26.02.2014 Views

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

“me dá”, como nós, era muito mais certo e mais bonito do que dizer-se “dá-me”,<br />

imperativo, como nossos amigos <strong>de</strong> Lisboa. Entretanto, o Sr. João Ribeiro não passou<br />

da teoria e v<strong>em</strong> escrevendo até hoje com mais talento, é certo, mas pelo mesmo<br />

sist<strong>em</strong>a e a mesmíssima sintaxe que provocaram a sua insurreição tão b<strong>em</strong> fundada.<br />

Foi o Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> que teve corag<strong>em</strong> <strong>de</strong>, antes dos outros, escrever<br />

<strong>em</strong> língua brasileira. Havia, é verda<strong>de</strong>, a poesia sertaneja do Catullo que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> algum<br />

t<strong>em</strong>po, gozava aqui <strong>de</strong> certo favor da gente dada a letras, apesar <strong>de</strong> seu vocabulário<br />

<strong>de</strong>turpado e <strong>de</strong> sua sintaxe el<strong>em</strong>entar. Mas ninguém pensava <strong>em</strong> escrever verso e<br />

prosa segundo o mo<strong>de</strong>lo da “cabocla <strong>de</strong> caxangá”. O próprio Catullo, entrevendo<br />

perspectivas <strong>de</strong> penetrar na literatura oficial, senão na própria Acad<strong>em</strong>ia, principiou a<br />

fazer poesia científica, <strong>de</strong> acordo com as boas normas <strong>de</strong> concordância e o dicionário<br />

<strong>de</strong> rimas ricas. A espécie <strong>de</strong> dialeto <strong>em</strong> que cantava as suas modinhas e os seus<br />

<strong>de</strong>safios revelou-se <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po artificioso. Quando as coisas estavam assim,<br />

meio lá, meio cá, entre o caboclismo do Catullo e o neo-sertanismo do Sr. Monteiro<br />

Lobato e <strong>de</strong> outros, compareceu o Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, na própria “Revista do<br />

Brasil” (primeira fase), on<strong>de</strong> o autor dos “Urupês”pregava a estética <strong>de</strong> Jeca Tatu,<br />

começou a mostrar que o nacionalismo lobatiano não era o brasileirismo “que ele<br />

pregaria”.<br />

Qu<strong>em</strong> lesse, <strong>de</strong> um lado, a doutrinação sertanista do contador da “Negrinha” e,<br />

do outros, as críticas <strong>de</strong> arte do futuro autor do “Amar, Verbo Intransitivo”, acabaria<br />

concluindo que havia mais sentimento nacional num ensaio do Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

sobre pintura ou poesia estrangeira, do que nos artigos do Sr. Monteiro Lobato,<br />

d<strong>em</strong>onstrando a genialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pedro Américo e <strong>de</strong> Almeida Júnior. Com efeito, não<br />

bastavam t<strong>em</strong>as brasileiros para nacionalizar a arte <strong>de</strong>sse país. O fato <strong>de</strong> um romance<br />

ou um conto ter por objeto <strong>de</strong>terminados episódios ocorridos no interior, não era<br />

suficiente para fazer <strong>de</strong>sse romance ou <strong>de</strong>sse conto obra mais caracteristicamente<br />

brasileira do que outras que tratass<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, da tomada <strong>de</strong> Constantinopla. O<br />

caráter nacional <strong>de</strong> um livro, <strong>de</strong> um quadro, <strong>de</strong> uma música ou <strong>de</strong> uma estátua não<br />

está no t<strong>em</strong>a, no assunto <strong>de</strong>les. Acha-se na <strong>em</strong>oção especial que eles encerram na<br />

forma particular <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> que resum<strong>em</strong>, na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento que os<br />

inspirou. Os contos regionais do Sr. Monteiro Lobato, por ex<strong>em</strong>plo, são muito menos<br />

brasileiros do que ele supunha. A influência enorme que se sente do espírito e da<br />

maneira <strong>de</strong> Fialho D’Almeida sobre os melhores <strong>de</strong>les faz com que a obra daquele<br />

escritor paulista tenha falhado ao objetivo que se propôs.<br />

O Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, com toda a certeza, percebeu isso, com a sua gran<strong>de</strong><br />

luci<strong>de</strong>z. E, tendo experimentado o gênero lobatiano <strong>em</strong> certa fase (<strong>em</strong> 1917 e 1918,<br />

como se po<strong>de</strong> verificar no recente livro <strong>de</strong> contos que publicou: “Primeiro Andar”),<br />

não tardou a procurar abrasileirar-se <strong>de</strong> outro modo. É preciso que se diga, aliás, que<br />

ele não abandonou aquele gênero por ter fracassado aí. Ao contrário. Os dois contos<br />

sertanejos que encontramos no volume há pouco aparecido, mostram que seria capaz<br />

<strong>de</strong> escrever histórias <strong>de</strong> caipiras tão boas ou melhores do que as que exist<strong>em</strong> na<br />

literatura nacional. A sua “Caçada <strong>de</strong> Macuco”e o seu “Caso Pansudo” são, s<strong>em</strong> a<br />

menor dúvida, ex<strong>em</strong>plares estupendos <strong>de</strong> histórias caipiras. O primeiro, sobretudo, me<br />

parece admirável. Igual ao “Pedro Barqueiro”, ao “Joaquim Mironga” e a “A Garupa”<br />

<strong>de</strong> Afonso Arinos; ao “Chô Pan!” e ao “Bugio Moqueado” do Sr. Monteiro Lobato,<br />

que representam o que <strong>de</strong>ram <strong>de</strong> melhor esses autores regionalistas. Mas n<strong>em</strong> por se<br />

ter saído b<strong>em</strong> no gênero, o Sr. <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> quis continuar a escrever contos<br />

sertanejos. Talvez mesmo por ter achado muita facilida<strong>de</strong> d<strong>em</strong>ais <strong>em</strong> compor<br />

s<strong>em</strong>elhantes histórias, ele principiou a <strong>de</strong>sconfiar <strong>de</strong> que assim não podia estar<br />

andando direito. O caminho que vai à casa gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ambições não havia <strong>de</strong> ser<br />

xviii

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!