Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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epresentar por S ( ) –, se constrói um saber, uma ficção, que não estava já aí. Este saber produzido a partir da fenda provoca um efeito de verdade para o sujeito, que acredita estar encontrando a sua lei de determinação. Mas a causa se metonimiza, se desloca, abrindo-se novamente ao questionamento. A hiância do inconsciente, dirá Lacan, é pré-ontológica, pois não concerne ao ser nem ao não-ser, mas ao não-realizado. Aqui o inconsciente freudiano pode ser definido, em termos de sujeito, como falta em ser, ou como want to be da tradução inglesa, um querer ser. Mário, em alguns momentos, parece compartilhar da idéia de que não é possível recuperar o passado, revivê-lo, mas que se trata de reconstruí-lo, de reinventar-se através de suas ficções, sabendo que sempre fica algo não significado, um “Jení” inquietante, non-sense. No seminário XX – Mais ainda, Lacan retoma seu célebre axioma do “inconsciente estruturado como uma linguagem”, a partir do que ele denominou de lalangue. Neste seminário, a linguagem, que “é feita de lalíngua”, 409 já será “uma elucubração de saber sobre lalíngua”, não estando aí senão posteriormente. Lalíngua, nos diz Lacan, “serve para coisas inteiramente diferentes da comunicação. É o que a experiência do inconsciente mostrou, no que ele é feito de lalíngua”. 410 Encontramos afinidades entre esta afirmação de Lacan e o que Mário dizia no Prefácio sobre o inconsciente, ou seja, que ele desconhece a existência da gramática e das línguas organizadas. A comunicação, diz Lacan, envolve a referência e o diálogo, enquanto o gozo de lalíngua nada garante que serviria inicialmente ao diálogo. De acordo com Miller, Lacan, com o termo lalangue, “se distanciou desta abstração que chamamos linguagem para nos reconduzir ao particular de cada língua”. 411 Haroldo de Campos prefere traduzir lalangue por lalíngua, pois não se trata de uma não-língua – trata-se, antes, de “uma língua enfatizada, uma língua tensionada pela ‘função poética’”. 412 409 Optou-se pela tradução de lalangue proposta por Haroldo de Campos no artigo “O afreudisíaco Lacan na galáxia de lalíngua” (Revista Correio). Sobre sua tradução do neologismo lalangue para lalíngua ao invés de alíngua, como foi traduzido para o português, Campos observa que o artigo feminino a “quando justaposto a uma palavra, pode confundir-se com o prefixo de negação, de privação”. Sua preferência pelo la tem o intuito de preservar “toda a área semântica que esta aglutinação convoca (e que está no francês lalangue, mas se perde em alíngua)”. Assim, explicita que “lalia, lalação derivados do grego laléo, têm as acepções de ‘fala’, ‘loquacidade’, e também por via do lat. lallare, verbo onomatopaico, ‘cantar para fazer dormir as crianças’” (p. 155), o que nos remete à lalíngua como o “idiomaterno”. O autor também evoca o la que utilizamos para nos referirmos a uma grande atriz, uma diva: “La Garbo, la Duncan, la Monroe”. 410 J. Lacan, O seminário, livro XX, p. 188. 411 J-A. Miller, “O último ensino de Lacan”, Opção lacaniana, nº35, p.14. 412 H. de Campos, op. cit., p. 154. 167
O “Poema escrito aos dez anos” por Mário nos evoca, com seu jogo fônico – seu sem-sentido, que se aproxima mais de “uma galáxia de significantes” do que de “uma estrutura de significados” –, lalíngua, na medida em que como o inconsciente, “é um saber-fazer com lalíngua”. Diz ainda Lacan que “o Um encarnado em lalíngua é algo que resta indeciso entre o fonema, a palavra, a frase, mesmo todo o pensamento”. 413 A respeito deste S1, que, depois de tê-lo isolado no matema do discurso do mestre, Lacan pluraliza, concedendo-lhe valor de enxame (esse-um, S1, em francês, é homofônico a essaim), um enxame significante, Miller dirá que “se trata mais de uma constelação de significantes do que da unicidade do significante mestre”. 414 Para Lacan, o ser falante testemunha os efeitos que sobre ele tem lalíngua, através dos afetos que se lhe apresentam como enigmáticos (pensemos no inquietante Jení, para Mário); “ela articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o ser falante suporta de saber enunciado”. 415 413 J. Lacan, op. cit., p. 196. Esta afirmação de Lacan nos presentifica a noção derrideana de indecidível (indécidable), como aquilo que não se deixa apreender no interior de uma lógica de oposições binárias, mantendo-se ambivalente, no meio (milieu), abrigando os dois termos. Por exemplo, “o pharmakon, não é nem o remédio, nem o veneno”, tampouco resulta num terceiro termo que seria alcançado por uma solução dialética (cf. S. Santiago, Glossário de Derrida, p. 49). 414 J-A. Miller, “El inconsciente es político”, Revista lacaniana de psicoanálisis, p. 16. 415 J. Lacan, op. cit., p. 190. 168
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O “Po<strong>em</strong>a escrito aos <strong>de</strong>z anos” por <strong>Mário</strong> nos evoca, com seu jogo fônico –<br />
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“uma estrutura <strong>de</strong> significados” –, lalíngua, na medida <strong>em</strong> que como o inconsciente,<br />
“é um saber-fazer com lalíngua”. Diz ainda Lacan que “o Um encarnado <strong>em</strong> lalíngua<br />
é algo que resta in<strong>de</strong>ciso entre o fon<strong>em</strong>a, a palavra, a frase, mesmo todo o<br />
pensamento”. 413 A respeito <strong>de</strong>ste S1, que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tê-lo isolado no mat<strong>em</strong>a do<br />
discurso do mestre, Lacan pluraliza, conce<strong>de</strong>ndo-lhe valor <strong>de</strong> enxame (esse-um, S1,<br />
<strong>em</strong> francês, é homofônico a essaim), um enxame significante, Miller dirá que “se trata<br />
mais <strong>de</strong> uma constelação <strong>de</strong> significantes do que da unicida<strong>de</strong> do significante<br />
mestre”. 414 Para Lacan, o ser falante test<strong>em</strong>unha os efeitos que sobre ele t<strong>em</strong> lalíngua,<br />
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Jení, para <strong>Mário</strong>); “ela articula coisas que vão muito mais longe do que aquilo que o<br />
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413 J. Lacan, op. cit., p. 196. Esta afirmação <strong>de</strong> Lacan nos presentifica a noção <strong>de</strong>rri<strong>de</strong>ana <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cidível<br />
(indécidable), como aquilo que não se <strong>de</strong>ixa apreen<strong>de</strong>r no interior <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong> oposições binárias,<br />
mantendo-se ambivalente, no meio (milieu), abrigando os dois termos. Por ex<strong>em</strong>plo, “o pharmakon,<br />
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uma solução dialética (cf. S. Santiago, Glossário <strong>de</strong> Derrida, p. 49).<br />
414 J-A. Miller, “El inconsciente es político”, Revista lacaniana <strong>de</strong> psicoanálisis, p. 16.<br />
415 J. Lacan, op. cit., p. 190.<br />
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