Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Neste momento <strong>de</strong> sua produção e neste período da história, <strong>Mário</strong> estava<br />
particularmente preocupado com a participação social do artista e da arte. T<strong>em</strong>po <strong>em</strong><br />
que, segundo Moacyr Werneck <strong>de</strong> Castro, “as consciências estão perplexas,<br />
assustadiças, afundadas na incerteza do amanhã. E, entre elas, uma das mais sensíveis<br />
aos ventos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados no país e no mundo é a <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>”. 427<br />
Consi<strong>de</strong>ramos que <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, na contra-mão <strong>de</strong> teorias como as da<br />
hereditarieda<strong>de</strong>-<strong>de</strong>generescência, através <strong>de</strong> sua literatura, teve uma participação<br />
especial, contribuindo para a inscrição e diss<strong>em</strong>inação das idéias psicanalíticas, no<br />
período <strong>de</strong> implantação da psicanálise no cenário cultural brasileiro. Talvez a lição<br />
que os psicanalistas <strong>de</strong> hoje têm a apren<strong>de</strong>r com <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, num momento <strong>em</strong><br />
que a psicanálise corre o risco <strong>de</strong> se dissolver no <strong>em</strong>aranhado das psicoterapias,<br />
per<strong>de</strong>ndo a sua potência <strong>de</strong> peste, é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reinventar a psicanálise,<br />
reinterpretar os rastros freudianos, resgatando a sua virulência, mas livrando-se da<br />
nostalgia, do culto do passado. Pod<strong>em</strong>os apren<strong>de</strong>r, ainda, sobre os usos da linguag<strong>em</strong>,<br />
acerca <strong>de</strong> sua ambigüida<strong>de</strong>, dubieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos, do dizer nas entrelinhas, das<br />
escanções nas palavras, que “tensionadas pela função poética” transformam-se <strong>em</strong><br />
<strong>de</strong>tritos metaforizados. <strong>Mário</strong>, que não chegou a se psicanalisar, soube fazer com<br />
lalíngua, jogando com mestria o jogo fônico-verbal das palavras e da linguag<strong>em</strong>,<br />
produzindo <strong>em</strong> nós, leitores, efeitos e afetos.<br />
Ao concluir este percurso sobre os rastros freudianos <strong>em</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> –<br />
qu<strong>em</strong> teorizou, justamente, sobre o inacabado nas artes, atributo que <strong>em</strong> O banquete<br />
aparece como “convidativo e insinuante –, não pretend<strong>em</strong>os que esta tese tenha<br />
encontrado todas as respostas ou tentado resolver todas as contradições levantadas, e<br />
esperamos que se tenha furtado ao erro <strong>de</strong> medir os usos que <strong>Mário</strong> fez da psicanálise<br />
relativamente a um mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al qualquer. Esperamos, sim, ter <strong>de</strong>ixado algumas<br />
interessantes contradições e questões <strong>em</strong> aberto, para que continu<strong>em</strong> a ser pensadas.<br />
Estas idéias nos reenviam ao ensaio sobre o <strong>de</strong>senho, no qual <strong>Mário</strong> afirma ser este<br />
um fato aberto, situando-o como “uma espécie <strong>de</strong> escritura”, como o antece<strong>de</strong>nte dos<br />
hieróglifos. Compara as pinturas primitivas com o <strong>de</strong>senho, na medida <strong>em</strong> que estas<br />
“se diss<strong>em</strong>inam pelas faces, pelo corpo, s<strong>em</strong> o princípio da composição fechada”. 428<br />
Diz ainda que o <strong>de</strong>senho chega a assumir “a natureza essencialmente poética do<br />
427 M. W. <strong>de</strong> Castro, “<strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> no Rio: ‘um mundo novo, quase incompreensível’”, Revista<br />
do Brasil, p. 60.<br />
428 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “Do <strong>de</strong>senho”, Aspectos das artes plásticas no Brasil, p. 68.<br />
177