Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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coor<strong>de</strong>nadoras do fenômeno humano, creio que não é impossível perceber que Carlos<br />
se rege por idéias <strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong> religião, <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, etc, que não são<br />
simples fenomenologia biológica, mas transcend<strong>em</strong> <strong>de</strong>sta. Tanto assim que na<br />
convivência Carlos-corpo com Carlos-espírito, este ensina para o outro conceito<br />
permanente <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong> ciência e <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />
E ainda estava nas minhas intenções fazer uma sátira, dolorosa para mim e<br />
para todos os filhos do t<strong>em</strong>po, a essa profun<strong>de</strong>za e agu<strong>de</strong>za <strong>de</strong> observação psicológica<br />
dos dias <strong>de</strong> agora. Aqueles que estão magnetizados pelo “sentimento trágico da vida”<br />
e perceb<strong>em</strong> forças exteriores, aqueles que estão representados pelo fatalismo<br />
mecânico maquinal do indivíduo mo<strong>de</strong>rno, tal como Charles Chaplin, o realiza;<br />
aqueles que atravessaram o escalpelo <strong>de</strong> Freud e se sujeitaram a essa forma dubitativa<br />
<strong>de</strong> auto-análise <strong>de</strong> Proust; aqueles que por tanta fineza, tanta sutileza, tanta infinida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> reações psicológicas contraditórias não consegu<strong>em</strong> mais perceber a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> si<br />
mesmos. Todo esses ca<strong>em</strong> na gargalhada horrível <strong>de</strong>stes dias, ca<strong>em</strong> no diletantismo e<br />
n<strong>em</strong> indagam <strong>de</strong> mais nada porque “ninguém o saberá jamais”. Pois então: sátira para<br />
esses e aqueles! E dando como protótipo <strong>de</strong> beleza humana o meu inventado Carlos,<br />
indivíduo normal, indivíduo puro, indivíduo que se sujeitas às gran<strong>de</strong>s normas, eu<br />
creio que pu<strong>de</strong> coroar a sátira com uma evocação que vai além dos simples valores<br />
hedonísticos.<br />
Aqui convém matutar numa coisa importante: parece que eu dou para minha<br />
arte uma eficiência moral. Não t<strong>em</strong> dúvida que minha arte é moral no sentido largo<br />
<strong>em</strong> que ela participa do vital e principalmente do vital humano. Porém, estes costumes<br />
são “artismoralista”. A arte é s<strong>em</strong>pre moral enquanto lida com os costumes. Porém,<br />
estes costumes são “artísticos”, quero dizer, são brinquedos puros, <strong>de</strong>sinteressado<br />
imediatamente, jogando com os dados vitais: sejam el<strong>em</strong>entos sensoriais, sons,<br />
volumes, movimentos, cores, etc; sejam el<strong>em</strong>entos físicos, os sentimentos, o amor,<br />
heroísmo, cólera, pavor, paulificação. Até paulificação.<br />
Confesso que com o el<strong>em</strong>ento paulificação ainda não publiquei nenhum<br />
trabalho “propositalmente”. Mas já tenho alguns na gaveta. Porém, é fácil <strong>de</strong> provar<br />
que <strong>em</strong> várias páginas minhas publicadas procurei <strong>de</strong>spertar nos meus leitores os<br />
sentimentos <strong>de</strong> cólera, <strong>de</strong> irritação, <strong>de</strong> impertinência, <strong>de</strong> mistério, etc. Não sei se<br />
conseqüent<strong>em</strong>ente a boniteza coroou essas brinca<strong>de</strong>iras, porém, é certo que exist<strong>em</strong>.<br />
Mas por outro lado, se Carlos conserva os “provérbios <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>”e se rege<br />
pelas gran<strong>de</strong>s idéias normativas ele não conseguirá ser mais do que uma simples<br />
reação fisiológica. Estas darão um São Tomás e um Anchieta? Afirmarei que não, no<br />
livro. Po<strong>de</strong>rão dar, quando muito, um Carlos Souza Costa. Foi o que afirmei.<br />
Carlos não passa <strong>de</strong> um burguês chatíssimo do século passado. Ele é<br />
tradicional <strong>de</strong>ntro da única coisa a que se resume até agora a cultura brasileira:<br />
educação e modos.<br />
Em parte enorme: Má educação e maus modos. Carlos está entre nós pelo<br />
incomparavelmente mais numeroso que ainda t<strong>em</strong> no Brasil <strong>de</strong> tradicionalismo<br />
“cultural brasileiro burguês oitocentista”. Ele não chega a manifestar um estado biopsíquico<br />
do indivíduo que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rno. Carlos é apenas uma<br />
apresentação, uma constatação da constância cultural brasileira. E se não <strong>de</strong>i solução é<br />
porque meus livros não sab<strong>em</strong> ser tese. Não se consegue tirar <strong>de</strong> “Amar, Verbo<br />
Intransitivo”, mais que a constatação <strong>de</strong> uma infelicida<strong>de</strong> que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos homens.<br />
E basta. Não sou nenhum vaidoso que julgue-me inatingível às críticas. Até<br />
sou especialmente grato a Tristão <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong> por tudo o que é <strong>de</strong> mim sobre o qual<br />
ele chamou minha atenção consciente. Mas agora senti precisão <strong>de</strong> evocar certas<br />
vii