicado na revista luso-brasileira Atlântico nº 3, sob o<br />

título “A dona ausente”. 33 Uma das conferências aconteceu na Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Etnografia e Folclore 34 <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1936, o seu resumo sendo publicado no<br />

Boletim nº 4 (a. 1, jan. 1938) <strong>de</strong>sta Socieda<strong>de</strong>, com o título <strong>de</strong> “A dona ausente”. A<br />

segunda foi proferida <strong>em</strong> Belo Horizonte <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1939, por ocasião do<br />

convite recebido do Diretório Central dos Estudantes para falar sobre “O seqüestro da<br />

31 M. A. <strong>de</strong> Moraes (org.), Correspondência <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> & Manuel Ban<strong>de</strong>ira, p.388.<br />

32 T. P. Ancona Lopez, “<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e a dona ausente”, Mario<strong>de</strong>andradiando, p.118.<br />

33 O artigo é <strong>de</strong> 1943. Numa carta a Moacir Werneck <strong>de</strong> Castro, <strong>Mário</strong> revela certo arrependimento<br />

relativo ao fato <strong>de</strong> ter publicado num veículo oficial dos governos ditatoriais brasileiro e português.<br />

Porém, confi<strong>de</strong>ncia a sua vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer ser o primeiro a publicar sobre o assunto que vinha<br />

estudando, estudo cujos resultados já circulava <strong>em</strong> algumas conversas. Quanto a isto, verifica-se na<br />

conferência dada por Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> na Sorbonne, <strong>em</strong> 1923, “O esforço intelectual do Brasil<br />

cont<strong>em</strong>porâneo”, menção à questão da mulher ausente, “ a l<strong>em</strong>brança sexual da mulher branca que os<br />

primeiros navegadores <strong>de</strong>ixaram na Europa ao tentar as suas incertas expedições”, o que sugere que o<br />

assunto já estava sendo discutido nos círculos mo<strong>de</strong>rnistas. (Cf Telê Ancona Lopez, “<strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong> e a Dona Ausente”, Mario<strong>de</strong>andradiando, 1996).<br />

34 A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Etnografia e Folclore foi fundada <strong>em</strong> 1938 por <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, juntamente com o<br />

casal Lévi-Strauss. <strong>Mário</strong> foi o seu primeiro presi<strong>de</strong>nte.<br />

17

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!