Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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lado, <strong>de</strong> viés, é o modo próprio <strong>de</strong> surgimento do inconsciente, como interpretou o<br />
pesquisador do seqüestro, anotando <strong>em</strong> seus manuscritos que o <strong>de</strong>sejo do amante <strong>de</strong><br />
reencontrar a dona ausente “achara um jeito simbólico <strong>de</strong> o enunciar. De o dizer s<strong>em</strong><br />
o dizer”. Outro plus que a noção marioandradina <strong>de</strong> seqüestro implica é o fato <strong>de</strong>sta<br />
r<strong>em</strong>eter a uma experiência <strong>de</strong> significado coletivizável, na medida <strong>em</strong> que o marujo e<br />
o colono recém-chegado transformam a sauda<strong>de</strong>, o sofrimento, <strong>em</strong> quadrinhas e<br />
cantigas, passando do que seria uma experiência individual para uma experiência<br />
compartilhada. Nas palavras do pesquisador, quanto às noções concebidas do<br />
complexo da dona ausente, “assim vagas, transferidoras ou sublimadoras é que<br />
pu<strong>de</strong>ram utilizar as energias afetivas do ser, transportando-as para uma funcionalida<strong>de</strong><br />
social, mais elevada moralmente”. 419<br />
No capítulo “Loucura”, <strong>de</strong>stacamos alguns eventos culturais que marcaram a<br />
presença <strong>de</strong> Febrônio Índio do Brasil nos anos 20-30, sua relação com o discurso<br />
médico, a justiça, a i<strong>de</strong>ologia do Estado, a imprensa – e <strong>em</strong> meio a este turbilhão, o<br />
interesse que o poeta/profeta místico provocou <strong>em</strong> Blaise Cendrars e <strong>Mário</strong> <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>. Pensamos, agora, que é possível articular aí duas formas <strong>de</strong><br />
seqüestro/recalque e <strong>de</strong> retorno do recalcado. O i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que entra <strong>em</strong><br />
cena no Brasil <strong>de</strong>sta época, que implicou a crença no progresso, no admirável hom<strong>em</strong><br />
novo, a superstição do novo e a religião do futuro, 420 recalca a permanência do resto, o<br />
retorno do trabalho da pulsão. A loucura dos atos <strong>de</strong> Febrônio veio mostrar à cida<strong>de</strong><br />
que se queria mo<strong>de</strong>rna e iluminada a sua face bárbara, o sombrio da pulsão <strong>de</strong> morte,<br />
dizendo através <strong>de</strong> seu silêncio que a repressão é s<strong>em</strong>pre falha, que há um resto<br />
inassimilável pela cultura e que retorna. A outra forma <strong>de</strong> seqüestro diz respeito à<br />
exclusão da loucura do campo da linguag<strong>em</strong>, por parte das noções <strong>de</strong> <strong>de</strong>generação,<br />
hereditarieda<strong>de</strong>, raça e instinto das teorias médicas <strong>em</strong> voga. No entanto, e<br />
po<strong>de</strong>ríamos assinalar aí mais um retorno do recalcado, Blaise e <strong>Mário</strong> faz<strong>em</strong> falar a<br />
palavra muda do louco Febrônio. A fala escrita sobre o corpo, a publicação do livro<br />
As revelações do príncipe do fogo, são restituídas à significação – na contra-corrente<br />
das teorias da <strong>de</strong>generescência e da visão da psicose <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> déficit – pelos<br />
escritores mo<strong>de</strong>rnistas. Acreditamos que os conceitos trazidos pela “revolução<br />
freudiana” permitiram que ambos os poetas que escreveram artigos críticos sobre<br />
419 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, “A dona ausente”, op. cit., p. 14.<br />
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