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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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mar não me vê, estas criaturas viventes não me conhec<strong>em</strong>, estes anciões não são meus<br />

servos, a terra não é minha, o Céu não me foi dado, o Livro Selado não é minha<br />

herança, os anjos faz<strong>em</strong> o que outro or<strong>de</strong>na, as trombetas tocam s<strong>em</strong> o meu bramido,<br />

as pragas não são enviadas por mim, o incenso das salvas não é meu, o Santuário<br />

fecha s<strong>em</strong> eu entrar, eu não sou o Santo Criador”!<br />

Consi<strong>de</strong>ro trechos, como estes citados, verda<strong>de</strong>iramente notáveis, uma<br />

exaltação mística vibrante, uma eloquência sentida, criadora <strong>de</strong> ótimos ritmos e<br />

sonorida<strong>de</strong>s, uma imaginação mirífica <strong>em</strong> que se misturam práticas, ritos <strong>de</strong> várias<br />

religiões (o espiritismo também não é esquecido), produzindo combinações novas,<br />

imagens esplêndidas, um sentido muitas vezes inédito da adjetivação. Aquela “meiga<br />

encarnação”, aquela “ingênua vonta<strong>de</strong> perfeita” não são ex<strong>em</strong>plos únicos <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r<br />

inédito <strong>de</strong> adjetivação. Surg<strong>em</strong> inesperadamente um “harmonioso louvor”, um<br />

“garboso test<strong>em</strong>unho”; e o Príncipe do Fogo às vezes penetra <strong>em</strong> “noites confusas”,<br />

mas tudo vence com a sua “erudição <strong>de</strong>liciosa”.<br />

E é com seu po<strong>de</strong>r e a sua verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>liciosa... erudição que o Príncipe<br />

constrói a maioria <strong>de</strong> suas sentenças, levado por um verda<strong>de</strong>iro amor do próximo, a<br />

tudo e todos prometendo glórias e felicida<strong>de</strong>. Dirigindo-se à terra ele promete: “darte-ei<br />

dobrados bens, usarei <strong>de</strong> misericórdia com os habitantes teus, encher-te-ei <strong>de</strong><br />

magníficos jardins”! Aos animais: “Multiplicar-vos-ei o número dos mansos,<br />

acrescentar-vos-ei as vossas forças, diminuir-vos-ei os maus, suscitar-vos-ei a alegria<br />

dos campos, enriquecer-vos-ei as crias das veredas”! Não é magnífico? E só dando<br />

benefícios, aos espaços, às pedras fiéis, às nuvens fiéis, às almas viventes, às ilhas,<br />

aos quatro ventos, aos vegetais, t<strong>em</strong> este passo da maior beleza poética, dirigido aos<br />

mares: “suscitar-vos-ei gran<strong>de</strong>s peixes mansos, lindos <strong>em</strong> escamas, legar-vos-ei ilhas<br />

estacionárias para os pescadores teus, usarei <strong>de</strong> cl<strong>em</strong>ência com os teus navegantes,<br />

dar-vos-ei inumeráveis marinhas <strong>de</strong> sal!”<br />

Está claro que escolhi as passagens melhores para apresentação. Livro<br />

irregular, <strong>de</strong>sagradável pelos <strong>de</strong>feitos gramáticos violentos, mas incontestavelmente<br />

produzido com gran<strong>de</strong> força lírica. Apesar das r<strong>em</strong>iniscências <strong>de</strong> leituras evoca por<br />

momentos a eloqüência apocalíptica <strong>de</strong> São João, <strong>em</strong> outros, pelo inesperado<br />

sonhador das visões, l<strong>em</strong>bra Lautreamont. Mesmo na literatura culta brasileira, não<br />

sei <strong>de</strong> páginas mais belas, mais fortes que estas revelações do Príncipe do Fogo.<br />

xi

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