Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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26.02.2014 Views

Freud, de fato, aceita os postulados a priori da escola antropológica (o agnosticismo, o evolucionismo e o determinismo), sem ensaiar a mínima crítica. Desconhece, ou faz por desconhecer todo o movimento anti-evolucionista iniciado na Inglaterra por Andrew Lang e por Samuel Butler o que hoje em dia inspira na Alemanha a escola histórica de Graebner, de Frobenius, de Schmidt, de Koppers, etc, em França pesquisadores como Paul Rivet, ou antropólogos como Goldeweiser nos Estados Unidos, para só mencionar nomes da primeira linha. Freud não tomou conhecimento das novas escolas de etnologia religiosa. Ficou no antropologismo do século XIX e sobre ele é que assenta as suas próprias conjecturas. Em “Totem e Tabu” apresentava a religião como filha do “complexo de Édipo” em tribos selvagens primitivas. Era das relações entre filho e pai que nascia a religião, como das relações entre filho e mãe é que nascia, a arte. O Vaterkomplex era como ele diz, ambivalente, pois nascia primeiro de um sentimento de respeito e depois de ódio e inveja. Teria havido então uma revolta geral dos filhos contra os pais e o assassinato destes. Mais tarde um sentimento de remorso surgia e lentamente o sentimento histórico de fraternidade se transformava num sentimento religioso de dependência de uma paternidade celeste. Essa fábula é aceita por Freud como sendo a expressão histórica e psicológica do sentimento religioso nos homens. “Aquele pai primitivo ( Urvater) se transformou, por meios que não preciso repetir aqui, na imagem original (Urbild) de Deus, num modelo segundo o qual gerações posteriores construíram a figura de Deus...A doutrina religiosa nos comunica portanto a verdade histórica (sic)...E observamos portanto que o tesouro das representações religiosas não contém apenas expressões do desejo individual, mas também importantes reminiscências históricas” (ib.p.69). Toda essa fantasia etnológica de Freud, que ele aceita como um dogma, não passa de uma hipótese secundária de Darwin, hoje absolutamente desprezada por todo etnólogo de responsabilidade. E a conclusão de Carl Clemmen, no capítulo Mythologie Religions Geschichte und Psychoanalyse do grande inquérito sobre a Krisis der Psychoanalyse, é que: “Até hoje as contribuições da psicanálise para a mitologia e a história das religiões, como puderam ser expostas aqui, tanto no material que trouxe como nas suas críticas a outras contribuições, e apesar de estimáveis observações isoladas – são inteiramente insatisfatórias (durchwegunbefriedigend)”. (K. d. psa. p. 195) Se no volume sobre “Totem e Tabu” Freud se deixava dominar inteiramente pelo etnologismo religioso, acentua no “Futuro de uma Ilusão”, sua obra mais recente a respeito, - o psicologismo religioso, atribuindo a origem da religião ao sentimento de desamparo. Hilflosigkeit, do homem à sua necessidade de defesa contra a pressão da natureza. De modo que, à medida que a Natur for sendo vencida pela Kultur, a religião tende necessariamente a desaparecer, cedendo de todo o seu lugar à ciência. Freud é um cientificista, em todo o esplendor da palavra, isto é, um homem que só acredita no conhecimento científico experimental como forma de penetração da realidade. Tudo mais é o que ele chama “ilusão” e que distingue de erro, pois pode ou não ser verdade, por acaso. No caso da religião, em suas afirmações metafísicas, não resta a Freud ilusão alguma. É uma pura “ilusão” sem base nenhuma, a não ser reminiscências históricas e medo. É, como se vê, um psicologismo pueril e que se contenta com pouco. Sua conclusão é a mesma de Guyau na sua “Irreligião do Futuro”. E por mais cândido que seja o seu otimismo (pois Freud acredita firmemente com a sua mentalidade de psiquiatra que não conseguiu adaptar-se ainda à qualidade de filósofo que hoje xxxiv

pleiteia, - Freud acredita que o sentimento religioso é uma forma de Zwangs neurose e que o homem mentalmente sadio não pode ser um homem religioso, como pensam todos os racionalistas de mentalidade semelhante à sua), - por maior que seja o otimismo do mestre sobre o futuro da humanidade, já não é o mesmo nos seus discípulos. Um deles, o que se especializou exatamente em estudos de psicologia religiosa, Theodor Reik, longe de ter o dogmatismo científico de Freud como expressão da verdade, termina a sua obra contra o Dogma, numa conclusão absolutamente cética, mesmo em relação às ilusões científicas do seu mestre. “Com a destruição da religião na humanidade culta, deve também cair o dogma e com ele desaparecem a teologia racional, a apologética e a dogmática. Certamente, isso não significa o desaparecimento de todos os dogmas. Em lugar do dogma religioso hão de aparecer outros, talvez o socialista ou o científico”. (T. h. Reik – Dogma und Zwangsidee. 1927. p. 142) Freud, com a sua aceitação arbitrária de postulados a priori, como o postulado agnóstico, o postulado evolucionista, o postulado determinista, se inclui inteiramente nesse movimento de dogmatismo cientista que pretende hoje em dia substituir o dogmatismo religioso. Prova patente que ignora tanto o que é o dogma, no verdadeiro sentido religioso (fixação de uma verdade revelada), como o que é a ciência experimental, no seu necessário anti-dogmatismo. Mau mestre, portanto, que já começa a ser abandonado pelos seus discípulos, nessa marcha terrível de negações sucessivas, de ídolos derrubados, que é o orgulho e a vaidade dos homens de nossos dias, exasperados de relatividade e de individualismo. xxxv

Freud, <strong>de</strong> fato, aceita os postulados a priori da escola antropológica (o<br />

agnosticismo, o evolucionismo e o <strong>de</strong>terminismo), s<strong>em</strong> ensaiar a mínima crítica.<br />

Desconhece, ou faz por <strong>de</strong>sconhecer todo o movimento anti-evolucionista iniciado na<br />

Inglaterra por Andrew Lang e por Samuel Butler o que hoje <strong>em</strong> dia inspira na<br />

Al<strong>em</strong>anha a escola histórica <strong>de</strong> Graebner, <strong>de</strong> Frobenius, <strong>de</strong> Schmidt, <strong>de</strong> Koppers, etc,<br />

<strong>em</strong> França pesquisadores como Paul Rivet, ou antropólogos como Gol<strong>de</strong>weiser nos<br />

Estados Unidos, para só mencionar nomes da primeira linha.<br />

Freud não tomou conhecimento das novas escolas <strong>de</strong> etnologia religiosa. Ficou<br />

no antropologismo do século XIX e sobre ele é que assenta as suas próprias<br />

conjecturas. Em “Tot<strong>em</strong> e Tabu” apresentava a religião como filha do “complexo <strong>de</strong><br />

Édipo” <strong>em</strong> tribos selvagens primitivas. Era das relações entre filho e pai que nascia a<br />

religião, como das relações entre filho e mãe é que nascia, a arte. O Vaterkomplex era<br />

como ele diz, ambivalente, pois nascia primeiro <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> respeito e <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ódio e inveja. Teria havido então uma revolta geral dos filhos contra os pais e o<br />

assassinato <strong>de</strong>stes. Mais tar<strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> r<strong>em</strong>orso surgia e lentamente o<br />

sentimento histórico <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong> se transformava num sentimento religioso <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> uma paternida<strong>de</strong> celeste.<br />

Essa fábula é aceita por Freud como sendo a expressão histórica e psicológica<br />

do sentimento religioso nos homens.<br />

“Aquele pai primitivo ( Urvater) se transformou, por meios que não preciso<br />

repetir aqui, na imag<strong>em</strong> original (Urbild) <strong>de</strong> Deus, num mo<strong>de</strong>lo segundo o qual<br />

gerações posteriores construíram a figura <strong>de</strong> Deus...A doutrina religiosa nos comunica<br />

portanto a verda<strong>de</strong> histórica (sic)...E observamos portanto que o tesouro das<br />

representações religiosas não contém apenas expressões do <strong>de</strong>sejo individual, mas<br />

também importantes r<strong>em</strong>iniscências históricas” (ib.p.69).<br />

Toda essa fantasia etnológica <strong>de</strong> Freud, que ele aceita como um dogma, não<br />

passa <strong>de</strong> uma hipótese secundária <strong>de</strong> Darwin, hoje absolutamente <strong>de</strong>sprezada por todo<br />

etnólogo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. E a conclusão <strong>de</strong> Carl Cl<strong>em</strong>men, no capítulo<br />

Mythologie Religions Geschichte und Psychoanalyse do gran<strong>de</strong> inquérito sobre a<br />

Krisis <strong>de</strong>r Psychoanalyse, é que: “Até hoje as contribuições da psicanálise para a<br />

mitologia e a história das religiões, como pu<strong>de</strong>ram ser expostas aqui, tanto no material<br />

que trouxe como nas suas críticas a outras contribuições, e apesar <strong>de</strong> estimáveis<br />

observações isoladas – são inteiramente insatisfatórias (durchwegunbefriedigend)”.<br />

(K. d. psa. p. 195)<br />

Se no volume sobre “Tot<strong>em</strong> e Tabu” Freud se <strong>de</strong>ixava dominar inteiramente<br />

pelo etnologismo religioso, acentua no “Futuro <strong>de</strong> uma Ilusão”, sua obra mais recente<br />

a respeito, - o psicologismo religioso, atribuindo a orig<strong>em</strong> da religião ao sentimento<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo. Hilflosigkeit, do hom<strong>em</strong> à sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra a pressão<br />

da natureza. De modo que, à medida que a Natur for sendo vencida pela Kultur, a<br />

religião ten<strong>de</strong> necessariamente a <strong>de</strong>saparecer, ce<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> todo o seu lugar à ciência.<br />

Freud é um cientificista, <strong>em</strong> todo o esplendor da palavra, isto é, um hom<strong>em</strong><br />

que só acredita no conhecimento científico experimental como forma <strong>de</strong> penetração<br />

da realida<strong>de</strong>. Tudo mais é o que ele chama “ilusão” e que distingue <strong>de</strong> erro, pois po<strong>de</strong><br />

ou não ser verda<strong>de</strong>, por acaso. No caso da religião, <strong>em</strong> suas afirmações metafísicas,<br />

não resta a Freud ilusão alguma. É uma pura “ilusão” s<strong>em</strong> base nenhuma, a não ser<br />

r<strong>em</strong>iniscências históricas e medo.<br />

É, como se vê, um psicologismo pueril e que se contenta com pouco. Sua<br />

conclusão é a mesma <strong>de</strong> Guyau na sua “Irreligião do Futuro”. E por mais cândido que<br />

seja o seu otimismo (pois Freud acredita firm<strong>em</strong>ente com a sua mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

psiquiatra que não conseguiu adaptar-se ainda à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> filósofo que hoje<br />

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