Rastros Freudianos em Mário de Andrade - Universidade Federal ...
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tudo po<strong>de</strong> ser r<strong>em</strong><strong>em</strong>orado, Freud propõe que a convicção da verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
construção t<strong>em</strong> o mesmo valor <strong>de</strong>, ou equivale a, uma l<strong>em</strong>brança.<br />
Com bastante freqüência não conseguimos fazer o paciente recordar o que foi<br />
reprimido. Em vez disto, se a análise é corretamente efetuada, produzimos nele<br />
uma convicção segura da verda<strong>de</strong> da construção, a qual alcança o mesmo<br />
resultado terapêutico <strong>de</strong> uma l<strong>em</strong>brança recapturada. 389<br />
Nas palavras <strong>de</strong> J.-A. Miller, que nos ecoa Derrida, “a substituição t<strong>em</strong> o mesmo<br />
valor que o original”. 390<br />
Isto explica, segundo o mesmo autor, que este texto seja um apelo precoce a<br />
Lacan, pois nele a verda<strong>de</strong>, não sendo factual, exata, t<strong>em</strong> estrutura <strong>de</strong> ficção. No final<br />
do texto, Freud chega a aproximar a verda<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>lírio do psicótico:<br />
Assim como a nossa construção só é eficaz porque recupera um fragmento <strong>de</strong><br />
experiência perdida, também o <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong>ve o seu po<strong>de</strong>r convincente ao<br />
el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> histórica que ele insere no lugar da realida<strong>de</strong> rejeitada. 391<br />
O texto passa então <strong>de</strong> uma analogia entre psicanálise e arqueologia a uma analogia<br />
entre psicanálise e psicose. Assim, neste que é um dos artigos finais <strong>de</strong> sua obra,<br />
pod<strong>em</strong>os dizer com Miller que para Freud “a verda<strong>de</strong> t<strong>em</strong> estrutura <strong>de</strong> <strong>de</strong>lírio”.<br />
Nos escritos <strong>de</strong> Benjamin, é possível apreen<strong>de</strong>r esta concepção da verda<strong>de</strong><br />
como construção, nomeadamente <strong>em</strong> textos como “Sobre o conceito <strong>de</strong> História”: “A<br />
história é objeto <strong>de</strong> uma construção cujo lugar não é o t<strong>em</strong>po homogêneo e vazio, mas<br />
um t<strong>em</strong>po saturado <strong>de</strong> ‘agoras’”. 392 E ainda: “Articular historicamente o passado não<br />
significa conhecê-lo ‘como ele <strong>de</strong> fato foi’”. 393<br />
É <strong>de</strong>sta maneira que o narrador <strong>de</strong> Contos novos articula ficcionalmente o<br />
próprio passado – um passado cujas lascas metonímicas da m<strong>em</strong>ória do<br />
acontecimento saltam para o presente, mesclam-se, tecendo a trama <strong>de</strong> sua vida <strong>em</strong><br />
“um t<strong>em</strong>po saturado <strong>de</strong> ‘agoras”. Assim, por ex<strong>em</strong>plo, o <strong>de</strong>sejo sexual que ficara<br />
interditado para o adolescente <strong>de</strong> “Fre<strong>de</strong>rico Paciência” po<strong>de</strong>, no presente da<br />
enunciação do narrador, ser nomeado, ao transformar-se <strong>em</strong> escrita. Como diz<br />
388 J. Culler, Sobre la <strong>de</strong>sconstrucción, p. 144.<br />
389 S. Freud, “Construcciones en análisis”, Obras Completas, vol. XXIII, p. 267.<br />
390 J-A Miller, “Marginália <strong>de</strong> ‘Construções <strong>em</strong> análise’”, Opção lacaniana, nº 17.<br />
391 S. Freud, op. cit., p.270.<br />
392 W. Benjamin, op. cit., p. 229.<br />
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