Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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Ao finalizar o percurso que realizamos com esta tese, pretend<strong>em</strong>os enfatizar o<br />
que para nós restou como traços mais significativos da leitura que fiz<strong>em</strong>os acerca das<br />
relações entre <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e a psicanálise, os usos que <strong>Mário</strong> fez <strong>de</strong> conceitos e<br />
noções psicanalíticas.<br />
Conforme disse Jules Romains, referindo-se às modas intelectuais que se<br />
sucediam na França, nos anos 20 foi inaugurada a “t<strong>em</strong>porada Freud” – tal como,<br />
pod<strong>em</strong>os acrescentar, <strong>em</strong> certos meios intelectuais brasileiros. Com relação a isto,<br />
pod<strong>em</strong>os afirmar que <strong>Mário</strong>, cujo espírito investigativo o levou a <strong>de</strong>bruçar-se sobre os<br />
textos freudianos e psicanalíticos, não recorreu à psicanálise simplesmente como uma<br />
onda passageira e mo<strong>de</strong>rna. De resto, satirizou atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste gênero, através das<br />
vozes <strong>de</strong> narradores e personagens, como a seguinte, que encontramos <strong>em</strong> Amar,<br />
verbo intransitivo: “Mas agora se fala tanto nos sentimentos seqüestrados... O<br />
subconsciente se presta a estas teogonias novas”; 416 ou pela voz da personag<strong>em</strong><br />
Siomara Ponga <strong>de</strong> O banquete, que diz não gostar <strong>de</strong> falar <strong>em</strong> subconsciente, apesar<br />
<strong>de</strong> usar o termo, pois “<strong>de</strong>le t<strong>em</strong>-se abusado tanto”. As duas adolescentes do conto<br />
“Atrás da catedral <strong>de</strong> Ruão”, legítimas representantes das elites brasileiras, vieram da<br />
Europa dando mostras do freudismo <strong>em</strong> voga, <strong>em</strong> frases cheias <strong>de</strong> suspiros como esta:<br />
“Me sinto freudiana, hoje...”. Ao nosso ver, então, <strong>Mário</strong> estava imerso na “ saison<br />
Freud”, como um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po, mas pô<strong>de</strong> ir além <strong>de</strong>la, além dos modismos,<br />
ironicamente os <strong>de</strong>nunciando. Como é observável através <strong>de</strong> sua marginália, nos<br />
textos através dos quais lia a psicanálise, <strong>de</strong> acordo com o trabalho <strong>de</strong> Nites T. Feres<br />
(Leituras <strong>em</strong> francês <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>), e <strong>de</strong> nossa verificação, <strong>Mário</strong> era leitor<br />
atento <strong>de</strong> Freud – psicanálise e psicologia –, e dialogava com os textos fazendo<br />
anotações para fins <strong>de</strong> estudo.<br />
Restringiu-se, a forma <strong>de</strong> apropriação da psicanálise realizada por <strong>Mário</strong>, a<br />
uma repetição <strong>de</strong> termos da teoria, ou implicou algo <strong>de</strong> singular e criativo? Ainda que<br />
haja uma dimensão <strong>de</strong> repetição, já que se tratam <strong>de</strong> “rastros freudianos”, e que <strong>em</strong> se<br />
tratando <strong>de</strong> rastro, é s<strong>em</strong>pre já <strong>de</strong> repetição que se trata – um tornar a dizer ou a<br />
escrever –, po<strong>de</strong>ríamos, com Garcia-Roza ao ler Deleuze, falar <strong>de</strong> uma repetição<br />
diferencial, distinguindo-a <strong>de</strong> uma repetição do mesmo. Enquanto esta última seria<br />
mera reprodução, estereotipia, a primeira produziria novida<strong>de</strong>, transformação.<br />
Deleuze, <strong>em</strong> Différence et répétition, diz que “repetir é uma forma <strong>de</strong> se comportar,<br />
416 M. <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Amar, verbo intransitivo, p. 154.<br />
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