Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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primeiro”. 401 Este X designa o sujeito como uma incógnita. Escreve o fato de que o sujeito ex-siste à cadeia significante. Dito de outro modo, o sujeito, na cadeia significante, só aparece representado, mas nenhum significante irá esgotá-lo, dizer o que ele é, porque o sujeito é falta em ser. O significante primordial, caído sob repressão primária, constitui o núcleo do inconsciente, sendo puro sem-sentido, a-semântico. Com relação a este significante irredutível, diz Lacan que ele não está aberto a todos os sentidos, mas, pelo contrário, mata todos os sentidos. Lacan insiste neste ponto, no capítulo XIX do Seminário XI, dizendo que a interpretação não está aberta a todos os sentidos. Não é pelo fato de que um significante remete a outro, metonimicamente, que todas as interpretações são possíveis. “Não é porque eu disse que o efeito da interpretação é isolar no sujeito um coração, um Kern - para me exprimir como Freud - de non-sense, que a interpretação ela mesma é um sem-sentido”. 402 A interpretação é uma significação, mas não uma significação qualquer. Aquilo a que visa a interpretação é fazer surgir este significante primordial, irredutível, ao qual o sujeito está submetido. Lacan propõe que a interpretação opere ao nível do significado. Isto é, que a interpretação significativa leve o analisante ao sem-sentido significante. “O que é essencial é que ele veja, para além dessa significação, a qual significante sem-sentido, irredutível, traumático, ele está, como sujeito, assujeitado”. 403 Reverte-se, neste caso, a relação na qual o significante produz como efeito o significado. Pois, no dizer de Lacan, “não é o efeito de sentido que opera na interpretação, mas a articulação, no sintoma, dos significantes (sem nenhum sentido) aprisionados nele”. 404 O convite à associação livre, feito pelo analista ao analisante, é um convite para entrar na alienação significante. A via tomada em primeiro lugar é a do sentido, do deslizamento significante, da despetrificação. Mas o caminhar pelo desfiladeiro significante, produzindo novos sentidos, esbarra com o sem-sentido que, ao emergir, mostra a sua incidência no campo do Outro. No percurso adotado neste capítulo, evidenciaram-se algumas das concepções possíveis de inconsciente que atravessam os textos de Mário de Andrade: uma visão pré-freudiana de um subconsciente farto de imagens, um “eldorado”, onde os poetas vão buscar a inspiração, um “inconsciente romântico da criação imaginante”, como 401 J. Lacan, op.cit., p.237. 402 Idem, p.236. 403 Idem, p.237. 165
diz Lacan, asseverando que este de modo algum é o inconsciente freudiano; um inconsciente-memória, reminiscência, que vai buscar uma verdade inscrita em algum monumento: suas lembranças, o próprio corpo, na tradição cultural, nos objetos, nas estátuas, etc. A idéia do inconsciente como um significado recalcado a ser liberado numa “palavra plena”, verdadeira, é uma das possíveis visões do inconsciente, encontradas em Freud e Lacan. No entanto, encontramos também, em Freud, Lacan e Mário, um inconsciente vazio de sentido, como tropeço, descontinuidade: “hiância, pulsação, uma alternância de sucção, para seguirmos certas indicações de Freud”, 405 sublinha Lacan, acerca da pulsação do inconsciente, que não sendo um interior, um dentro, implica movimentos de abertura e fechamento. No seminário sobre Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan, tomando o termo alemão Unbewusste, faz nele uma escanção, separando o Un – “uma forma desconhecida do um”, ao dizer que não há uma unidade anterior à descontinuidade, pois o “ um que é introduzido pela experiência do inconsciente é o um da fenda, do traço, da ruptura”. 406 Outra maneira que tem Lacan para falar do inconsciente como descontinuidade é afirmar que, entre o sujeito e o Outro, o inconsciente é o “seu corte em ato”. 407 Os exemplos de atos falhos trazidos por Mário, como um esquecimento de nome próprio ou uma troca de nomes, abrem para ele a dimensão da causa, como pergunta sobre o que irrompeu surpreendendo o sujeito: Assim, o inconsciente se manifesta sempre como algo que vacila num corte do sujeito – donde ressurge um achado que Freud assimila ao desejo – desejo que situaremos provisoriamente na metonímia do discurso em causa, em que o sujeito se saca em algum ponto inesperado. 408 A partir da falha, então, se produz um achado, de valor único, surpreendente. Mário, ao modo de um analisante, “associa livremente”, encontrando um saber sobre sua vacilação, sobre o que lhe colocou em questão. Ao invés de pensarmos que este saber já estava lá, à espera do intérprete, parece-nos mais interessante pôr a hipótese de que, a partir de um significante ou um traço que demarca um buraco – poderíamos 404 Idem, “Posição do inconsciente”, p. 856. 405 Idem, p. 852. 406 Idem, O seminário, livro XI, p. 30. 407 Podemos dizer que um analista, ao escandir o discurso de um paciente, por exemplo, nos pontos onde surge um significante mestre (S1), opera como o inconsciente, como um corte em ato. 408 J. Lacan, O seminário, livro XI, p. 32. 166
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primeiro”. 401 Este X <strong>de</strong>signa o sujeito como uma incógnita. Escreve o fato <strong>de</strong> que o<br />
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que ele é, porque o sujeito é falta <strong>em</strong> ser.<br />
O significante primordial, caído sob repressão primária, constitui o núcleo do<br />
inconsciente, sendo puro s<strong>em</strong>-sentido, a-s<strong>em</strong>ântico. Com relação a este significante<br />
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mata todos os sentidos. Lacan insiste neste ponto, no capítulo XIX do S<strong>em</strong>inário XI,<br />
dizendo que a interpretação não está aberta a todos os sentidos. Não é pelo fato <strong>de</strong> que<br />
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ela mesma é um s<strong>em</strong>-sentido”. 402 A interpretação é uma significação, mas não uma<br />
significação qualquer. Aquilo a que visa a interpretação é fazer surgir este significante<br />
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interpretação opere ao nível do significado. Isto é, que a interpretação significativa<br />
leve o analisante ao s<strong>em</strong>-sentido significante. “O que é essencial é que ele veja, para<br />
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está, como sujeito, assujeitado”. 403 Reverte-se, neste caso, a relação na qual o<br />
significante produz como efeito o significado. Pois, no dizer <strong>de</strong> Lacan, “não é o efeito<br />
<strong>de</strong> sentido que opera na interpretação, mas a articulação, no sintoma, dos significantes<br />
(s<strong>em</strong> nenhum sentido) aprisionados nele”. 404<br />
O convite à associação livre, feito pelo analista ao analisante, é um convite<br />
para entrar na alienação significante. A via tomada <strong>em</strong> primeiro lugar é a do sentido,<br />
do <strong>de</strong>slizamento significante, da <strong>de</strong>spetrificação. Mas o caminhar pelo <strong>de</strong>sfila<strong>de</strong>iro<br />
significante, produzindo novos sentidos, esbarra com o s<strong>em</strong>-sentido que, ao <strong>em</strong>ergir,<br />
mostra a sua incidência no campo do Outro.<br />
No percurso adotado neste capítulo, evi<strong>de</strong>nciaram-se algumas das concepções<br />
possíveis <strong>de</strong> inconsciente que atravessam os textos <strong>de</strong> <strong>Mário</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: uma visão<br />
pré-freudiana <strong>de</strong> um subconsciente farto <strong>de</strong> imagens, um “eldorado”, on<strong>de</strong> os poetas<br />
vão buscar a inspiração, um “inconsciente romântico da criação imaginante”, como<br />
401 J. Lacan, op.cit., p.237.<br />
402 Id<strong>em</strong>, p.236.<br />
403 Id<strong>em</strong>, p.237.<br />
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