Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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Andra<strong>de</strong>. Encontramos, ainda, uma tradução própria para o termo libido <strong>em</strong> Amar,<br />
verbo intransitivo, com a expressão “fomes amorosas”. O conto “Atrás da catedral <strong>de</strong><br />
Ruão”, através dos diálogos <strong>de</strong> Mad<strong>em</strong>oiselle com as “pequenas rabelaisianas”,<br />
revelou-nos a articulação entre <strong>de</strong>sejo e linguag<strong>em</strong>, on<strong>de</strong> as palavras, <strong>em</strong> sua<br />
ambigüida<strong>de</strong>, jogam com o sentido sexual naquela “meia-língua eivada <strong>de</strong> metáforas<br />
suspeitas”. Tais neologismos alud<strong>em</strong> ao reprimido que retorna, <strong>de</strong>ixando entrever os<br />
<strong>de</strong>sejos proibidos que eclod<strong>em</strong> no <strong>de</strong>rrière das catedrais e nas conversas das três.<br />
A teoria psicanalítica como um modo <strong>de</strong> pensar o sujeito <strong>de</strong>scentrado da<br />
consciência, dividido por seus <strong>de</strong>sejos inconscientes, regido por uma outra legalida<strong>de</strong><br />
que não o domínio da razão, contribuiu, <strong>em</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, para a construção <strong>de</strong><br />
personagens não lineares e coerentes – e neste sentido discordantes consigo mesmos,<br />
mais incoerentes, seres incompletos. Como afirmou o escritor, foi graças às pesquisas<br />
do movimento mo<strong>de</strong>rnista que a poesia e o romance brasileiro se enriqueceram do<br />
ponto <strong>de</strong> vista psicológico, saindo do estágio do reflexo condicionado.<br />
Para tomar apenas dois ex<strong>em</strong>plos, vimos, a partir da relação <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> com os<br />
textos freudianos e machadianos, que há da parte do autor dos Contos novos uma<br />
atitu<strong>de</strong> para com a tradição que não se limita à ruptura vanguardista, mas um respeito<br />
pelo já escrito, um reconhecimento do legado que nos foi transmitido. Jacques<br />
Derrida, <strong>em</strong> Confissões <strong>de</strong> amanhã, respon<strong>de</strong>ndo a Elisabeth Roudinesco acerca da<br />
sua relação com a herança <strong>de</strong>ixada pela tradição, assinala que “é preciso primeiro<br />
saber e saber reafirmar o que v<strong>em</strong> antes <strong>de</strong> nós”, levando <strong>em</strong> conta que antes mesmo<br />
<strong>de</strong> que possamos escolhê-la é ela que nos elege. 421 Então, diz ele, reafirmar a herança<br />
significa “não apenas aceitar essa herança, mas relançá-la <strong>de</strong> outra maneira e mantê-la<br />
viva”. Não se tratando <strong>de</strong> passadismo, conservadorismo,<br />
seria preciso portanto partir <strong>de</strong>ssa contradição formal e aparente entre a<br />
passivida<strong>de</strong> da recepção e a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> dizer ‘sim’, <strong>de</strong>pois selecionar, filtrar,<br />
interpretar, portanto transformar, não <strong>de</strong>ixar intacto, incólume, não <strong>de</strong>ixar<br />
salvo aquilo mesmo que se diz respeitar antes <strong>de</strong> tudo. 422<br />
421 Pod<strong>em</strong>os relacionar esta afirmação <strong>de</strong> Derrida acerca da herança com o que Lacan assinala sobre a<br />
anteriorida<strong>de</strong> da linguag<strong>em</strong>, do gran<strong>de</strong> Outro <strong>em</strong> relação ao sujeito. Na medida <strong>em</strong> que Lacan concebe<br />
esta priorida<strong>de</strong> do significante, <strong>em</strong> cuja ca<strong>de</strong>ia o sujeito irá se inscrever, pod<strong>em</strong>os dizer que o sujeito<br />
advém tributário do significante, “da precedência <strong>de</strong> uma língua, <strong>de</strong> uma cultura ou da filiação <strong>em</strong><br />
geral” (J. Derrida, op. cit.).<br />
422 J. Derrida, E. Roudinesco, Confissões <strong>de</strong> amanhã, p. 7. Trabalhei com a tradução <strong>de</strong> André Telles<br />
para a Jorge Zahar, ainda inédita. O livro foi construído a partir <strong>de</strong> um diálogo entre Derrida e<br />
Roudinesco sobre t<strong>em</strong>as que implicam “gran<strong>de</strong>s interrogações que perpassam a nossa época”, cujas<br />
respostas envolv<strong>em</strong> as abordagens literária, filosófica, psicanalítica, política, histórica.<br />
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