Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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como se classifica a propósito <strong>de</strong> suas “façanhas <strong>de</strong> experiência literária”: “escritor<br />
mais serelepe que eu nunca vi”. Serelepe, termo expressivo e engraçado. Serelepe...<br />
Arca <strong>de</strong> Noé<br />
A idéia central da obra <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> está <strong>em</strong> “Escrava que Não É<br />
Isaura”. Em torno <strong>de</strong>ste livro giram os d<strong>em</strong>ais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “Paulicéia Desvairada”, <strong>de</strong> cujo<br />
prefácio, maior do que a obra <strong>em</strong> si, como já vimos, parece este, parece, não, é este<br />
um <strong>de</strong>sdobramento eventual, que acabou abafando, asfixiando, esmagando a<br />
pseudoestesia da “Paulicéia”, sua (...) e posfácio, cada vez maior, notadamente <strong>em</strong><br />
“Escrava” que tomou a forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> livro. Confirma-se, portanto, a<br />
observação, anteriormente feita: <strong>em</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> os prefácios é que são as<br />
verda<strong>de</strong>iras obras. Razão porque <strong>de</strong> todos os seus livros <strong>de</strong> títulos caprichosamente<br />
fantasistas, como “Losango Cáqui”, “Amar, Verbo Intransitivo”, “Primeiro Andar”,<br />
até esta “Escrava” po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como a fonte germinativa <strong>de</strong> todos. Vistos <strong>em</strong><br />
conjunto (porque seria inútil, sobre-exaustivo, vê-los <strong>de</strong> per si) não há dúvida que,<br />
tanto na prosa como no verso, não é <strong>de</strong> todo s<strong>em</strong> nexo a sua ativida<strong>de</strong> criadora,<br />
quando consegue romper o florestal das teorias literárias dos Cendrars, dos Cocteaus,<br />
dos Morands, dos Baudouins, para entrar, aqui ou ali, numa clareira florida <strong>de</strong> idéias<br />
realmente interessantes sobre a renovação estética do Brasil. Deve-se admitir, a estes<br />
raros pontos <strong>de</strong> vista, que é ele um dos mais representativos engenhos do movimento<br />
mo<strong>de</strong>rnista que atravessamos. Na prosa, <strong>de</strong> preferência, na crítica musical, com o seu<br />
estudo sobre Debussy e nos contos do “Primeiro Andar”. Em “Amar, Verbo<br />
Intransitivo”, é duma prolixida<strong>de</strong> estafante contra todas as “receitas” por ele prescritas<br />
da “rapi<strong>de</strong>z”, da “síntese”, da “fadiga”, da “simultaneida<strong>de</strong>”, do “<strong>de</strong>svairismo”, <strong>de</strong><br />
quanta escola inventou ou está por inventar (“Está acabada a escola poética<br />
‘Desvairismo’. Próximo livro fundarei outra”.) Em “Amara, Verbo”, predomina um<br />
freudismo <strong>de</strong>senfreado. Freud sexualista, não o melhor <strong>de</strong> Freud. Arte, por inferência.<br />
Artificialismo falsamente científico. Em “Losango”, dissolução <strong>de</strong> ritmos e formas,<br />
até o simples esqu<strong>em</strong>a para <strong>de</strong>senvolvimentos posteriores, que não foram feitos e n<strong>em</strong><br />
eram para o ser, conforme a profissão <strong>de</strong> fé enigmatista, que tanto o distingue e<br />
caracteriza. Em ... Mas fal<strong>em</strong>os <strong>de</strong> “Escrava que não é Isaura”, que é b<strong>em</strong> possível ter<br />
sido (...).<br />
Livro <strong>de</strong>sconcertante, que não educa, n<strong>em</strong> conclui, <strong>de</strong> tanta mixórdia (...),<br />
amalgamada <strong>em</strong> citações tumultuárias, s<strong>em</strong> propósito sensível, por on<strong>de</strong> se<br />
acotovelam Cristo, Adão e Rimbaud, como viajantes duma Arca <strong>de</strong> Noé que lógica,<br />
bíblica e diluvialmente fora a se (...) num Arat r<strong>em</strong>oto, diante <strong>de</strong> uma simbólica<br />
mulher nua a que, por alcunha ultramo<strong>de</strong>rnista ficou sendo chamada, para todos os<br />
efeitos – “poesia”, ou “Escrava do Arat” (...) Aí está. E vai começar o entr<strong>em</strong>es:<br />
“Primeira parte”; “Começo por conta <strong>de</strong> somar”. Note-se que, no primeiro prefácio,<br />
duas páginas antes, já o autor começara: “começo por uma história.” Dois prefácios<br />
com os mesmos começos. Mas começa por explicar os começos da arte, ou: “belaarte”,<br />
<strong>de</strong>ntro da bicharia refugiada da Arca <strong>em</strong> promiscuida<strong>de</strong>s líricas com Cristo,<br />
Rimbaud, Adão, e agora um novo passageiro arrebanhado nas costas gregas,<br />
Aristóteles. Interessante <strong>em</strong>bora muito mais clara, <strong>em</strong> estetas don<strong>de</strong> a parafraseou,<br />
esta história das origens da arte. Dá, porém, <strong>de</strong> preferência, o braço a um Paulo<br />
Dermée qualquer, e entra na dança, com que <strong>de</strong>splante! Cheio <strong>de</strong> fórmulas, contas <strong>de</strong><br />
somar, ou <strong>de</strong> chegar a boa viag<strong>em</strong>, o hom<strong>em</strong> inimigo <strong>de</strong> fórmulas e regras. É<br />
divertido. Vejamos o que ele giza num recanto da Arca, modificando a fórmula <strong>de</strong><br />
Paulo Dermée. (Qu<strong>em</strong> será <strong>de</strong>ntro da Arca essa besta?) “Lirismo + arte = poesia”.<br />
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