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Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...

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quadrinha que diz também da con<strong>de</strong>scendência com que o rito da castida<strong>de</strong> olha as<br />

mulheres <strong>de</strong> terra estranha:<br />

Mulatinhas são barquinhos,<br />

As crioulas são saveiros:<br />

Que belas <strong>em</strong>barcações<br />

Para <strong>em</strong>barcar marinheiros!<br />

Já o nosso Gregório <strong>de</strong> Mattos repetira isso mesmo com salgadíssima<br />

aspereza, que não quero citar. Mas não quero esquecer que esta con<strong>de</strong>scendência<br />

provocada pelo rito da castida<strong>de</strong> marinha, é risonhamente encontrável no entusiasmo<br />

com que os nossos primeiros cronistas elogiaram as índias. Em Vaz <strong>de</strong> Caminha a<br />

preocupação chega à impertinência, e mulher não vê que não lhe cite logo “as<br />

vergonhas”. Ivo D’Evreux se <strong>de</strong>licia com a esbelteza dos corpos, e Pero Lopes chega<br />

a especialista quando prefere as índias do Rio <strong>de</strong> Janeiros às da Bahia, vivam as<br />

cariocas!<br />

Mais instrutivo para o nosso complexo é a comparação mulher-peixe tão<br />

generalizada entre Lusos e Brasileiros. Vamos logo sofregamente aos “peixões”,<br />

sendo <strong>de</strong> notar que jamais nos l<strong>em</strong>bramos <strong>de</strong> chamar às mulheres, elogiosamente, <strong>de</strong><br />

galinhas, vacas, cozidos ou vatapás. Para Lusos, como Brasileiros, as mulheres são<br />

presentes admiráveis do mar. No Pará, menina apetecível é “casquinho”, aludindo a<br />

um dos melhores pratos que nos fornece o caranguejo. Ficou célebre na anedótica<br />

portuguesa, a troca das infantas portuguesa e espanhola que iam se casar com os<br />

príncipes do Brasil e das Astúrias. A menina portuguesa era linda e a espanhola,<br />

horrenda. E os r<strong>em</strong>eiros portugueses das galeotas reais comentaram que se tinham<br />

dado aos espanhóis uma “pescada do alto”, estes mandavam <strong>em</strong> troca uma “sardinha<br />

petinga”. Da imag<strong>em</strong> mulher-peixe, eis uma portuguesa:<br />

Fui ao mar caçar peixinhos<br />

Cacei uma rapariga:<br />

Se eu assim caçara s<strong>em</strong>pre,<br />

Eu nunca do mar saíra.<br />

A que os Gaúchos respond<strong>em</strong><br />

Pescador que andas pescando<br />

Lá para as bandas do Sul,<br />

Pescador, vê se me pescas<br />

A moça do lenço azul!<br />

A substituição mullher-peixe não implicando símbolo, parece realmente<br />

<strong>de</strong>rivada da dona ausente. Não <strong>de</strong>riva do mito da sereia, aliás, vivíssimo também entre<br />

nós, e só a t<strong>em</strong> encontrado <strong>em</strong> Portugal e no Brasil. Os africanos, pelo contrário, é à<br />

mulher repulsiva que chamam “peixe”.<br />

Outro t<strong>em</strong>a que, <strong>de</strong>sconfio, pertence exclusivamente ao folclore luso-brasileiro<br />

é o da Cana-Ver<strong>de</strong>, que é um legítimo “símbolo”, no sentido da psicologia<br />

cont<strong>em</strong>porânea. Leite <strong>de</strong> Vasconcelos o anteviu quando diz que “há muitas cantigas<br />

<strong>em</strong> que parece que as raparigas são chamadas alegoricamente <strong>de</strong> caninhas”. Não se<br />

trata <strong>de</strong> uma alegoria mas exatamente <strong>de</strong> um símbolo <strong>em</strong> que se ajuntam muitas<br />

noções, como, por ex<strong>em</strong>plo, a imag<strong>em</strong> fálica. A ele também se ajunta a noção do<br />

iii

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